Seis testemunhas apontam ex-policial do Bope como assassino de Marielle Franco

Caveira

Seis testemunhas apontam ex-policial do Bope como assassino de Marielle Franco

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O caso Marielle

Parte 16

Marielle Franco virou um símbolo internacional após seu assassinato no dia 14 de março de 2018. Com os olhos do mundo no Rio de Janeiro, todos estão perguntando: #QuemMandouMatarMarielle? E por quê?


Atualização: 22 de janeiro, 17h50
Nesta terça-feira pela manhã, agentes do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio, o Gaeco, e a Polícia Civil fizeram uma operação para prender 13 homens apontados pelas autoridades como parte da milícia que controla a favela de Rio das Pedras, na zona oeste da capital fluminense. O grupo é investigado por grilagem de terras, entre outros crimes. Ao menos cinco deles são suspeitos de terem participado também do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, de acordo com o jornal O Globo. Entre eles está o ex-capitão do Bope descrito nesta reportagem como o principal suspeito pelas mortes. Em uma versão anterior deste texto, o Intercept optou por não revelar o nome do policial por considerar que a divulgação de sua identidade poderia atrapalhar as investigações, ainda em andamento. Agora que os mandados de prisão foram expedidos a reportagem foi atualizada para incluir seu nome: Adriano Magalhães da Nóbrega. Ele é apontado como o líder do “Escritório do Crime”, braço armado da milícia, especializado em assassinatos por encomenda.

O Globo também revelou que o ex-capitão do Bope tem diversas conexões com a família do presidente Jair Bolsonaro. Até pouco tempo atrás, a esposa de Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, e a sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, eram funcionárias da Assembleia Legislativa do Rio, lotadas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho mais velho de Bolsonaro. Flávio negou qualquer irregularidade e, em um post em suas redes sociais, disse ser “vítima de uma campanha de difamação com o objetivo de ferir o governo de Bolsonaro”. Em seu pronunciamento, o senador eleito argumentou que a mãe de Nóbrega foi contratada e era supervisionada por seu ex-assessor Fabrício Queiroz. “Não posso ser responsabilizado por atos que desconheço, revelados apenas agora” pelos investigadores do governo.

De acordo com O Globo, Magalhães depositou ao menos R$ 4,6 mil na conta de Queiroz. Outros R$ 91.796 foram depositados na conta de Queiroz a partir de um banco localizado do outro lado da rua de um restaurante do qual a mãe do ex-capitão do Bope é sócia. Queiroz e Flávio estavam sendo investigados por movimentações bancárias suspeitas até a semana passada, quando o Supremo Tribunal Federal suspendeu temporariamente as investigações a pedido de Flávio.

Os policiais não conseguiram localizar Nóbrega, atualmente considerado foragido. Tanto ele quanto o outro principal alvo da operação realizada nesta terça, o ex-major Ronald Paulo Alvez Pereira, receberam a medalha Tiradentes, maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio, em 2003 e 2004, respectivamente. Eles foram indicados por Flávio Bolsonaro, único membro da Alerj a votar contra conceder a medalha postumamente a Marielle Franco.

 

Foi nas fileiras do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar que o principal suspeito de assassinar Marielle Franco e Anderson Gomes se aperfeiçoou nas técnicas de matar pessoas. Expulso da PM por envolvimento com um dos principais clãs da máfia do jogo do bicho no Rio, o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega passou, então, a trabalhar exclusivamente como mercenário de bicheiros, políticos e quem mais estivesse disposto a pagar por seus serviços. Sua especialidade: matar.

O Intercept teve acesso ao inquérito que a Justiça proibiu que a Rede Globo divulgasse. Nele, ao menos seis testemunhas citam o policial como assassino da vereadora e do motorista. A reportagem leu o documento por intermédio de uma fonte envolvida na investigação que pediu para não ser revelada.

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Seu grupo paramilitar tem ao menos outros dois ex-caveiras, homens altamente treinados – capacitados numa unidade de elite mantida com nossos impostos –, que desvirtuaram o aprendizado em troca de dinheiro. Um deles é também ex-oficial, parceiro dos tempos de academia, conforme o inquérito da Polícia Civil. Ambos tiveram participação no assassinato de Marielle, de acordo com o inquérito. O Bope foi criado para atuar em resgate de reféns e salvar vidas, mas se tornou uma ampla tropa de guerra urbana e, não é segredo para ninguém, alguns de seus policiais trabalham para o crime organizado.

