Novo ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez acredita que o sistema de ensino estaria contaminado por uma "doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista"

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Novo ministro da Educação terá orçamento que pode fazer fortuna a membros do governo – incluindo o Escola Sem Partido

Novo ministro da Educação irá definir prioridades de um governo com foco no ensino privado, onde colegas possuem negócios.

Novo ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez acredita que o sistema de ensino estaria contaminado por uma "doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista"

Jair Bolsonaro não poderia ter escolhido um comandante para o Ministério da Educação mais alinhado ao que defende para o setor. O colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez acredita que o sistema de ensino estaria contaminado por uma “doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista” e “destinado a desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade”.

Caberá a ele definir prioridades para um orçamento de mais de R$ 120 bilhões, o terceiro maior da União (atrás de Desenvolvimento Social e Saúde), e discutir temas que são caros ao presidente eleito e seus apoiadores, mas que estão longe de consenso na sociedade e no meio político – como a Escola sem Partido.

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Indicado pelo filósofo de extrema direita Olavo de Carvalho, Rodríguez é professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em seu blog pessoal, ele publicou, antes de ser confirmado no cargo, um “roteiro para o MEC”, no qual defende que a educação seja recolocada “a serviço das pessoas” e não para “perpetuar uma casta que se enquistou no poder”. Ele também chama o golpe militar de 1964 de “intervenção” e acha que o Enem é “instrumento de ideologização”. Em outra postagem, de setembro de 2017, opinou sobre o projeto Escola sem Partido: “uma providência fundamental”.

 No ensino privado, temas como a Escola Sem Partido tem mais entrada, já que as instituições ficam livres para desenharem seus currículos ao sabor do mercado.

Mas não é só uma questão ideológica. O projeto Escola sem Partido, uma lei que propõe abordagens “neutras”, como tratar a ditadura militar brasileira como “contra-revolução democrática de 31 de Março de 1964”, e sem educação sexual para livrar salas de aula de “doutrinação de esquerda”, também envolve dinheiro. E alguns dos mais interessados estão justamente na base do presidente eleito.

As propostas de Bolsonaro para a Educação valorizam o ensino privado, em que temas como a Escola Sem Partido acabam tendo mais entrada, já que as instituições ficam mais livres para desenharem seus currículos educacionais ao sabor do mercado. Já foi anunciado que haverá corte de recursos para universidades públicas, e a equipe analisa a cobrança de mensalidade em instituições federais e a distribuição de “vouchers” para alunos de baixa renda estudarem nessas instituições. O próximo governo também quer priorizar o ensino à distância, considerado mais barato que o convencional. Bolsonaro já defendeu o ensino privado e à distância como forma de combater o “marxismo”.

Se for aprovado, além de satisfazer a onda conservadora que varre o país, o Escola Sem Partido também será uma ótima oportunidade de negócio para empresas de educação, sejam elas escolas ou editoras que imprimem livros didáticos. Publicações e currículos terão de ser reescritos, e quem se adiantar ao projeto larga em vantagem.

Um dos principais beneficiados com o projeto é o seu guru da Economia, Paulo Guedes. Nos últimos anos, o Posto Ipiranga do novo presidente teve como foco de investimento justamente o setor de educação particular, que agora deve florescer.

Os negócios em educação de Guedes podem lucrar em duas frentes: com o reforço da educação privada e com as mudanças que podem ocorrer nos próximos anos com o Escola Sem Partido.

Paulo Guedes é um dos principais beneficiados com o Escola Sem Partido. Nos últimos anos, o Posto Ipiranga teve como foco justamente o setor de educação particular.

Na Bozano Investimentos, ele investiu em grupos de escolas, universidades e editoras de livros escolares, prevendo que o ensino particular iria trazer maior retorno. As empresas que fazem parte da cartela da Bozano reúnem, hoje, centenas de milhares de estudantes. O bom desempenho garantiu retorno financeiro à Bozano (e, por consequência, a Guedes).

Um deles é o autointitulado maior grupo educacional do mundo – o Kroton. Ele alcançou a posição após comprar a Somos Educação. Esta, por sua vez, cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Para isso, recebeu ajuda: investimentos da empresa de Guedes.

Não fica claro quanto, exatamente, foi parar no bolso do economista. Os balanços operacionais da Bozano foram retirados do site recentemente. Mas, se as empresas investidas têm lucro, os fundos de Guedes recebem mais dinheiro, e uma parte é dividida entre os sócios.

Para se ter uma ideia, em 2012, quando entrou no fundo BR Educacional, uma gestora de ativos pertencente a Guedes, o grupo Anima projetou que passaria de 42 mil para 100 mil alunos. Foi o que aconteceu. No balanço de resultados deste ano, o grupo apontou ter chegado aos 97,9 mil estudantes. O lucro bruto, no primeiro semestre deste ano, foi de R$ 246 milhões contra R$ 70 milhões no começo de 2012. O MPF está investigando o fundo por suspeita de irregularidades na gestão de dinheiro de fundo de estatais.

