Da esquerda, deputado Eduardo Bolsonaro, Douglas Tavolaro, presidente Jair Bolsonaro e Rubens Menin em uma reunião no Palácio do Planalto no dia 18 de janeiro.

O jornalismo destemido do Intercept só é independente graças aos milhares de leitores que fazem doações mensais. Mas perdemos centenas desses apoiadores este ano.

Nossa missão tem que continuar mesmo depois que o último voto for dado nesta eleição. Para manter nossa redação forte, precisamos de 1.000 novos doadores mensais este mês.

Você nos ajudará a revelar os segredos dos poderosos?

SEJA MEMBRO DO INTERCEPT

O jornalismo destemido do Intercept só é independente graças aos milhares de leitores que fazem doações mensais. Mas perdemos centenas desses apoiadores este ano.

Nossa missão tem que continuar mesmo depois que o último voto for dado nesta eleição. Para manter nossa redação forte, precisamos de 1.000 novos doadores mensais este mês.

Você nos ajudará a revelar os segredos dos poderosos?

SEJA MEMBRO DO INTERCEPT

A roupa suja da CNN Brasil: escravidão, grampos e Edir Macedo

Os escândalos do Rubens Menin e Douglas Tavolaro, os fundadores da CNN Brasil, levantam dúvidas sobre a integridade editorial da nova emissora.

Da esquerda, deputado Eduardo Bolsonaro, Douglas Tavolaro, presidente Jair Bolsonaro e Rubens Menin em uma reunião no Palácio do Planalto no dia 18 de janeiro.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Intercept Brasil. Assine. É de graça, todos os sábados, na sua caixa de e-mails.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Os jornalistas da CNN em inglês usam constantemente o termo “extrema direita” para se referir ao presidente Jair Bolsonaro e já se referiram a ele como “um político brasileiro conhecido por seus pronunciamentos misóginos, racistas e homofóbicos”.

Anunciada na segunda-feira passada, a CNN Brasil deve seguir um caminho bem diferente, ao menos se depender do histórico dos seus dois sócios. Um deles é Douglas Tavolaro. Coautor da autobiografia do seu então chefe, o pastor Edir Macedo, foi ele o responsável pela aproximação entre o líder da Universal e Jair Bolsonaro. Antigo vice-presidente de jornalismo da Record, ele esteve por trás das entrevistas laudatórias feitas pela emissora com Bolsonaro durante a campanha.

O outro sócio do novo canal será o empresário mineiro Rubens Menin, fundador da MRV, a maior empresa de construção civil do país. Líder no Minha Casa Minha Vida, a empresa também conta com um histórico de trabalho escravo em suas obras, e uma participação no lobby contra o combate ao crime no Brasil.

Assim como Tavolaro, Menin teceu diversos elogios a Bolsonaro, aos generais do seu governo e até à proximidade com seus filhos. Assim como Bolsonaro, Menin mistura família e negócios, e hoje seu filho Rafael comanda a sua empresa. “A participação da família de forma profissional, legítima e justa é salutar na vida das empresas. Bolsonaro está demonstrando que na política isso também é possível”, disse ele em entrevista ao Correio Braziliense, após afirmar que os empresários são “eufóricos” com o futuro sob o novo presidente.

Na sexta-feira, Menin e Tavolaro se reuniram com o presidente e seu filho Eduardo no Palácio do Planalto. No início desta semana, Eduardo twittou seu ceticismo sobre a nova emissora.

Menin esperou a eleição passar para poder se posicionar sobre a contenda presidencial. Consciente de que o risco político não pode atrapalhar os seus negócios, já doou para candidatos de cargos inferiores de vários partidos, mas só começou a elogiar Bolsonaro um mês após as eleições. A assessoria de imprensa da CNN Brasil negou que essa posição política do dono haverá qualquer influência em seu canal.

Menin, que foi extremamente próximo dos três últimos presidentes brasileiros, agora está fazendo movimentos para se aproximar de Jair Bolsonaro. É um homem ligado ao poder, esteja ele na mão de quem estiver.

