Era uma vez um embaixador da ONU de joelhos na grama. Como de hábito, o jovem corpulento estava muito bem alinhado. Mas, dessa vez, não vestia terno azul marinho, o seu preferido, e gravatas de seda. Ele surgiu na fotografia mais casual: de camisa azul, calça social e cinto, de costas. A imagem pipocou no celular da noiva, Jussara*, com um aviso macabro: Marcelo Henrique Morato Castilho estava sendo sequestrado às vésperas do casamento.
A mulher achou estranho. Ainda que o noivo não dispense um sapato de couro legítimo e a carteira Louis Vuitton, ela esperava um cativeiro mais sujo – a camisa de Castilho estava muito bem passada para um sequestro. A noiva procurou a polícia, e logo se espalhou pelos portais de notícia do Brasil a história sobre o noivo que havia forjado um sequestrou para escapar do casamento.
A incrível manobra de Marcelo Castilho ganhou manchetes, mas sua trajetória merece o cinema. Uma espécie de Frank Abagnale nacional, personagem interpretado por Leonardo DiCaprio no filme “Prenda-me se for capaz”, Castilho enganou outras duas mulheres, e é investigado por falsidade ideológica e estelionato pela Polícia Civil desde 2016.
Essa é a sua história.
*
Marcelo Castilho nasceu em uma família rica, com bens em São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
No colégio Santo André, um dos mais caros da cidade, foi o filho que todo os pais gostariam de ter, como recorda um amigo de infância. Era daqueles engomadinhos, uma criança de bochechas salientes e rosadas, só corria pelos corredores se fosse para oferecer algum mimo para a professora. Desde menino, frequentava corais da igreja católica. “Ele canta muito bem, é um tenor, e quando senta no piano, então?”, diz, admirado, o padre Jarbas Brandini Dutra João Serafim Teixeira, da paróquia Redentora, um bairro nobre de São José do Rio Preto. “Mesmo muito jovem, ele era o maestro de um coral com senhoras de idade (sic).”
Marcelo cresceu um sujeito culto, letrado, romântico, desses que faz versos, recita William Shakespeare e cultua Machado de Assis. Às vezes, vai ao piano e compõe uma música para a sua pretendente. Se o assunto é culinária, música, cinema ou literatura, logo ministra uma aula.
Se formou advogado em 2008 e passou no concorrido exame da Ordem dos Advogados do Brasil no mesmo ano. No entanto, três anos antes, com apenas 22 anos, já dizia que era juiz no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Antes de completar 30 anos, contava ter pedido exoneração, para assumir a função de diplomata, seu último degrau antes de embaixador da ONU.
Aos 34 anos, Castilho coleciona títulos de nobreza intelectual no Brasil e até em Portugal. É autor do livro “Direitos Humanos e acesso à saúde no Brasil”, lançado pela Editora Delicatta – em que o autor se compromete a pagar para ver o livro impresso na praça –, e membro da Associação Portuguesa de Ciências Forenses. Para entrar para associação, também só basta pagar. No caso, são 25 euros. Mas isso pouco importava para Castilho, que destacava a filiação no currículo.
Segredo de estado
As famílias de Jussara e Marcelo já se conheciam, como todo clã de cidade provinciana, a exemplo de São José do Rio Preto. Mas nunca foram próximos.
Coube a ele essa aproximação. O embaixador pegou carona na morte do pai de Jussara, puxou assunto pelo Instagram e, em seguida, trocaram o número do WhatsApp. As conversas por telefone passaram a ser diárias, pois o embaixador morava em Brasília. “Eu resistia a todas as investidas, não queria nenhum tipo de relacionamento, até que o Marcelo começou a enviar flores com pedido de jantar para o meu consultório”, disse a médica.
