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Paulo Guedes ignora o bê-á-bá da administração pública

É verossímil que as platitudes do plano econômico de Paulo Guedes fossem estratégia. Mas passados dois meses parece haver algo mais: ignorância.

Paulo Guedes, ministro da Economia no Fórum de governadores realizado no CICB (Centro Internacional de Convenções do Brasil ), em Brasília.

Paulo Guedes é um homem inteligente. É dono de um PhD em Economia pela Universidade de Chicago, uma das mais renomadas do mundo, e ex-professor da PUC do Rio e FGV, duas das mais prestigiosas escolas de economia do Brasil, e pode se gabar de seus dotes acadêmicos.

Sendo um dos fundadores do banco Pactual e com atuação destacada no mercado financeiro – ainda que envolta em alguns episódios nebulosos –, Guedes pode se gabar de ser um homem rico.

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Pode se gabar de ter tido faro de apoiar e dar credibilidade junto ao baronato a um deputado extremista, representante do que havia de mais abjeto no baixo clero da Câmara. Paulo Guedes como ministro da economia do Brasil, porém, encena um embaraçoso espetáculo de uma comédia de devaneios. Comédia que vem desde os tempos de campanha.

Até hoje, só Deus sabe de onde surgiu esse mítico valor de 2 trilhões.

O plano econômico apresentado pela equipe de Bolsonaro tinha a profundidade de um pires. Platitudes e frases de efeito que fariam o mensageiro passar vergonha até mesmo em grupos de WhatsApp.

Um colega, com trânsito entre os economistas do grupo de Bolsonaro, me confidenciou que o baixo nível intelectual e a ausência de propostas concretas no documento não eram acidente, mas estratégia. Desde que Marina Silva foi massacrada pelos marqueteiros de Dilma em 2014 por colocar no plano de governo que pretendia dar independência ao Banco Central, os candidatos optaram por apresentar planos generalistas. Assim, escondiam do “povão” seus reais planos e não dariam munição fácil para seus adversários. Parece haver verdade nesse diagnóstico, mas parece haver algo mais.

Parece haver ignorância pura e simples.

Ao longo da campanha, Guedes insistiu que, com a venda de estatais e de imóveis da União, iria arrecadar R$ 2 trilhões, valor equivalente a 60% do orçamento total do governo federal para 2019, estimado em R$ 3,3 trilhões. Até hoje, só Deus sabe de onde surgiu esse mítico valor de 2 trilhões, que se tornou motivo de chacota inclusive por parte de economistas liberais e ex-alunos. Nesse valor, previa-se a venda da Petrobras, dos Correios, do BNDES, das cadeiras do Palácio do Planalto…

Ainda que esse valor fosse real, qualquer pessoa que conhece o processo de privatização ou a história das privatizações no Brasil sabe que em quatro anos é simplesmente impossível vender essa soma de ativos. Isso porque vivemos em uma sociedade democrática, na qual não impera a vontade soberana do chefe do Executivo. Há leis, há regras, há procedimentos.

Ainda em novembro, já na condição de futuro ministro, Guedes teve um encontro com Eunício de Oliveira, então presidente do Senado. O ex-senador teria afirmado que seus colegas ficaram “horrorizados” com a ignorância do futuro ministro com relação ao processo orçamentário. Eunício relatou o seguinte ao site BuzzFeed:

“Ele me disse: ‘vocês não aprovam orçamento, orçamento eu não quero que aprove não’. Mas não é o senhor querer, a Constituição diz que só podemos sair em recesso após a aprovação.”

Eunício vaticinara: “Esse povo que vem aí não é da política; é da rede social”. Guedes parecia acreditar que o orçamento de 2019 seria resolvido só em 2019, por ele e Jair, aparentemente. Um erro juvenil de desconhecimento das engrenagens da burocracia federal. Já estamos no terceiro mês de governo, mas Paulo Guedes continua a mostrar total despreparo para o cargo que ocupa. Em entrevista ao Estado de S. Paulo, afirmou:

O senhor quer acabar com todas as despesas obrigatórias?

