Augusto Heleno Ribeiro Pereira, o general Heleno, será o ministro do Gabinete de Segurança Institucional do governo de Jair Bolsonaro. Em seu discurso, o presidente eleito defende um estado enxuto e responsabilidade nos gastos públicos. Para manter a coerência, terá que cobrar aliados como Heleno. Em 2013, o general foi condenado pelo Tribunal de Contas da União, o TCU, por autorizar convênios ilegais que custaram R$ 22 milhões ao governo – e favoreceram militares conhecidos seus.
Quando era chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, general Heleno autorizou dois convênios para a quinta edição dos Jogos Mundiais Militares, que ocorreram em 2011 no Rio de Janeiro. Os acordos, de mais de R$ 22 milhões, foram feitos com duas entidades sem fins lucrativos: a Fundação Ricardo Franco, a FRF, que dá apoio ao Instituto Militar de Engenharia, e o Instituto de Fomento e Inovação do Exército Brasileiro, o Ifiex.
Com a Fundação Ricardo Franco, general Heleno assinou um acordo de R$ 19,5 milhões “para dar suporte técnico e administrativo” para a realização dos Jogos Militares, com desenvolvimento de serviços de engenharia de computação e de comunicações. A intenção era aprimorar um sistema de controle “desenvolvido para ser usado em ambiente hostil” – em outras palavras, prestar serviços de tecnologia da informação. No acordo, no entanto, não fica clara qual é a necessidade desse tipo de sistema complexo em um contexto de jogos esportivos, e nem por que os Jogos seriam um ambiente hostil.
O convênio tinha validade entre setembro de 2009 e outubro de 2011, podendo ser prorrogado. Na época, o presidente da Fundação Ricardo Franco, que faturou a bolada, era o general Edival Ponciano de Carvalho, casado com Marilu Ferreira de Carvalho, amiga da família do general Heleno. No Facebook dela, há uma foto de 2015 com comentário da esposa de Heleno, Sonia Maria Pereira: “Que linda foto, amiga!”.
A fundação se beneficia de dinheiro público desde os anos 90. Entre 1998 e 2012, a FRF assinou 53 convênios com diferentes órgãos da União, totalizando mais de R$ 245 milhões. Mas o Departamento de Ciência e Tecnologia, que foi chefiado por Heleno, foi o responsável pelo maior volume desses recursos: R$ 76,3 milhões, 31% do total.
Heleno argumentou que não tinha os conhecimentos necessários para avaliar a necessidade dos convênios que assinou. Para o TCU, ele deveria ter feito uma licitação.
Já o acordo com o Ifiex, de R$ 3 milhões e duração de 18 meses (também prorrogáveis), previa o auxílio técnico e administrativo para o desenvolvimento e adequação de softwares que seriam usados nos Jogos. O então presidente do Ifiex também era um velho conhecido de Heleno: Léo José Schneider foi ex-colega do futuro ministro de Bolsonaro na Academia Militar de Agulhas Negras, onde se graduou em 1969.
O Tribunal de Contas da União entendeu que os convênios não se justificavam porque o Exército e as duas entidades estavam “em desacordo com os preceitos legais e a jurisprudência” da Corte. Ou seja: fora da lei. Por isso, o TCU avaliou que era necessário fazer uma licitação, coisa que não foi feita. Na época, Heleno argumentou que não tinha os conhecimentos necessários para impedir a realização dos convênios e que os acordos haviam recebido parecer favorável da assessoria jurídica do órgão que chefiava.
Na análise do ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do caso no TCU, caberia à Advocacia-Geral da União autorizar a celebração dos convênios, e não à assessoria interna do órgão do Exército. Para o relator, Heleno “assumiu o risco” de assinar os convênios sem a análise de pareceristas competentes. O plenário do TCU acompanhou o relator e decidiu rejeitar a justificativa de Heleno de ter assinado os acordos sem conhecimento de causa. O militar foi multado em R$ 4 mil.
Heleno disse ao Intercept que é inocente. Segundo ele, a autoridade “assina o convênio com base nos subsídios e documentos elaborados por suas assessorias”. “É fácil concluir que, uma vez que todos os órgãos de assessoramento apontavam para a viabilidade operacional e jurídica”, ele explicou, “não restaria à autoridade [ele] outra conduta” senão assinar o convênio. O general também argumenta que “ofenderia o princípio da eficiência imaginar que o chefe de um órgão de direção setorial, antes de cada decisão a ser tomada, verificasse ou confrontasse, detalhadamente, todos os estudos e análises feitas por seus assessores e técnicos”.
À época, a mesma decisão do TCU condenou outros dois militares – entre eles o atual ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna – a pagar multas por irregularidades semelhantes encontradas em outro convênio feito para os Jogos Mundiais Militares, com a Fundação Marechal Roberto Trompowsky Leitão de Almeida, no valor de R$ 4,8 milhões. Os advogados de Heleno e dos dois militares recorreram da decisão no próprio TCU, em 2016, sem sucesso. Foi somente depois de nova apelação que o tribunal absolveu os militares e anulou as multas, mas manteve a avaliação sobre a irregularidade e a recomendação de fazer licitações para convênios de TI.