A elite da tropa do crime

Adriano Magalhães da Nóbrega já mantinha ligações umbilicais com a contravenção quando ingressou na Academia Dom João VI, o centro de formação de oficiais da Polícia Militar, de acordo com o inquérito. Posteriormente, fez o curso do Bope. Há tempos, a polícia sabe que os bicheiros recrutam e formam oficiais que paralelamente atuam na sua proteção. O ex-capitão entrou para o crime organizado dessa forma, mas a hipótese de envolvimento de bicheiros no crime contra Marielle e Anderson é praticamente descartada pela Divisão de Homicídios. Milicianos são os principais suspeitos de serem os mandantes do crime.

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Foto: Mauro Pimentel/AFP/Getty Images

O Intercept já tinha antecipado em maio do ano passado as suspeitas de o assassino ter ligações com o Bope, além das possíveis armas usadas no crime – justamente aquelas com as quais os atiradores de elite estão mais familiarizados.

Agora, a DH chegou ao nome do suspeito. Primeiro, por meio de depoimentos, depois, ao revisar inquéritos relacionados às execuções de dois ex-sargentos da PM: Geraldo Antônio Pereira e Marcos Vieira de Souza – o Falcon, ex-presidente da escola de samba Portela e, à época, candidato a vereador.

Pereira e Falcon foram executados, respectivamente, em maio e setembro de 2016. Ambos já tinham sido investigados por envolvimento com milícias e a máfia dos jogos. No caso de Falcon, testemunhas ouvidas pela DH na ocasião relataram que quatro homens encapuzados portando fuzis foram responsáveis pela execução. O grupo chegou ao seu comitê eleitoral em um Gol prata. Três deles saíram do veículo, dois entraram no comitê. Falcon foi surpreendido sem sua escolta de segurança e morto a tiros que atingiram o peito e a cabeça. Após o crime, os bandidos fugiram no mesmo carro. Passados dois anos da execução, a DH não conseguiu identificar os assassinos e a motivação por trás do crime.

Pereira também foi assassinado a tiros de fuzil, e os matadores usaram veículos com placas clonadas e não deixaram rastros, dinâmica muito parecida com o atentado contra Marielle e Anderson.

Os investigadores então foram a campo e concentraram esforços na região do Itanhangá, sobretudo em Rio das Pedras, onde o ex-capitão lidera um grupo de mercenários. Depois de rodarem a zona atrás de câmeras de segurança, eles conseguiram finalmente imagens do Chevrolet Cobalt usado pelos matadores da vereadora e de seu motorista. O carro foi abastecido em um posto de gasolina na área, na véspera do crime.

Arma fantasma

O bando age com sofisticação e, além de empregar placas clonadas, usa o que eles chamam de “armas fantasmas” para eliminar seus alvos, de acordo com o inquérito.

A estratégia é simples. Policiais corruptos apreendem armas em operações, geralmente contra traficantes. É um espólio de guerra. A maioria das armas são entregues ao estado depois de apreendidas, como requer o procedimento. Mas as melhores não são recolhidas ao depósito da Polícia Civil – são ilegalmente desviadas para a formação dos arsenais particulares dos maus policiais. Algumas delas seriam guardadas até mesmo nos paióis dos próprios batalhões onde eles atuam.

O tamanho desses arsenais é desconhecido, já que são compostos por armas sem apreensão registrada pela polícia e, em grande parte, importadas ilegalmente pelo crime. Foi justamente a suspeita do uso de uma arma fantasma nos assassinatos de Marielle e Anderson que levou a DH a solicitar perícia em submetralhadoras 9 mm recolhidas em unidades da PM, entre elas o Bope.

Miliciano, vereador, grilagem de terras, exploração de saibro

Sem provas cabais que liguem diretamente o bando do ex-capitão caveira à execução da vereadora e de seu motorista, a DH passou a revisar os casos de homicídios nos quais o grupo era o principal suspeito. Além das mortes dos ex-sargentos Pereira e Falcon, os investigadores também retornaram aos inquéritos sobre o assassinato de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, em setembro de 2011, e de Myro Garcia, em abril de 2017. Eles eram, respectivamente, genro e filho do banqueiro do jogo do bicho Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, morto em setembro de 2004.