A CNN Brasil começará sua operação na segunda metade de 2019, e pretende contratar 400 jornalistas, um número impressionante para o atual mercado do jornalismo por aqui. Uma nota à imprensa afirma que a CNN Brasil terá total independência, mas poderá passar o conteúdo produzido em outras línguas. Não foi a primeira tentativa de trazer o canal para cá, mas aquelas feitas nos últimos vinte anos fracassaram.

Rubens Menin, chairman and chief executive officer of MRV Engenharia e Participacoes SA, speaks during the 2017 Exame Chief Executive Office (CEO) event in Sao Paulo, Brazil, on Tuesday, Aug. 8, 2017. Executives from companies based in Brazil meet to discuss strategies to succeed in today's Brazilian economy. Photographer: Patricia Monteiro/Bloomberg via Getty Images

Rubens Menin, fundador da MRV Engenharia e Participacoes SA, fala durante o evento Exame Chief Executive Office event em São Paulo em 2017.

Foto: Patricia Monteiro/Bloomberg via Getty Images

Trabalho Escravo

A CNN mantém, desde 2011, o Freedom Project, um projeto dedicado a “jogar luz sobre a escravidão contemporânea”. Ele tem entre seus objetivos “amplificar as vozes dos sobreviventes” e “responsabilizar governos e empresas”. Na sua descrição, afirma que “a escravidão não é coisa do passado.”

Em 2019, a escravidão perdura, mas a posição da CNN parece ter mudado ao conceder o uso da marca a Menin. Sua construtora foi colocada na “lista suja” do trabalho escravo por violações em três locais de trabalho diferentes. Mais do que apenas uma mancha de reputação, a lista impedia que as empresas contraíssem empréstimos do governo.

Quando a MRV foi colocada na lista, Menin defendeu veementemente sua empresa e começou a trabalhar obstinadamente para atrapalhar a luta do Brasil contra o trabalho escravo. A Abrainc, uma associação de incorporadores liderada por Menin, entrou com um processo no Supremo Tribunal Federal para suspender a lista.

O pedido foi atendido pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, durante o recesso de Natal. Menin recebeu uma decisão favorável em apenas quatro dias e a lista, considerada um exemplo por entidades como a Organização Internacional do Trabalho, foi imediatamente desmantelada.

A lista voltou mais enxuta, e não contém mais o nome da MRV. Além disso, ela também não tem mais o poder de cortar o crédito de ninguém. Se tornou um mero decorativo.

Quando Michel Temer tentou emplacar uma portaria para atrapalhar o combate ao trabalho escravo no Brasil, usou um exemplo da MRV para dizer que os fiscais estavam atuando de maneira exagerada. A MRV, claro, negou estar por trás disso.

A CNN não quis comentar os problemas em específico, e se resumiu a afirmar a mim por e-mail que “faz uma auditoria abrangente de todos seus parceiros de licenciamento. Esse é o caso dos licenciados que vão operar a CNN Brasil, que têm nosso total apoio”.

Rubens Menin fez sua fortuna rapidamente, de forma aparentemente milagrosa. Em quatro anos, sua empresa saltou do 12º lugar para o primeiro no ranking das maiores construtoras civis brasileiras, onde permanece até hoje. Em 2014, a Forbes estimou seu patrimônio líquido em US$ 1,2 bilhão.

Embora Menin defenda valores econômicos liberais em seus textos e entrevistas, sua fortuna foi feita com financiamento público. A empresa é a principal construtora do Minha Casa, Minha Vida. Ele opera principalmente nas faixas 2 e 3 do programa, voltadas à classe média e com financiamento baseado no FGTS.

Fox News do Brasil

Menin anunciou a nova estação de televisão ao lado de seu sócio e futuro CEO da CNN Brasil, Douglas Tavolaro. Por quase 10 anos, Tavolaro atuou como vice-presidente de jornalismo da Record TV, que se tornou um porta-voz não-oficial do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro durante e após as eleições de outubro.

Depois de um punhado de aparições desastrosas na TV durante a campanha e de receber uma facada, Bolsonaro decidiu controlar rigidamente o acesso à mídia e não participou de outros debates.