Entre uma conversa agradável, por telefone, e os bilhetinhos românticos, ela observou que, aos 44 anos, suspirava como uma adolescente e aceitou o jantar. O embaixador, mais que depressa, desmarcou todos os seus compromissos no Itamaraty e prometeu deixar Brasília no primeiro voo para desembarcar em São José do Rio Preto, a 700 quilômetros – um indiscutível ato de um homem verdadeiramente apaixonado.
No jantar à luz de velas e entre uma taça e outra de vinho, Marcelo implorava por um presente. “Queria muito me chamar de ‘minha namorada’”, recorda Jussara.
Convictos de que foram feitos um para o outro, o casal fez um pacto: deletar todas as contas nas redes sociais. Ambos se comprometeram a não tocar no passado, uma tática para esquecer as paixões antigas que só sangraram. “Essa proposta me deixou ainda mais cega, envolvida no presente e futuro”, conta Jussara.
Jussara vivia um conto de fadas com o embaixador. Encontrou em Castilho o seu refúgio, um ano depois da morte do pai e do fim trágico de um relacionamento amoroso.
Antes de completar um mês de namoro, Castilho e Jussara começaram a planejar o casamento. Foi aí que ela se deu conta de que se casaria com um embaixador
.
Antes mesmo de completar um mês de namoro, Castilho e Jussara começaram a planejar o casamento. Foi aí que ela se deu conta de que se casaria com um embaixador. A cada conversa, ele oferecia lugares deslumbrantes para realizar o evento. Cogitou até o Principado de Mônaco, mas optou por Brasília. A cerimônia ficou agendada para o dia 6 de setembro, às 20 horas, no santuário João Bosco. Na sequência, os noivos recepcionariam o seleto grupo de 40 convidados no restaurante Coco Bambu Lago Sul. Entre os escolhidos para a festa, figuravam nomes como os dos juristas Sérgio Cavalieri Filho, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Álvaro Villaça Azevedo, um dos mais respeitados magistrados do Brasil, e Antonio Guterres, o atual Secretário-Geral das Nações Unidas. O cardápio reunia lula à dorê, peixe à la meunière e camarão internacional, além do costumeiro molho madeira.
Dois meses antes da festa, Castilho convenceu Jussara a se mudar para Brasília.“Ele queria que eu começasse a acompanhá-lo em seus compromissos”, recorda.
A noiva fechou o consultório, abriu mão de uma renda líquida de R$ 10 mil por mês e ligou para todos os pacientes, informando que viveria como ‘embaixatriz’ em Brasília. Castilho passou a ser muito querido pelos familiares de Jussara, a ponto de ser escolhido para advogar no processo de inventário do sogro.
Em Brasília, Jussara percebeu algo estranho. Em uma semana, Castilho foi a Fortaleza, onde se tornou imortal da Academia Cearense de Letras Jurídicas. De lá, viajou para Palmas, onde deveria dar ordem de prisão para um desembargador envolvido em esquema de corrupção (atividade que não faz parte das atribuições de um embaixador). “Ele não deu detalhes, dizia que era segredo de estado.”
Assim que desembarcou na capital do Tocantins, Castilho entrou em uma Land Rover Discovery preta e passou toda a tarde sem mandar notícias. “Ali, eu temi pela vida dele, acreditando que o Marcelo corria risco.”
A missão soou esquisita. Jussara caiu em si ao perceber que o noivo havia gasto R$ 14,9 mil com passagens aéreas no seu cartão de crédito. “Passei a desconfiar. Como um embaixador em missão não conseguia utilizar um cartão?”
Aflita, ela procurou pelo padre Teixeira em São José do Rio Preto. Desabafou, fez uma lista dos seus medos e dúvidas, mas fora convencida a manter o casamento. Ouviu do sacerdote que aquilo não passava de “ansiedade de noiva” e que Castilho, religioso desde infância, ajudava a igreja.
O tão esperado dia 6 de setembro, o dia do ‘sim’, já se aproximava. O noivo, atento a cada detalhe e reverenciado pelo gosto requintado, era quem dava as cartas, enquanto Jussara ficava responsável pelos pagamentos. Gastos, segundo notas fiscais e comprovantes apresentados por ela, no total de R$ 94,5 mil.
