Jair Bolsonaro está em Washington para conhecer, enfim, Donald Trump na Casa Branca nesta terça. Enquanto oficialmente a viagem é focada nos esforços conjuntos dos EUA e do Brasil para mudar o governo da Venezuela, ela tem sido vendida por Bolsonaro como uma forma de “reabilitar” sua presidência depois da série de escândalos que paralisou os três primeiros meses de seu governo.
Mas quando se trata de melhorar sua imagem, o timing dessa viagem dificilmente poderia ser pior. Eventos chave ocorridos nas últimas semanas – entre eles a prisão de dois suspeitos de terem assassinado Marielle Franco – destacaram os aspectos mais danosos e, para muitos, mais terríveis, da relação entre Bolsonaro e seus filhos com as milícias.
Apenas pare para pensar como – mesmo antes da prisão de um dos assassinos de Marielle no mesmo condomínio em que o presidente mora –, tantos pontos já tinham aparecido ligando o presidente Bolsonaro e seus filhos, a esses grupos, compostos majoritariamente de policiais e militares. O próprio Bolsonaro é um ex-capitão do Exército, que serviu durante a ditadura e deixou a corporação sob alegações de má conduta – ainda que o seus seguidores e amigos insistam em seguir chamando-o de “capitão”.
Em janeiro, a polícia fez uma megaoperação para prender membros de uma das milícias mais poderosas e terríveis da cidade, que abriga o time de assassinos de aluguel conhecido como “Escritório do Crime”. Esse grupo é composto por ex-policiais altamente treinados que usam seus conhecimentos para conduzir assassinatos com baixíssimas chances de serem descobertos. Eles estavam entre os principais suspeitos da morte de Marielle há meses. Entre os principais alvos da polícia, estava o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, um dos chefes do Escritório.
A operação levou a uma revelação chocante: a mãe e esposa de Nóbrega eram formalmente contratadas no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, durante toda a última década, enquanto ele atuava como deputado estadual no Rio.
Pouco depois dessa descoberta, o trágico rompimento da barragem da Vale em Brumadinho deixou mais de 200 mortos, tomando, como era de se esperar, todo o noticiário. Isso resultou em bem menos atenção para a estreita conexão entre Flávio e Adriano do que era merecido. Então apenas reflita sobre isso: o filho de Bolsonaro tinha a mãe e a esposa de um dos mais notórios assassinos da milícia no país, suspeito de ter matado Marielle, em sua folha de pagamento.
Em fevereiro, as conexões entre Flávio e a milícia se tornaram ainda mais claras. Foram encontrados cheques de despesas de campanha em nome Flávio assinados por Valdenice de Oliveira Meliga, irmã de Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, milicianos presos em agosto. Apenas alguns meses antes da prisão dos dois, o filho do presidente postou uma foto em seu Instagram ao lado do próprio Bolsonaro, então candidato à presidência, na festa de aniversário dos gêmeos Oliveira, os parabenizando e elogiando a família.
Em retrospecto, Flávio tem ligações tão íntimas com a milícia que o fato da mãe e da esposa de um dos mais notórios chefes desse grupo estar trabalhando em seu gabinete não deveria ser uma surpresa. Como deputado estadual, ele ainda concedeu medalhas a Nóbrega e outro miliciano, à época ainda trabalhando como policiais, em homenagem por seus serviços prestados ao estado.
O próprio presidente Bolsonaro enquanto deputado federal já expressou mais de uma vez seu apreço pela milícia, que definiu como uma forma de combater o crime no país. Em agosto de 2003, ele usou a tribuna para elogiar um grupo de extermínio que aterrorizava a Bahia. Acrescentou que o esquadrão da morte teria seu apoio se resolvesse migrar para o Rio.
Nas últimas décadas, as milícias têm ocupado grande parte das áreas mais pobres das principais cidades do país, incluindo o Rio. Uma reportagem do Intercept mostrou que as milícias tomaram a cidade inteira.
Apesar de ter sido eleito com foco na epidemia de violência e criminalidade que toma o país, quando Bolsonaro e a família falam sobre crime, eles quase sempre concentram a atenção no tráfico de drogas. Nunca falam nada a respeito dessa outra tão mais ameaçadora e terrível fonte de criminalidade: a milícia.
Não é difícil de entender por que Bolsonaro – apesar da importância de sua postura anti-criminalidade para a sua popularidade – seja mais ávido em agradar do que de fato condenar e combater as milícias. Esses grupos são controlados por seus amigos, vizinhos, camaradas e mais próximos colaboradores.]
Fabrício Queiroz, o miliciano que trabalhou para Flávio pela última década, movimentou enormes quantias de dinheiro – incluindo um depósito na conta da esposa do presidente – e deu início ao primeiro escândalo relacionado a sua presidência, é um dos mais antigos e próximos amigos de Bolsonaro. Quando a polícia o questionou sobre as movimentações financeiras envolvendo a família Bolsonaro, Queiroz, como já era esperado, foi se esconder na favela de Rio das Pedras, mais conhecida por ser o berço da milícia no Rio.
Na semana passada, quase imediatamente após a polícia anunciar a identidade dos dois suspeitos de terem assassinado Marielle, mais conexões com Bolsonaro surgiram. O atirador, o ex-policial Ronnie Lessa, mora no mesmo condomínio que Bolsonaro. Uma incrível coincidência considerando o tamanho da cidade do Rio. Em outras palavras, o assassino de Marielle – o homem que colocou quatro balas em sua cabeça –, é vizinho de Bolsonaro, em um dos condomínios mais caros e exclusivos da cidade, apesar de ter trabalhado a sua vida inteira como funcionário público.
Pouco depois, apareceu uma foto do parceiro de Lessa no crime com Bolsonaro em uma rede social. A polícia ainda confirmou que o filho mais novo do presidente e a filha do matador já namoraram. Apesar de nenhum desses fatos ser capaz de ligar Bolsonaro diretamente ao assassinato de Marielle, são muitas coincidências envolvendo o atual presidente da República às milícias e ao assassinato de uma das mais proeminentes jovens políticas de esquerda do país.
Todo esse montante de evidências – a maioria desenterradas nessas dez semanas desde que Bolsonaro chegou à presidência –, pintam um quadro profundamente perigoso e perturbador. O Brasil está nas mãos de uma família com múltiplas e cada vez maiores ligações com os principais grupos de assassinos e paramilitares do país.
Quando Bolsonaro encontrar Trump na Casa Branca amanhã, esse encontro deve ser visto primeiro e sobretudo dentro desse contexto. Bolsonaro rapidamente se colocou no primeiro escalão dos líderes mais criminosos, violentos e perigosos do planeta. E dada a posição do Brasil – geopolítica, culturalmente, economicamente, ambientalmente e militarmente – esse é claramente um dos mais preocupantes acontecimentos do último ano. Independente do que mais seja verdade, a cobertura da presença de Bolsonaro na Casa Branca deveria ter como foco principal esses fatos, em especial se o desejo dessas reportagens é ser preciso e refletir exatamente quem o atual presidente do Brasil é e quem ele representa.
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