O jornalista Denian Couto revirou os olhos e abriu um sorriso ao ser perguntado sobre o ator e militante petista José de Abreu no programa que comanda na rádio Jovem Pan de Curitiba. “O homem que cospe no rosto de uma mulher pode fazer a piadinha que quiser, pode falar sério, que eu não vou nem considerar”, disse, em tom revoltado, na manhã de 27 de fevereiro passado.
Dois dias antes dessa declaração, Couto havia sido procurado por um oficial de Justiça no estúdio da rádio. Foi intimado por ter ameaçado uma mulher de morte. Não foi caso isolado: o jornalista é acusado de agredir, física ou verbalmente, quatro mulheres com quem se relacionou. Ele e seu advogado negam, dizendo que as falas foram “tiradas de contexto”.
Couto é a principal voz de opinião das afiliadas da Jovem Pan e da TV Record no Paraná – no estado, ambas pertencem ao Grupo RIC, um conglomerado de comunicação que também é dono de rádios e tevês em Santa Catarina. Cumpre uma jornada exaustiva de programas das emissoras: pela manhã, está na rádio das 7h às 8h. Em seguida, participa do telejornal Paraná no Ar, na Record, em que também pilota um quadro semanal de entrevistas. Invariavelmente, tece comentários críticos à esquerda e favoráveis ao governo de Jair Bolsonaro.
A intimação foi resultado do boletim de ocorrência registrado por Giulianne Kuiava, colega dele na Record. A direção do Grupo RIC tomou conhecimento do caso e chegou a ouvir o áudio da ligação em que ele a ameaça de morte. Mas não tomou nenhuma atitude – nem mesmo para impedir que os dois se encontrassem no local de trabalho. Pelo que apurei, decidiu tratar o assunto como um “problema particular” de ambos.
A impressão, para funcionários do grupo com quem conversei, que não quiseram se identificar para evitar retaliações no trabalho, é que houve uma tentativa de abafar o caso e proteger a imagem de Couto, tido como “estrela da casa”. A Jovem Pan se vende como a “rádio número 1 de Curitiba” numa propaganda em que Couto aparece ao lado de dois colegas. A audiência de um dos programas cresceu 54% em um ano após a entrada dele, segundo a revista TopView, publicada pelo grupo RIC.
“No começo eu achei que a chefia iria tomar alguma atitude, mas o tempo passou e ninguém tocou no assunto. Não houve punição para ele, que está trabalhando normalmente. Acho isso perigoso. Se fosse comigo, eu me mudaria”, me disse uma funcionária que não quis ser identificada.
“A impressão que dá é que a empresa está querendo esconder a situação e proteger mais o Denian do que a própria vítima. Eu esperava que houvesse pelo menos um posicionamento da empresa, até porque ele faz a opinião da RIC, representa o que o grupo pensa. Acaba sendo uma hipocrisia. É um absurdo a gente fazer matéria sobre feminicídio e ter um cara que agride mulheres”, opinou outra pessoa que teve contato com o caso.
Funcionários do grupo também comentam que Kuiava foi colocada na “geladeira” desde o ocorrido. Ela é contratada como produtora, mas costumava fazer matérias em vídeo. A frequência dessas aparições teria diminuído desde janeiro. Ela também teria sido preterida em algumas pautas e em processos para preencher outras vagas dentro da empresa, de acordo com a impressão de colegas da emissora.
Procurei a gerente-geral de jornalismo do grupo RIC, Ivete Azzolini. Ela me atendeu pelo WhatsApp, mas parou de responder às minhas mensagens quando mencionei que gostaria de ouvi-la sobre o caso de Couto. Ela tampouco atendeu às ligações a seu telefone celular.
À assessoria de imprensa do grupo, enviei as seguintes perguntas: Qual a posição do grupo quanto a jornalistas acusados de agressão? O grupo irá manter Denian Couto em seus quadros? Houve ou haverá algum tipo de reprimenda, punição ou orientação a ele? Qual? Como o grupo pretende proteger a vítima física e profissionalmente a partir de agora? Estou aguardando a resposta.
Também entrei em contato com as matrizes da Record e da Jovem Pan – enviei as mesmas perguntas que fiz à RIC para o diretor de comunicação da Record, Celso Teixeira. Mas, por ambas, fui informada que só a afiliada no Paraná poderia falar sobre o assunto.
‘Eu vou te matar se você não calar a sua boca’
Apesar de formado em Direito e professor de uma universidade particular de Curitiba, Couto fez a carreira como comentarista político de viés conservador e moralista. Já disse que “escolas são um cocô” por causa da “doutrinação ideológica”, e saiu em defesa de Bolsonaro, num comentário raivoso, quando uma operação policial prendeu um acusado de matar a vereadora Marielle Franco no condomínio em que mora o presidente no Rio de Janeiro. Ali “tem mais de cem casas, e são casas simples”, e “não existe essa de Direito Penal da vizinhança”, disparou o jornalista. Nas redes sociais, Couto se vende como defensor do “jornalismo sem mimimi“.