Claro. A desvinculação eu quero total. Aí vamos ver quanto dá, mas vou tentar. Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos. Eles são gestores públicos e sabem o desafio que têm. Hoje o cara está sentado lá numa prefeitura, no governo do Estado, vendo subir isso, subir aquilo, sendo obrigado a fazer isso, fazer aquilo, e percebendo que ele não manda nada. Eles têm de mudar isso, assumir o protagonismo.

A partir da Constituição de 1988 os governantes foram perdendo graus de liberdade no que diz respeito à alocação dos recursos orçamentários. Em vez de escolherem ao seu bel prazer, a lei passou a determinar a porcentagem que deve ir para a saúde, para a educação, para a segurança etc.

Imagine, ano a ano, os parlamentares brasileiros decidirem linha por linha o destino de mais de R$ 3,3 trilhões?

Isso tem um lado ruim, claro, porque tira a liberdade do governante em decidir prioridades. Mas tem um lado positivo: a sociedade limita a liberdade dos governantes. Mudam os chefes do executivo, mudam os partidos, mudam as coligações, mas o percentual dos recursos que precisam ir para tal setor, não.

Há muitos economistas e políticos do Brasil que reclamam do excesso de rigidez do orçamento público. Em 2018, o montante de gastos obrigatórios da União chegou a 93% de sua arrecadação. Reduzir essa rigidez é uma discussão válida. Faz parte do jogo.

Mas ter a audácia (ou o delírio) de imaginar um mundo em que 100% dos gastos do governo são discricionários, isto é, são livres, decididos ano a ano pelo Congresso, beira, ou melhor, ultrapassa a insanidade. Imagine, ano a ano, os parlamentares brasileiros decidirem linha por linha o destino de mais de R$ 3,3 trilhões?

Imagine quanto tempo demoraria a análise e a aprovação do orçamento?

Afirmar que vai fazer um ajuste fiscal de R$ 120 bilhões não é wishful thinking, é sandice mesmo.

Imagine que o governante pode não gastar nenhum real em saúde ou educação ou aposentadoria ou salário de servidores? Afinal, se nenhum gasto é obrigatório, o governo poderia decidir por não pagar aposentadorias, não é mesmo?

Imagine que o presidente decida eliminar todos os recursos destinados para investigar as milícias do Rio de Janeiro ou as movimentações financeiras atípicas de assessores de políticos? Imagine que essa total liberdade seja dada a todos os prefeitos e todas as Câmaras de vereadores do país?

Em outra passagem, Paulo Guedes insiste na meta de zerar o déficit primário em 2019. No ano passado, esse déficit foi da ordem de RS$ 120 bilhões. Afirmar que vai fazer um ajuste fiscal de R$ 120 bilhões não é wishful thinking, é sandice mesmo. Mas Guedes afirma que é preciso mirar nas estrelas.

Porém, quando o assunto é crescimento econômico, o ministro lava as suas mãos.

Onde entra o crescimento econômico? O PIB fechou 2018 com crescimento de apenas 1,1%. O que o governo está fazendo para alavancar o crescimento?

O modelo acabou. Não existe alavanca. Você tem de fazer as reformas. Quer fazer o que a Dilma fez? Não tem mágica.

Em português direto: o governo não está fazendo e não fará nada para retomar o crescimento econômico. O governo tem vendido a ilusão de que após a reforma da previdência, os investimentos privados voltarão, haverá emprego, consumo, gastos do governo. Isso porque a reforma traria de volta a “confiança dos empresários”. A reforma da previdência virou o emplastro Brás Cubas da nova era.

Triste será quando percebemos que, independentemente dos méritos e deméritos da reforma a ser aprovada, ela em nada (ou quase nada) afeta o nível de investimentos dos empresários privados ou do orçamento corrente da União. Triste é viver com um ministro da Economia que não entende nada da burocracia federal.

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