A menos de 48 horas para o casamento, uma mensagem de Castilho invadiu o WhatsApp da médica: criminosos anunciavam o sequestro do embaixador. A agora famosa foto de Castilho ilustrava a chantagem.
A cena em nada parecia um sequestro. Jussara despertou.
Por meio dos “sequestradores”, Castilho pediu que a noiva escondesse o caso da imprensa e dos demais familiares. Jussara não engoliu e foi para a polícia, onde descobriu a vasta ficha corrida do noivo, que ia de estelionato e apropriação indébita, quando a pessoa toma para si algo que não lhe pertence. O delegado José Luiz Barboza Júnior a orientou a dar corda para a mentira.
A suspeita é que ele fez tudo sozinho, apenas com ajuda da mãe que ficava tentando consolar Jussara e pedindo que ela não fosse à delegacia. Castilho, ao saber que a polícia havia sido informada, deixou misteriosamente o “cativeiro”. Para ludibriar ainda mais a noiva, ele sustentou outro roteiro de mentiras:
Jussara
“__ Porque não fala onde vai (indaga a autora sabendo
do rompimento do cativeiro)”
Marcelo
“__ tudo bem, Vou aos EUA para dar detalhes do que
aconteceu, fazer exames médicos e periciais, etc…”
Jussara
“__ Para onde vai ???
Marcelo
“__ Agora não vou mais nem na farmácia sozinho”
Jussara
“__ Está com escolta da polícia federal? Ou está sozinho
(autora):
Marcelo
“__ Estou com escolta meu amor”
“__ Não estou indo passear. Ao contrário, estou em
avião oficial”.
“A simulação do sequestro, de fato, não está à altura da qualidade teatral do embaixador”, escreveu nos autos o advogado de Jussara, João Mineiro Viana.
Ainda incrédula, Jussara procurou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a ONU. A organização disse que o noivo nunca tinha trabalhado lá.
Em sexta-feira, setembro 28, 2018, 12:31, Fale Conosco ONU Brasil [email protected] escreveu: Prezada Jussara,
Este pessoa nunca trabalhou na ONU. Trata-se de uma evidente fraude, uma tentativa de golpe financeiro. Favor ler com atenção o nosso alerta a seguir… (sic)
Seis dias depois, o Poder Judiciário do Rio Janeiro também disse desconhecer o suposto juiz.
A médica tenta reconstruir a vida. Ela ingressou com pedido de indenização por danos morais e materiais no valor de R$ 189 mil. Com vergonha dos pacientes, ainda não reabriu o consultório, faz terapia e dorme com ajuda de um antidepressivo.
Na delegacia, além de descobrir a ficha corrida de Castilho, Jussara soube que o homem, aquele com quem pactuou sepultar os amores do passado, estava legalmente casado com uma professora maranhense desde o dia 11 de fevereiro de 2018.
A professora, que vive em Balsas, no Maranhão, já havia denunciado Castilho para a polícia. Não era a única: uma psicóloga de São Paulo também prestou queixa contra o noivo de Jussara.
Amigo de Barack Obama
Marcelo Henrique Morato de Castilho entrou na mira da polícia após o primeiro romance com desfecho turbulento em 2016. A vítima, daquela vez, havia sido a psicóloga Mariana*, de família rica, abordada pelo advogado na porta da igreja. Ambos engataram o namoro em 2015, viajaram para a Europa e ficaram noivos em 2016.
O caso tem uma semelhança com o de Jussara: Castilho conquistou a família da psicóloga e também passou a advogar para eles. “Ele advogou para os meus pais, tios. Inventava multa, boletos da Receita Federal para o meu pai pagar”, conta.
