O paranaense Adolfo Sachsida ocupa um cargo estratégico na formulação da política econômica e social do governo. É o atual secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, cargo que tem uma importância crucial na determinação da agenda econômica do país. No início do governo Lula, por exemplo, esse cargo foi ocupado por Marcos Lisboa, que acabou sendo um dos grandes responsáveis pelo desenho do programa Bolsa Família, uma das marcas de nossa política social.
Doutor em Economia pela Universidade de Brasília, Sachsida é funcionário do Ipea desde 1997. Como pesquisador, é dono de um currículo de respeito.
Tais credenciais profissionais e acadêmicas, no entanto, não o impedem de defender ideias econômicas bizarras, nem de ser um admirador e entusiasta do “filósofo de Taubaté” (com a devida vênia dos nativos e amantes desta simpática cidade), o refutador de Albert Einstein, o inclassificável Olavo de Carvalho. Ele defende, por exemplo, que todo brasileiro pague um imposto único anual de R$ 7 mil. Seja esse brasileiro um bilionário ou alguém que vive com um salário mínimo por mês.
Mais: acredita que os direitos trabalhistas são um estorvo para o empresário e principal causa do desemprego no país – e defende seu argumento citando filmes americanos. Culpa os pobres e miseráveis pelo déficit da previdência – afinal, ele recebem um salário mínimo sem terem contribuído para o sistema. E acha que as mulheres devem se aposentar junto com homens, mas pagando mais. Que se dane a jornada doméstica – isso não é problema da previdência.
Carreira política naufragou
Figura conhecida nos círculos conservadores e liberais brasileiros, Sachsida tentou a eleição para deputado distrital em 2014 pelo Democratas. Obteve 3.372 votos, ficou na 105° posição e não se elegeu.
Aproximou-se, então, de Bolsonaro quando poucos acreditavam que um risível deputado de extrema direita poderia se tornar presidente do país. São muitas as afinidades entre Bolsonaro e Sachsida.
Sachsida expressa abertamente sua fé em Olavo de Carvalho. As trocas de gentilezas entre ambos eram frequentes, com direito aos famosos “hangouts” entre o economista e o Rasputin brasileiro. Nas conversas, os dois debatem temas como Escola sem Partido, a ameaça islâmica, os perigos do comunismo e outros tópicos típicos do cardápio de insanidades daquele que Sachsida chama de “professor”.
Em um depoimento, o economista classificou Olavo como “um dos maiores pensadores brasileiros dos últimos 50 anos”.
Olavo soube corresponder a tão profunda admiração – pena que o texto em questão tenha sido apagado por Sachsida.
Como Olavo e Bolsonaro, Sachsida também nutre um ódio profundo contra o ex-presidente Lula. Até aqui, nada demais. Afirma que Lula é um “bandido de alta periculosidade” e que “representa riscos claros a [sic] ordem pública”. Até aqui, mais uma vez, nada demais. Segue o jogo.
Mas ele vai além e diz que Lula faria “de tudo (como tem feito) para jogar o país numa guerra civil”. Aqui, creio, ultrapassamos o limite das discordâncias típicas de uma democracia e entramos na arena dos delírios olavistas.
Sachsida também divide com o capitão reformado a compreensão sobre os “probleminhas” ocorridos durante a ditadura militar brasileira. O atual secretário já usou o seriado 24 Horas para racionalizar a atitude de Geisel, que teria dado sua bênção para que o “abate” de “terroristas” continuasse no Brasil.
Que os Deuses não lhe confiem tal decisão. Rezo.
Além de colunista em sites liberais e conservadores, Sachsida também era conhecido por seu canal no YouTube e seu blog pessoal. Em seu blog – que infelizmente foi deletado, assim como quase todo o material que ela havia postado no YouTube –, Sachsida defendia teses, digamos, extravagantes.
Em 2017, causou furor um vídeo seu em que justificaria a diferença de salários entre homens e mulheres dizendo que “não tem tanta mulher genial”. O suposto vídeo, infelizmente, não está mais entre nós. Outra tese defendida por Sachsida é que se cobrasse um imposto único de igual valor sobre todos os brasileiros. Isso significa que tanto um bilionário, como o performático Luciano Hang, quanto uma dona Maria, ganhadora de um salário mínimo, pagariam todo ano o mesmo valor, a mesma quantia, o mesmo montante de imposto por ano. Dividindo a arrecadação do governo federal no ano passado pela população do país, o valor a ser pago seria de R$ 7 mil.
A monstruosidade em termos de distribuição de renda da implementação de um imposto desse tipo seria inominável. Seria agradável – e módico – para os ricos. Seria, literalmente, a miséria, a fome e a humilhação para os mais de 55 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Esses 55 milhões de brasileiros vivem com menos de R$ 406 por mês, o que dá uma renda anual de R$ 4.872. Ou seja, se passassem o ano todo sem gastar literalmente um único centavo, ainda deveriam mais de R$ 2 mil para o governo.
Achou a ideia um completo disparate? Nós também.
Acha que é mentira, que nenhum economista defenderia tal coisa? Achou errado. Neste vídeo, Sachsida defende essa tese sem qualquer pudor. Nos vídeos do YouTube que sobreviveram ao expurgo pós-vitória, Sachsida apresenta seu credo econômico, que tem grande influência sobre as ideias e palavras mal conectadas proferidas por Bolsonaro.