No final de 2018, ele e Kuiava iniciaram um relacionamento. Em menos de um mês, trocaram alianças e começaram a fazer planos de casamento. Parecia um casal exemplar. Mas, passado pouco tempo, Couto passou a ter rompantes de agressividade, segundo a jornalista.
A gota d’água foi em janeiro, quando a noiva descobriu que o Couto ainda estaria se relacionando com duas ex-esposas. Ela telefonou-lhe para dizer que a relação havia terminado. Couto reagiu mal, e ela passou a gravar o telefonema.
Eu ouvi a gravação, a que tive acesso graças a uma fonte com acesso ao processo. Visivelmente alterado, em dado momento ele grita: “Cala a boca que eu vou te matar”. Kuiava chora, dizendo não o estar reconhecendo. Ele prossegue: “Eu vou te matar se você não calar a sua boca”.
‘Filha da puta, puta, vadia, retardada, burra do caralho.’
Aos berros, ele ainda chama Kuiava de “filha da puta, puta, vadia, retardada, burra do caralho”, conforme o boletim de ocorrência que ela registrou na Delegacia da Mulher de Curitiba em 21 de janeiro passado. A gravação do telefonema foi anexada a um processo criminal que corre em sigilo. Alguns dias depois, a justiça concedeu uma medida protetiva, baseada na Lei Maria da Penha, para evitar que Couto se aproxime da colega – ambos seguiram trabalhando no mesmo prédio, apesar disso.
Telefonei a Couto para ouvi-lo a respeito do caso. Ao saber do que eu gostaria de tratar, ele se exaltou, disse que era tudo mentira e tentou me dissuadir de escrever esta matéria. Falou, ainda, que fez a ameaça sob “forte emoção” e por isso não se tratava de um crime. Em seguida, me desautorizou a transcrever nosso diálogo e pediu para que ligasse para seu advogado.
O defensor dele é Adriano Bretas, um criminalista de Curitiba que ganhou destaque com a operação Lava Jato – negociou o enrolado acordo de delação premiada do ex-cardeal petista Antonio Palocci – a ponto de estrelar uma capa da revista Veja. Ele me relatou que o processo corre em sigilo e que não pode contar detalhes. Bretas se limitou a me dizer que os fatos relatados por Kuiava não são verdadeiros e que é preciso “ver o contexto” para avaliar a conversa. “Existem contextos que justificam ações. A gente vai ver qual vai ser o caso”, afirmou.
A defesa de Couto conseguiu suspender a medida protetiva que o impedia de chegar perto de Kuiava pouco mais de um mês depois de ser notificado. Ele ainda responde a outro processo, criminal, pela acusação de ameaça. O procedimento está em fase inicial. O Ministério Público vai analisar o caso e decidir se oferece denúncia contra o jornalista.
Mas o caso de Kuiava não é o único.
Há outras duas denúncias contra Couto por agressão. Uma ex-namorada diz que foi empurrada por ele e que se machucou.
Há outras duas denúncias em que Couto é acusado de agressão a ex-namoradas. Uma delas diz ter sido empurrada pelo jornalista e se machucado. A outra acusa o apresentador de agressão verbal e de ameaças. Os dois casos foram recebidos pela ONG Todas Marias, de Curitiba, que os encaminhou à justiça. Procurei as vítimas, mas elas têm medo de uma vingança de Couto e preferem não falar sobre o assunto. Os processos correm em sigilo.
O jornalista também foi agressivo com outra ex-colega de trabalho com quem saiu duas vezes. Conversei com ela por telefone, que prefere não revelar a identidade por temer represálias. “Quando eu falei ‘acho melhor a gente não ter nada’, ele começou a me xingar de burra, idiota, dizer ‘como você tem coragem de fazer isso’… Eu já tive um relacionamento abusivo, então consegui fugir desse”, me disse. Ela não prestou queixa.
Questionei Bretas a respeito desses outros casos. O advogado me disse desconhecê-los.
A carreira de Couto no jornalismo começou em Porto Alegre, na Rádio Bandeirantes. Lá, protagonizou um episódio curioso no início dos anos 2000, no qual entrevistou ao vivo alguém para quem a produção do programa aparentemente ligou por engano (ouça abaixo). Entre os gaúchos, o episódio se tornou um viral – antes mesmo da palavra se popularizar.
Ele chegou a Curitiba em 2005, onde foi repórter e apresentador de telejornais – em um deles, na afiliada do SBT no estado, dividia bancada com a hoje deputada federal Joice Hasselmann. Couto trabalhou para o ex-governador Beto Richa, do PSDB, atualmente preso em Curitiba. Ele foi diretor de jornalismo da emissora estatal É-Paraná entre fevereiro e julho de 2015.
Em 2017, Couto disse em uma entrevista à revista do grupo ser contra a imparcialidade no jornalismo. “Tenho um lado muito claro: me posiciono junto a quem tem seus direitos violados. Uso meu espaço para cobrar de quem detém o poder”. Deve ter se esquecido de dizer que isso não vale para suas ex-namoradas.
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