Castillo extrapolou os limites de um casamento mirabolante. Agendou a cerimônia para Palace Hotel, no Rio de Janeiro, e enviou convite para Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, além da representante da marca Dior no Brasil. A colunista Cida Caran, do Diário da Região, de São José do Rio Preto, conta que entrou em contato com a organização do Palace Hotel. “Eles afirmavam que não existia nenhuma reserva do Barack Obama, muito menos casamento”, disse a colunista social.
A menos de um mês da festa, Castilho simulou um AVC. ‘A cena foi muito bem feita, ele enganou até o meu pai que é médico
.’
Cida pensou que estava diante de um trote. Ao tirar satisfação com Castilho, que não chegou a mandar nenhuma nota oficial para a imprensa, mas se esforçava em alimentar as colunas sociais como informações sobre o casório, caiu de vez na lábia do embaixador. “Ele explicava que o hotel não podia dar detalhes, muito menos afirmar se teria casamento por conta da presença do Obama, e que não podíamos levar o celular porque todos seriam recolhidos ainda na porta da igreja da Candelária”.
A menos de um mês da festa, Mariana afirma que Castilho simulou um AVC. “A cena foi muito bem feita, ele enganou até o meu pai que é médico”, conta a psicóloga, que apresentou à polícia de São José do Rio Preto, ainda em 2016, uma série de acusações pesadas contra o embaixador, entre elas o roubo de mais de R$ 1 milhão, contabilizando os negócios que envolveram todos os familiares.
“O meu caso foi o mais dramático e tenho provas que vivi sob cárcere privado, sofria ameaças e agressão, enquanto o Marcelo conquistava toda a família. Ele também falsificava notas de euros e uma certidão de casamento. Quando consegui me livrar dele, em Brasília, e procurei a Polícia Federal em Curitiba, fiquei tão aliviada ao saber que aquela certidão era falsa. Sentia-me livre para recomeçar”.
Mais de dois anos depois, Mariana se diz refeita. Acompanha o caso de longe, por meio do advogado, e diz que dormirá tranquila novamente se houver justiça. “No ano que vem, vou me casar com alguém de verdade”.
A ‘verdadeira’ esposa
O caso da esposa do Maranhão, no entanto, é o mais intrigante. Ao contrário das outras duas mulheres, a professora Luciana* é de família humilde, criada pela avó. Gastou todas as suas economias para a festa de casamento com o embaixador.
“Ele me deixou com uma dívida de R$ 15 mil. Não está sendo fácil, só que estou lutando para me reerguer e perdi a ilusão de me casar”, conta.
A suspeita é que o advogado tenha se apropriado do nome da professora para receber um seguro. Luciana recorda que assinou documentos, escritos em inglês, a pedido de Castilho. “Segundo ele, aquele papel era um pedido de visto para poder acompanhá-lo nas viagens para o exterior”, conta a professora, que caminha pela pacata Balsas ainda assustada e envergonhada.
A jovem maranhense conta que conheceu Castilho em um perfil sobre poesias no Instagram. Ele mandou uma mensagem privada e se apresentou como embaixador da ONU, advogado e escritor e, a partir dali, trocaram o número do WhatsApp. Dois meses depois, em novembro de 2017, Marcelo foi visitá-la em Balsas.
A jovem maranhense conta que conheceu Castilho em um perfil sobre poesias no Instagram. Ele mandou uma mensagem privada e se apresentou como embaixador da ONU.
Na época, ele já havia adquirido o título de embaixador da Federação para a Paz Universal, a FPU, uma instituição independente e sem relação com a Organização das Nações Unidas.
Walcy Zancan, vice-presidente da FPU, foi quem concedeu o título para Castilho. Ele se diz enganado por Castilho, que pretendia ludibriar as pessoas com o diploma de embaixador da paz. “O Marcelo trouxe títulos de especialista em direitos humanos, nos presenteou com o seu livro e frisava que seria uma honra ter um título de embaixador, mas deveria ser diplomado antes de fevereiro, porque ele iria se casar e seguir para lua-de-mel fora do país. Minha esposa é chilena e, quando Marcelo soube disso, falava com detalhes de cada prato típico”, recorda Zancan. “Para cumprir o desejo do Marcelo, entregamos o diploma de uma forma diferente. Sempre realizamos eventos, às vezes na Câmara de São Paulo, para entregar o diploma, mas tive o aval de todos da diretoria e diplomamos o Marcelo antes de fevereiro”.