Sem Bolsonaro, a Record cancelou o debate entre os candidatos que aconteceria no seu canal, ao contrário de outras emissoras, que levaram os programas adiante mesmo sem ele. No dia do último debate na Globo, a emissora do bispo exibiu uma entrevista chapa-branca com Bolsonaro enquanto os outros candidatos discutiam propostas no outro canal.

A proximidade continuou após as eleições. Entrevistas recheadas de parabéns ao novo presidente, sem jamais pressioná-lo, foram exibidas na televisão, sempre sob a supervisão de Tavolaro.

Em Outubro do ano passado, o Intercept publicou uma longa declaração de um jornalista do site da Record, o R7, que reclamou de novas diretrizes editoriais para beneficiar a campanha de Bolsonaro. Como resultado, o R7 publicou um ataque ao Intercept enquanto um repórter investigativo da TV Record começou a pesquisar uma matéria mais aprofundada, que nunca foi ao ar.

As relações políticas de Tavolaro não começaram com Bolsonaro. No ano passado, escutas telefônicas da polícia revelaram suas negociações com Aécio Neves, que iria ajudá-lo a conseguir verbas de patrocínio da Caixa Econômica Federal em troca da exibição de uma entrevista com o então-presidente, Michel Temer.

Em março do ano passado, o Intercept revelou que a esposa de Tavolaro, Raissa Caroline Lima — que era uma assessora bem-paga na Assembléia Legislativa de São Paulo — viajava regularmente pelo mundo com o marido durante as votações-chave em que deveria estar presente. O Intercept Brasil não conseguiu localizá-la em seu escritório. O trabalho remoto para os funcionários é estritamente proibido na Assembléia, uma medida para reprimir o uso de funcionários fantasmas. Alguns meses depois, Lima foi discretamente exonerada de seu cargo.

Nos últimos anos, Tavolaro teria se afastado de algumas das tarefas do jornalismo cotidiano para ser o co-autor da biografia e de dois roteiros de filme sobre Edir Macedo. Ele agora parece estar se afastando de Macedo para lançar a CNN brasileira, uma marca obtida da Turner Broadcasting System por uma quantia desconhecida. A assessoria de imprensa negou especulações de que Edir Macedo tenha envolvimento direto no novo projeto.

A Record tenta se aproximar da CNN desde 2007, mas a emissora norte americana rejeitou suas ofertas, pois não queria ser associada à poderosa mega-igreja evangélica de Macedo.

Há anos, a direita brasileira tem clamado por sua própria versão da Fox News, enquanto a Record e SBT deram passos nessa direção, é um sonho que nunca foi totalmente realizado. A chave para desvendar esse sonho pode estar na combinação de Rubens Menin e Douglas Tavolaro sob a bandeira da CNN Brasil.

Nem todos, no entanto, estão convencidos. Ativistas de extrema direita alinhados com Bolsonaro já foram ao Twitter para criticar a nova rede. “CNN BRASIL vai contratar 400 jornalistas para difamar a mudança pela qual o Brasil está passando?”, twittou um funcionário do blog de fake news Terça Livre. “É o [George] Soros quem vai mandar naquela joça”, referindo-se ao filantropo liberal, um frequente bicho papão em teorias de conspiração da extrema-direita (o fundo de Soros detém uma pequena participação na empresa-mãe da CNN). Luciano Hang, o empresário que o Ministério Público do Trabalho quis multar em R$100 milhões por coagir seus funcionários a votar em Bolsonaro, também tuitou criticamente sobre o acordo: “Mais uma TV comunista no Brasil. Alguém pode montar uma Fox?”

Então, será que a CNN Brasil será uma conspiração comunista apoiada por Soros, tentando acabar com o movimento Bolsonaro? Menin respondeu a Hang: “Luciano, não caia nessa história.”

 

Correção: 4 de fevereiro de 2020, 18h47

Este texto identificava Edir Macedo como o tio de Douglas Tavolaro. Tavolaro apresentou uma declaração com firma reconhecida em cartório que nega qualquer parentesco consanguíneo ou por afinidade “em linha reta ou colateral, até o terceiro grau”. O texto foi atualizado para retirar a referência.

Você sabia que...

O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?

E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?

Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.

E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!

O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.

Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.

Podemos contar com você por R$ 20 por mês?

APOIE O INTERCEPT

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar