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Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, se define como “um cara de negócios”. Além de seu salário de R$ 23 mil, ele diz que faz dinheiro comprando e revendendo carros. “Sempre fui assim. Comprava um carrinho, mandava arrumar, revendia”, corado e bem humorado, em entrevista bastante dócil ao SBT em dezembro – a primeira desde que estourou o escândalo sobre uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão em sua conta bancária, que incluiu um cheque de R$ 24 mil à primeira dama Michelle Bolsonaro.
Embora goste tanto de fazer negócios com carros, o velho amigo da família Bolsonaro parece não se preocupar muito com os seus – ou, claro, pode ser apenas um homem que não liga para bens materiais. Além de morar em uma casa simples e sem acabamento e ter dois apartamentos em bairros desvalorizados na zona oeste do Rio, Queiroz tem apenas dois veículos em seu nome: um Voyage 1.0 ano 2010 e uma Belina GL ano 1986, segundo o Renajud, sistema do Conselho Nacional de Justiça que permite buscas no Registro Nacional de Veículos Automotores.
O valor dos dois carros de Queiroz, somados, não chega a R$ 25 mil, segundo a tabela Fipe. Não pagaria, nem de longe, sua internação em um dos hospitais mais caros do país, coincidentemente na mesma semana em que familiares seus deveriam prestar depoimento ao MP do Rio. Não compareceram, afinal. “Todas mudaram-se temporariamente para cidade de São Paulo” para dar apoio familiar ao patriarca, alegaram.
Na entrevista para o SBT, ele não disse – e também, sejamos justos, não foi perguntado pela dócil repórter – se tem comprovantes desses negócios lucrativos que diz fazer, e nem se declarou as vendas para a Receita Federal. Quando um carro é vendido, o comprador tem um mês para transferir o documento para seu nome. É comum que intermediários façam essa transação antes do tempo – e, assim, repassem os veículos para quem comprou sem que isso fique registrado.
Se Fabrício Queiroz era mesmo esse tipo de intermediário, poderia explicar por que a movimentação financeira em sua conta – que ele atribui a seus negócios – costumava acontecer bem nos dias de pagamento da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Em 2016, por exemplo, era só a Alerj pagar os assessores que Queiroz recebia dinheiro, sempre em depósitos em espécie, em valores que se repetiam todos os meses. Além disso, os depósitos eram feitos por outros assessores de Flávio e Jair Bolsonaro – inclusive por sua mulher e sua filha, Nathália, que além de receber salário como assessora de Jair Bolsonaro em Brasília também trabalhava como personal trainer de celebridades.
Flávio Bolsonaro também está driblando o MP do Rio, mas decidiu aparecer no SBT para uma “entrevista”. Ele se esquivou das denúncias e disse que “não tem como controlar o que os funcionários fazem fora do gabinete”. Falou que Queiroz precisa se explicar e que há um movimento orquestrado para atingir Bolsonaro. O senador eleito não explicou – e, de novo, não foi perguntado – sobre as movimentações de outros de seus assessores na conta do ex-motorista.
Queiroz está desempregado desde 15 de outubro, quando foi exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro. No mesmo dia, em Brasília, sua filha, também foi exonerada da assessoria de Jair Bolsonaro. As duas demissões aconteceram no meio da campanha eleitoral, a 13 dias do segundo turno e um dia depois que saiu a primeira notícia sobre as movimentações suspeitas na conta do agora ex-assessor.
O Ministério Público do Rio de Janeiro, responsável por investigar o caso, está tentando desde dezembro ouvir o que Queiroz tem a dizer sobre seus negócios. Mas está difícil: o ex-assessor já faltou a pelo menos quatro convocações, alegando problemas de saúde. Sua mulher e filhas também foram chamadas e não apareceram. Restou ao MP tentar ouvir Flávio Bolsonaro, que também declinou – via post em sua página, no Facebook – o convite.
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