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Astronauta e futuro ministro Marcos Pontes negou por anos ser sócio oculto de empresa. Virou dono dela depois que investigação prescreveu.

Militares são proibidos por lei de terem negócios. Até setembro, empresa que vendia bugigangas galáticas estava no nome de sua assessora de imprensa.

Marcos Pontes participa do 1º Congresso Aeroespacial Brasileiro na UniAmérica-Centro Universitário em Foz do Iguaçu, no Paraná, no dia 2 de novembro.

Uma das primeiras promessas de campanha que o presidente eleito Jair Bolsonaro cumpriu foi anunciar a contratação de Marcos Pontes, tenente-coronel de 55 anos reservista da Força Aérea Brasileira e único brasileiro na história a ter viajado ao espaço. Pontes vai ocupar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Comunicações. Nas redes sociais, opositores de Bolsonaro fizeram piada com o fato de o astronauta ter se notabilizado mais por ser palestrante e garoto-propaganda de travesseiros “da Nasa”, a agência espacial americana na qual foi treinado durante sete anos, ao custo de US$ 10 milhões (R$ 37 milhões), do que por suas contribuições à ciência.

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Mas nem tudo é folclore no merchandising do astronauta e de seus travesseiros, vendidos nas lojas Havan por dez vezes de R$ 6,99. Pouco antes de ir para a reserva, em 2006, o tenente-coronel da reserva foi alvo de uma investigação do Ministério Público Militar para apurar se ele havia infringido o artigo 204 do Código Militar, que proíbe a militares da ativa qualquer atividade comercial. Na época, ele negou relação com a empresa Portally Eventos e Produções, registrada em nome de uma assessora de imprensa dele. A investigação caducou no STF sem que os procuradores tivessem atendido um pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Pontes.

Astronauta e futuro ministro Marcos Pontes negou por anos ser sócio oculto de empresa. Virou dono dela depois que investigação prescreveu.

Documentos obtidos pelo Intercept na Junta Comercial de São Paulo mostram que em setembro de 2017, após mais de uma década negando relação com a Portally – e já livre de qualquer punição possível –, Pontes se tornou sócio majoritário da empresa, com 80% da participação. A assessora de imprensa que antes era dona da companhia, Christiane Corrêa, manteve 20% de participação, enquanto familiares dela que figuraram como donos minoritários deixaram a sociedade. Apesar de ter se tornado sócio de fato da Portally apenas no ano passado, há outra forte ligação da empresa com Pontes. Em 2014, quando o astronauta disputou uma vaga na Câmara dos Deputados (e perdeu), ele recebeu R$ 20 mil em uma doação da empresa.

Quando Pontes passou para a reserva, quinquilharias e bugigangas galácticas, como bonés, camisetas e chaveiros, já eram comercializadas no site Conexão Espacial, criado em 2001 e que existe até hoje com a chancela e a imagem dele. Em maio de 2006, menos de um mês após ter sido homenageado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, Pontes, aos 43 anos de idade, deixou a Aeronáutica sem nem mesmo avisar o presidente da Agência Espacial Brasileira, órgão sob o guarda-chuva do ministério que a partir do ano que vem será comandado pelo astronauta. “Minha surpresa foi ficar sabendo da passagem para a reserva pelo Diário Oficial”, disse à época o presidente da AEB, Sérgio Gaudenzi, à Folha de S.Paulo.

Foi então que surgiram os primeiros questionamentos sobre a suposta atividade comercial de Pontes, o que é vedado a integrantes da ativa pelo Código Militar. Em julho daquele ano, a então procuradora-geral da Justiça Militar, Maria Ester Henriques Tavares, pediu a abertura de um inquérito para investigar se o astronauta tinha ligação com a loja virtual e se, portanto, ele havia desobedecido a lei.

A Justiça Militar negou pedido para que houvesse quebra de sigilo bancário e fiscal de Pontes, e o Ministério Público Militar recorreu ao Supremo Tribunal Federal. O recurso se arrastou por mais de uma década, até três meses atrás, em agosto, quando foi engavetado de vez pela ministra Rosa Weber sob o argumento de que o eventual crime já teria prescrito.

Em todas as vezes que se pronunciou sobre a loja online, Pontes negou ligações com o site Conexão Espacial e com a Portally Eventos e Produções. Em 2007, Pontes atribuiu a investigação a uma suposta perseguição por causa da viagem espacial que fez: “Acho que a notoriedade alcançada pode, sim, ter influenciado”, afirmou ao Jornal da Cidade, de Bauru (SP), onde mora. “A minha única participação no site é a cessão da imagem”, completou. Pontes também disse, em nota, que não havia “absolutamente nada de irregular nas minhas atividades profissionais em décadas de serviço ao país como militar”.

Como astronauta, um grande comerciante

Pontes virou dono de 80% da Portally em 1º de setembro do ano passado, como mostra a alteração de contrato social registrada na Jucesp. Até então, a empresa era dividida entre 55% em nome da assessora de imprensa do astronauta, Christiane Gonçalves Corrêa, e 45% em nome da mãe dela, Maria Olinda, que deixou a sociedade quando Pontes entrou. O documento revela ainda que o site é uma fonte fixa de renda para Pontes, pois os sócios têm “direito a uma retirada mensal a título de pró-labore, em valor a ser fixado a cada mês”. Ainda de acordo com o papel, Christiane é responsável pela administração da Portally.

A empresa está registrada no endereço da Fundação Astronauta Marcos Pontes, cuja diretora-presidente é Christiane. No sobrado ao lado fica a empresa Integra Optics, que fabrica componentes de fibra óptica e é representada no Brasil por Pontes e por Christiane, de acordo com outros documentos da Jucesp. O banco de dados dos contribuintes do IPTU, disponibilizado online pela Prefeitura de São Paulo, mostra que a interligação entre as empresas do astronauta e da assessora de imprensa se estende também aos imóveis. O IPTU da casa nº 189, ocupada pela Integra Optics, está em nome da Portally. E o IPTU da casa nº 195, ocupada pela Fundação Astronauta Marcos Pontes e na qual está registrada a Portally, é pago por outra empresa, a Ngmog Empreendimentos e Participações, que pertence aos pais de Christiane.

Procurado pelo Intercept, a assessoria do futuro ministro afirmou que o assunto foi investigado e, “como não houve nenhuma conduta ilegal de Pontes, nada de errado foi encontrado”. A nota diz ainda que hoje “Pontes é da reserva e, obviamente, pode ter participação em empresas comerciais”. Finaliza o texto: “Portanto, sua conduta continua sendo sempre dentro da lei.”

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