Curiosamente, no mesmo texto em que traça um “roteiro para o MEC”, o novo ministro da Educação critica empresas financeiras que, “através de fundos de pensão internacionais, enxergam a educação brasileira como terreno onde se possam cultivar propostas altamente lucrativas para esses fundos”. Resta saber se ele será tão duro assim com os negócios de Guedes, seu colega de primeiro escalão.

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Um dos autores do Escola Sem Partido, o deputado Izalci Lucas, é um velho defensor do ensino particular.

Foto: AP Photo/Eraldo Peres

Lobby no Congresso

Não é só Paulo Guedes que tem interesse no Escola sem Partido. Um dos autores do projeto de lei sobre o assunto na Câmara, o deputado Izalci Lucas, é um velho defensor do ensino particular. Ele diz, no projeto, que a “ideologia de gênero” estaria sendo usada em sala de aula para destruir famílias. Izalci foi eleito para o Senado e já declarou apoio a Bolsonaro. Ele é presidente do PSDB do Distrito Federal e integrante da bancada da Bíblia.

Izalci ainda consta como sócio de instituições de ensino em Brasília, apesar de alegar que se afastou dos negócios quando entrou na política. Ele também já foi presidente do sindicato do setor duas vezes. Enquanto líder sindical, criou o Cheque Educação, que oferecia descontos de até 50% na mensalidade de universidades particulares para estudantes de baixa renda – proposta muito parecida com o voucher de Guedes. Uma de suas propostas de lei pede isenção de impostos para instituições de ensino privadas.

Em 2014, a sua campanha à Câmara foi financiada por grandes grupos educacionais. As doações somaram R$ 218 mil, cerca de um quarto do total arrecadado por ele na época. A prestação de contas da campanha de 2018 ainda não foi divulgada.

 Se não for à votação este ano, a partir de 2019 a Escola Sem Partido terá o trâmite facilitado. 

O projeto Escola sem Partido ainda deverá ser aprovado no plenário da Câmara e do Senado. Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal pode decidir sobre uma lei do Alagoas semelhante à Escola sem Partido. Mesmo valendo apenas para o estado, a decisão irá firmar a posição da Corte sobre o assunto.

Se não for à votação este ano, a partir de 2019 o trâmite será facilitado, pois o PSL, partido de Bolsonaro, terá a segunda maior composição da Casa. Foram eleitos notórios apoiadores da medida, como Joice Hasselmann, Alexandra Frota e Kim Kataguiri, que trabalharão para ela ser aprovada.

No ano passado, a ONU manifestou preocupação com a proposta. Relatório enviado ao governo brasileiro diz que a proposição permite “alegar que um professor está violando as regras pelo fato de autoridades ou pais subjetivamente considerarem a prática como propaganda político-partidária”, e poderá retirar das salas de aula “discussões de tópicos considerados controversos ou sensíveis, como discussões de diversidade e direitos da minorias”.

Dos 45 deputados que integram a comissão especial na Câmara, a maioria (23) pertence à bancada evangélica. O presidente, Marcos Rogério, do PDT de Rondônia, se diz defensor dos “valores da família e princípios cristãos”. Os primeiro e segundo vice-presidentes são pastores evangélicos.

O relator do projeto na comissão, deputado Flavinho, do PSC de São Paulo, diz em seu parecer que é possível que uma criança mude de sexo por influência dos professores. O texto foi chamado de “brilhante” por Miguel Nagib, procurador de São Paulo que criou uma empresa e uma associação com o nome Escola sem Partido. Ele dá palestras sobre o assunto pelo país, e lucra com isso.

A bandeira também é defendida publicamente por grupos neoliberais como o Movimento Brasil Livre e o Revoltados Online – este último tem como uma de suas coordenadoras uma cunhada de Nagib.

Sem partido mas com a conta cheia

No mercado editorial, há expectativa entre as editoras de material didático de que sejam aplicadas regras da Escola sem Partido no próximo edital para compra de livros didáticos (o governo é o maior comprador), de acordo com Carlo Carrenha, editor e fundador do Publishnews. Algumas se adiantaram e já estão adaptando os materiais, numa espécie de autocensura. “Tenho ouvido de escritores e ilustradores que não pode mais aparecer criança nua tomando banho, por exemplo. Isso seria pornografia'”, afirma Volnei Canônica, especialista em literatura infantil e diretor do clube de livros Quindim.

A professora Fernanda Moura, que estudou o Escola sem Partido para a dissertação de mestrado, defende que o movimento é moralista na aparência, mas esconde interesses econômicos. A ideia é criar pânico, como se os estudantes realmente estivessem aprendendo sobre socialismo e educação sexual de forma inadequada. “Assim, aumenta-se o mercado para materiais didáticos e aulas prontas, e também a demanda por matrículas em sistemas particulares de ensino nos quais os professores têm autonomia extremamente restrita”, afirma.

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