Segundo o ministro do TCU Marcos Bemquerer Costa, relator do caso, apesar do cancelamento das multas, permaneceu o entendimento de que os convênios eram ilegais. “Todas as demais disposições da decisão original, inclusive determinações, recomendações e ciências de irregularidades, permaneceram plenamente válidas”, relatou em sua decisão no tribunal.
Hoje, tanto o Ifiex como o FRF, os envolvidos no caso, estão no Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas, o Cepim, e, com isso, não podem fazer negócios com o governo.
A farra dos Jogos
Um general que faz parte da equipe de transição do governo Bolsonaro também foi enrolado em investigações sobre os Jogos Militares. O Tribunal de Contas da União identificou outras irregularidades envolvendo o evento, como superfaturamento e pagamento indevido para serviços que nunca foram prestados, e materiais que não foram fornecidos.
Móveis destinados às vilas olímpicas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram contratados com sobrepreço durante os Jogos Militares, segundo o TCU. Um dos contratos suspeitos foi assinado com a empresa Mundimix Comércio e Serviço Ltda, responsável por fornecer mobílias para o evento. O TCU concluiu que o aluguel do mobiliário custou R$ 2,6 milhões a mais do que custaria a compra dos mesmos itens.
O tribunal também apontou ilegalidades em contrato com a empresa Hope Recursos Humanos S.A. Para o tribunal, os organizadores pagaram indevidamente R$ 4,3 milhões funcionários terceirizados que não prestaram o serviço. O general Jamil Megid Júnior, coordenador-geral do Comitê dos Jogos Mundiais Militares de 2011, foi diretamente alertado para os riscos de superfaturamento ainda em 2011 e não implementou medidas corretivas. Ele foi condenado. Mais tarde, porém, a condenação foi retirada porque a tarefa de organizar os jogos era muito difícil e desafiadora. Hoje, ele está com Bolsonaro na equipe de transição.
‘O homem errado no lugar errado’
Heleno, de 71 anos, nasceu em berço militar. O pai dele, Ary de Oliveira Pereira, foi professor do Exército. Em 1972, no período mais repressivo da ditadura brasileira, Pereira foi promovido a coronel pelo então presidente-general Emílio Garrastazu Médici.
Quando passou para a reserva, em maio de 2011, fez um discurso de despedida em defesa do golpe de 1964, que derrubou o então presidente João Goulart. Na solenidade, Heleno relembrou o pai: “Lutastes, em 1964, contra a comunização do país e me ensinastes a identificar e repudiar os que se valem das liberdades democráticas para tentar impor um regime totalitário, de qualquer matiz”.
Ele não é um novato no Executivo. Em 1990, foi nomeado adjunto do Gabinete Militar da Presidência da República de Fernando Collor e, em 2002, convocado para chefiar o Centro de Comunicação Social do Exército de Lula. Um dos pontos altos de sua carreira foi quando comandou a Força de Paz da ONU no Haiti, entre 2004 e 2005. Quando voltou ao Brasil, assumiu, em setembro de 2005, a chefia do Gabinete do Comandante do Exército, ainda no governo Lula.Foi também o presidente Lula quem o nomeou, em março de 2009, para a chefia do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército. Quando foi para a reserva, em 2011, não retribuiu o agrado do petista. “Sem dúvida, o DCT nada tinha a ver com meu perfil e minhas aptidões. Por decisão do comandante supremo, eu me tornara o exemplo típico do homem errado no lugar errado.”
Quando saiu do Exército, Heleno aceitou o convite para ser consultor de segurança do Grupo Bandeirantes de Comunicação. Depois, assumiu o cargo de diretor de Comunicação do Comitê Olímpico Brasileiro, com um supersalário de R$ 59 mil por mês. Desse total, 80% (R$ 47 mil) eram verba pública. Segundo Heleno, o salário era referente ao acúmulo de três diretorias
– Educação, Comunicação e Cultura. “Jamais questionei a origem do dinheiro porque não era meu papel”, disse ao Intercept.
Em julho, o então candidato Jair Bolsonaro convidou o general da reserva para disputar a eleição presidencial como vice. Mas o PRP, partido ao qual Heleno é filiado desde abril, rejeitou fazer aliança com o pré-candidato do PSL. Mesmo assim, Heleno se manteve como um dos assessores mais próximos de Bolsonaro durante a campanha eleitoral.
Depois da eleição, ele chegou a ser cotado para ser ministro da Defesa, mas disse que vai assumir o Gabinete de Segurança Institucional, o GSI. O órgão funciona dentro do Palácio do Planalto, tem status de ministério e vem ganhando poder nos últimos anos. É comparado ao antigo SNI, o Serviço Nacional de Informações, que atuou durante a ditadura para espionar cidadãos. Entre outras funções, o GSI é responsável por coordenar a área de inteligência do governo e cuidar da segurança pessoal do presidente da República, além de assessorá-lo em assuntos de segurança nacional. É uma das pastas mais opacas do país. Ocupada, hoje, por Sérgio Etchegoyen, pouco se sabe sobre sua atuação. Atualmente, Heleno faz parte da equipe de transição de governo.
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