Obtive a certidão de casamento de Castilho com a professora, realizado no dia 11 de fevereiro. Nota-se que até nela ele é apresentado como embaixador da ONU. Castillo tem ainda um canal Youtube batizado de “Coluna do Embaixador”.
Seu casório com Luciana despontou como o evento do ano em Balsas. O embaixador, a princípio, queria casar em São Paulo, no luxuoso buffet Colonial, na avenida Indianópolis. A professora não sabe dizer como o embaixador mudou de ideia e transferiu a cerimônia para o modesto Essencial Eventos, na rua dos Operários, na cidade maranhense. Durante a festa, Castilho se apossou de um violão e passou a cantar composições próprias, feitas para Luciana – versos como “Eu andei por todo o mundo/sem sinal de te avistar/mas o tempo, por Deus fecundo/permitiu-me te encontrar/meu orgulho, meu amor”. Quando a festa terminou, ambos embarcaram para lua-de-mel em Buenos Aires.
Porém, um clima de mal-estar perdurou por toda a festa. A família de Luciana não entendeu a ausência dos pais do noivo. Na verdade, o embaixador não teve nenhum convidado na cerimônia. Boatos na cidade apontavam que os Castilhos, família riquíssima de São Paulo, não concordariam com o casamento do embaixador com uma professora pobre.
“Eu percebia que ele queria, sempre, me diminuir. Menosprezava o meu trabalho e prometeu que, assim que voltássemos da lua-de-mel, eu faria um curso de etiqueta, em São Paulo, para me comportar como a esposa de um embaixador. Esse curso, inclusive, havia sido uma sugestão da mãe dele, que eu nunca conheci também. Eu só recebi uma mensagem dela quando o Marcelo sumiu por três dias, alegando problemas de saúde”, afirma Luciana.
A família de Luciana não entendeu a ausência dos pais do noivo. O embaixador não teve nenhum convidado na cerimônia de casamento.
De volta ao Brasil em março, Castilho alegou compromissos profissionais e sumiu, segundo Luciana. Ele retornaria somente em abril com a justificativa de que estava em uma missão nos Estados Unidos e não poderia dar detalhes da visita oficial. Acontece que Luciana, desconfiada, passou bisbilhotar os pertences do marido. “Encontrei comprovantes de pagamento em um estacionamento em São José do Rio Preto. Indaguei o Marcelo, que fez o maior escândalo. Disse que aquilo era coisa da sua mãe e que não era nenhum bandido para ser interrogado.”
O casamento, para Luciana, já não fazia mais sentido. E os dois nunca mais se viram. Como fruto do relacionamento, ela ironiza que recebeu uma herança falsa. “Essa pessoa é muito mentirosa. Adora sapatos, bolsas da Louis Vuitton, mas depois que entreguei tudo do Marcelo na polícia, descobri que os produtos são todos falsificados, inclusive o nosso anel de noivado.”
Intrigada, Luciana procurou por informações na ONU, que também enviou e-mail desmentindo que Marcelo Henrique Morato Castilho tenha sido embaixador. Até o último dia 13 de dezembro, Luciana pleiteava um divórcio unilateral.
Aliás, esse caso é um sintoma de que o excesso de negligência, no Brasil, contribui para o crime. Mesmo casado em Balsas, no Maranhão, desde fevereiro, Marcelo foi ao Cartório do 1º Ofício de Registro Civil, em Brasília, em agosto, apresentou certidão de nascimento, extraída em agosto de 2018, e conseguiu habilitação para se casar novamente. “Os cartórios não são interligados, não exigem certidão atualizada na hora de marcar o casamento. Uma alternativa, para evitar o crime de bigamia, é todas as informações do cidadão serem anotadas pelo CPF, que é um documento nacional, ao contrário do próprio RG que é estadual”, explica o advogado Nelson Sussumu Shikicima, presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB.