A estratégia de tentar encontrar pontos de ligação entre os suspeitos de envolvimento nas mortes de Marielle e Anderson em antigos inquéritos levou a polícia e o Ministério Público a abrirem, em outubro passado, uma investigação separada que apura o envolvimento de milicianos na grilagem de terras e exploração de saibro na zona oeste.

A ação serviu de base ao pedido de quebra dos sigilos bancário, telefônico e de dados do vereador Marcello Siciliano, apontado por uma testemunha do inquérito de Marielle como mandante do crime. O processo resultou ainda na realização de busca e apreensão na casa e no gabinete do vereador do PHS.

Num trecho da ação, os promotores ressaltam que Marcello Siciliano participou de mais de 80 transações imobiliárias envolvendo a cessão de terras em áreas dominadas por grupos paramilitares nos últimos dez anos. O documento cita também uma negociação entre Siciliano e um empresário envolvido na exploração de saibro cujo irmão foi preso sob acusação de ser miliciano. O vereador negou envolvimento com paramilitares e afirmou que as negociações imobiliárias foram legais e registradas em cartório. Ele também nega ser o mandante do duplo homicídio. Pela linha de investigação, Marielle seria um entrave aos negócios do grupo, mas a polícia ainda não apresentou provas que sustentem a hipótese.

Hoje, Siciliano é o principal suspeito de ter encomendado o assassinato, em associação com o suposto miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica. O vereador já depôs várias vezes, mas a polícia não o acusou formalmente pelo crime. De acordo com O Globo, um motorista de Curicica, preso por outro homicídio, disse aos investigadores que levou seu chefe para encontrar Siciliano pelo menos quatro vezes, o que contradiz a afirmação dos dois de que mal se conhecem.

Uma testemunha disse à polícia que, em um dos encontros, Siciliano disse a Curicica: “Tem que ver a situação da Marielle. A mulher está me atrapalhando”. Logo depois, o vereador teria dito que “precisamos resolver isso logo”. Segundo essa linha de investigação, assessores de Marielle estavam se alinhando com moradores da zona oeste que buscavam regularização de áreas que seriam do interesse do grupo de Siciliano.

Em 2018, Curicica foi condenado a quatro anos e um mês de prisão por posse ilegal de arma.

Menos de um mês depois do crime, dois homens foram mortos a tiros no Rio. Um trabalhava no gabinete de Siciliano, e outro era um policial aposentado. Os dois teriam ligação com milicianos, e, na época, fontes da polícia disseram ao Intercept que as mortes eram queima de arquivo.

Mentor de Marielle na política, o deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, já colocou dúvidas sobre a grilagem de terras como motivação para o assassinato da vereadora. “Eu não vejo a possibilidade da morte da Marielle ter algum vínculo em relação ao nosso trabalho com as milícias”, disse Freixo em dezembro. “Se o secretário diz que a motivação é a questão fundiária ou é a questão das milícias, esta frase tem que ser acompanhada de provas”, afirmou.

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O governador Wilson Witzel fez flexões no Bope na semana passada. Depois de participar de ato que quebrou placa em homenagem à Marielle, ele agora comanda a polícia que investiga sua morte.

Foto: Carlos Magno/Governo do Estado do Rio de Janeiro

Placa quebrada

Dez meses depois das execuções de Marielle e Anderson, DH e MP parecem, enfim, estar sintonizados e próximos de reunir todas as peças desse intrincado quebra-cabeças. O general Walter Braga Netto, ex-interventor federal na segurança pública do Rio, disse no dia 11 ao jornal O Globo que as investigações sobre a morte de Marielle e Anderson estão adiantadas e que o resultado virá “em breve”.

“Eu poderia ter anunciado quem a gente acha que foi, ou dito ao (general) Richard (Nunes, secretário de Segurança Pública durante a intervenção, para que o fizesse), mas quisemos fazer um trabalho realmente profissional”, afirmou o ex-interventor num evento militar em Brasília.

O encaixe dessa peças, contudo, pode estar nas mãos do governador Wilson Witzel, que recentemente postou um vídeo fazendo flexões no Bope. No ano passado, ele participou de um evento no qual dois candidatos da última eleição exibiram como troféu a placa com nome de Marielle quebrada ao meio.

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