Em uma de suas aulas, intitulada “Modernização da Legislação Trabalhista”, de 2017, Sachsida apresenta sua visão sobre o mercado de trabalho, na teoria e na prática. Defende o que ele chama de “modelo americano” do mercado de trabalho. Sua argumentação se baseia em seriados e filmes americanos:
“Como funciona a economia americana na maior parte dos contratos? Você já viu um filme americano?… Toda vez que alguém perde o emprego, o que que o cara faz? Pode ver, na cena seguinte aparece o cara com uma caixa de papelão, ele indo na mesa dele colocando os pertences dentro da caixa… e indo embora. Acabou. É isso que acontece. Daí uma semana esse cara que foi mandado recebe um cheque, com o pagamento que faltava para ele receber e acabou. Não tem 13º, não tem férias, não tem absolutamente nada. Então esse é o modelo americano[…] É o seguinte, você foi mandado embora, você não tem direito a nada não, você pega seus pertences coloca numa caixa e vai embora. […] Quando é barato para a empresa te demitir, também é barato para a empresa te contratar. Quando você coloca poucas regras para a empresa cumprir, essa empresa não vai ter medo de te contratar. Porque se ela contratar e contratar mal, ela demite o cara sem custo nenhum”.
A carteira de trabalho verde e amarela, proposta pela equipe econômica de Bolsonaro, é a materialização dessa visão de mundo, de que direitos trabalhistas são apenas empecilhos; que quanto mais fácil e barato for para o empresário contratar e demitir seus empregados, maior o volume de emprego. Se levarmos esse argumento ao limite, podemos concluir que a volta da o regime de escravidão seria a solução definitiva para os males que atingem o brasileiro desocupado. Para Sachsida, os acordos individuais devem se sobrepor à legislação, desde que a Constituição seja respeitada naqueles primeiros. Ou seja, é o sistema de liberdade total e absoluta.
Ocorre que a relação entre trabalhador e empregado não é uma relação entre iguais, especialmente quando os mais pobres e menos qualificados são os trabalhadores. É ostensivo o desejo da equipe de Bolsonaro em acabar com “privilégios” como o 13°, férias remuneradas de 30 dias, entre outros.
Não deixa de ser curioso que Sachsida defenda essas teses sendo um servidor público federal há mais de duas décadas, com direito a todas as benesses, privilégios e seguranças que essa categoria tem direito. Em fevereiro deste ano, por exemplo, ele recebeu belos R$ 24.572,18.
Nada de ilegal ou imoral aqui. Porém, um brasileiro que ganha um salário mínimo, precisa trabalhar dois anos – sem gastar nenhum centavo – para acumular essa quantia.
Em outro vídeo, Sachsida fala sobre a reforma da previdência. Em sua análise, o governo participa do sistema de previdência por duas razões:
1 – “Porque o governo fala que muitas pessoas são burras, então se deixar por conta delas, elas nunca vão poupar, aí vão ficar velhas e não vão ter dinheiro, então o governo vai ajudá-las”.
2 – “Porque muitas pessoas são tão pobres que elas não têm dinheiro para poupar, então o governo vai garantir para elas um futuro, uma aposentadoria. Claro a pergunta que sobra é de onde o governo vai tirar esse dinheiro. Acertou, é de você mesmo”.
Talvez Sachsida não o saiba, mas há gente por aí que acha justo, humano, fraterno, correto, pagar imposto – seja sob qual forma for – para financiar a aposentadoria de pobres e miseráveis.
“Tem várias pessoas que nunca contribuíram com um centavo para previdência e estão aposentados. Aí você vai dizer “Ah Adolfo, isso é assistência social”… Não, não interessa pô… Então, pô, vamos deixar claro, tem déficit porque na verdade tá dando previdência para quem nunca pagou previdência”.
O déficit, portanto, é culpa dos pobres e miseráveis, com empregos intermitentes, sem condição de poupar ou pagar previdência com regularidade. Pois qual a solução? Tenho medo de imaginar. Sachsida é bastante claro em suas posições. No vídeo, diz:
“Ou a reforma é pra todo mundo, ou não é pra ninguém. Que história é essa de deixar algumas pessoas de fora da reforma? […] Ah o militar não entra na conta… ah “peraí”… Se nós vamos fazer um grande ajuste, tem que ser pra todo mundo, não só para grupos… militar tem que estar na conta? Tem! Militar tem que estar na reforma… Tem que ser pra todo mundo, civil e militar”.
Que será que pensa Sachsida agora sobre os militares? Irá peitar o presidente? Sobre a questão das mulheres, mais uma vez temos uma posição firme:
“Aí você fala ‘Adolfo você acha certo homem e mulher aposentador com a mesma idade?” Claro que acho! Pelo amor de Deus. A mulher vive mais, em termos atuariais a mulher tinha que pagar mais ainda que o homem. “Ah, mas a mulher de mulher tem jornada dupla…”. Bicho, problemas no mercado de trabalho se resolvem no mercado de trabalho. Nós estamos falando de previdência… Então não faz sentido a mulher se aposentar mais cedo”.
As donas Marias, portanto, ganhadoras de um salário mínimo, se preparem para pagar R$ 7 mil anuais de imposto, só receber aposentadoria se tiverem tempo de contribuição, se aposentarem na mesma idade do que os homens (que se dane a labuta de criar filhos e cuidar da casa, sempre mais pesada para elas) e pagando por mais tempo, por ser justo “atuarialmente”. Essa é a política econômica desejada pelos bolso-olavistas.
Será que tantas donas Marias teriam votado no capitão se conhecessem essas propostas?
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