No último dia 20 de outubro, depois do falso sequestro, o título de “embaixador da paz” foi cassado pelo presidente da Federação para Paz Universal.
Em novembro, o delegado José Luiz Barboza Júnior intimou Castilho para prestar depoimento em São José do Rio Preto. A investigação tramita em segredo de Justiça. “Não sabemos os motivos pelos quais Castilho atue de tal forma. Ele é de família rica e de posse, é advogado. Age semelhante com todas as vítimas, sempre com conversa fluente e trata muito bem as mulheres”, disse o delegado.
Embaixador de papel
As três mulheres não entendem como o falso embaixador ainda está solto. Mariana e Jussara acusam a mãe de Castilho, a também advogada Heloisa Helena Morato de Carvalho, de ser cúmplice do filho.
No dia 28 de novembro, ele não compareceu em uma audiência para se defender da acusação de ter recebido e nunca providenciado a defesa de um cliente. A juíza Gislaine de Brito Faleiros Vendramini, do Juizado Especial Cível de São José do Rio Preto, decretou revelia e obrigou Castilho pagar R$ 15 mil ao cliente. Ele também responde outros processos de clientes.
Mas Castilho compareceu, no dia seguinte, à delegacia da cidade para prestar depoimento. Depois de quatro horas, deixou o prédio e fez apenas um pronunciamento.
“Foi uma grande oportunidade para esclarecimentos dos fatos, que a verdade apareça. Confio muito na Justiça, na polícia, no brilhantismo do doutor José Luiz que imperará num inquérito concluído como justo. No entanto, exerço com muita honra a função de embaixador pela paz, nomeado pela UPF, e tenho também essa titulação recebida no dia 31 de julho, conforme Diário Oficial do Estado”, disse Castilho, que também é investigado em uma comissão interna da OAB e poderá ter o registro cassado em definitivo.
Castilho ainda não se despiu do rótulo de embaixador. Dos inúmeros números de telefones veiculados ao advogado, consegui contato apenas em um número fixo, com prefixo de Brasília. Do outro lado, uma voz feminina anunciava que “ali era o gabinete do embaixador”. A mulher não quis se identificar, disse que o embaixador estaria no local no período da tarde. Horas e dias depois, ninguém mais atendeu.
Apurei que o advogado reside em um flat de 37 metros quadrados no luxuoso condomínio LakeSide, às margens do Lago Paranoá – uma espécie de resort urbano no coração de Brasília. Depois que prestou depoimento em São José do Rio Preto, no dia 29 de novembro, ficou de retornar com provas de sua inocência. Dezessete dias depois, o silêncio de Castilho deixava o delegado Barboza Júnior precavido.
Do outro lado, uma voz feminina anunciava que “ali era o gabinete do embaixador”.
“Sobre o caso do Marcelo estou aguardando a apresentação de documentação que ele se prontificou em fornecer. Gostaria de não me manifestar mais sobre o caso dado o fato de que ele já tem acesso aos inquéritos em andamento e acompanha nossa linha de investigação, podendo assim antecipar eventuais passos nossos. Portanto, peço que aguarde para que possamos divulgar os fatos de forma serena e concreta”, respondeu o delegado, pelo WhatsApp.
Tentei contato com a mãe Helena e com Castilho. Pessoas mais próximas dizem que ela nunca mais fora vista em São José do Rio Preto desde o falso sequestro. Os telefones estão desligados. Localizado, o pai do advogado, Aparecido Cesar Castilho, se diz surpreso. “Eu não tenho contato com meu filho há três anos, estou tão surpreso quanto você.”
Você sabia que...
O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?
E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?
Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.
E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!
O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.
Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.
Podemos contar com você por R$ 20 por mês?