De Christchurch, na Nova Zelândia, a Xinjiang, na China, existe uma guerra contra os muçulmanos. Muitos de nós passamos anos escrevendo a respeito e condenando isso. Mas vamos ser claros: do Oriente Médio a partes da Ásia e da África, há também uma guerra contra os cristãos.
No domingo, quando a minoritária comunidade cristã do Sri Lanka celebrava a Páscoa, seis atentados suicidas atingiram igrejas e hotéis por todo o país, matando pelo menos 290 pessoas e ferindo mais de 500 outras – o Estado Islâmico reivindicou a autoria do atentado.
Chamar esses atos de violência de cruéis e bárbaros seria um eufemismo. No entanto, eles não foram os primeiros ataques a cristãos relacionados com a Páscoa. No Egito, no Domingo de Ramos de 2017, atentados suicidas do Estado Islâmico mataram 45 pessoas em duas igrejas. No Paquistão, em 2016, um terrorista ligado ao talibã paquistanês explodiu a si mesmo em meio a cristãos celebrando a Páscoa em um parque público, matando 75 pessoas. Na Nigéria, no domingo de Páscoa de 2012, um suicida tido como membro do Boko Haram matou 38 pessoas em um ataque contra cristãos do lado de fora de uma igreja.
Sou muçulmano e me considero de esquerda, mas fico constrangido em admitir que, tanto no círculo muçulmano quanto no da esquerda, a questão da perseguição aos cristãos vem sendo minimizada e até mesmo ignorada por tempo demais.
Para muçulmanos, especialmente aqueles de nós que vivem no Ocidente, simplesmente não é uma questão sobre a qual falamos confortavelmente. Talvez compreensivelmente, não queiramos dar mais um motivo para os islamofóbicos nos atingirem. E a verdade é que muitos dos que levantaram essa questão particular da perseguição dos muçulmanos contra os cristãos na sequência dos ataques mais recentes – como o senador republicano Ted Cruz ou o ex-ministro das relações exteriores britânico, o conservador Boris Johnson – têm um histórico bem documentado de intolerância contra muçulmanos. Na segunda-feira, o Washington Post observou como os ataques no Sri Lanka estão provocando a “raiva da extrema direita no Ocidente”.
Enquanto isso, os progressistas se esforçam para ver o cristianismo, a maior religião do mundo, como frágil ou vulnerável, enquanto proeminentes líderes cristãos no ocidente vêm sendo associados com grandes crimes – como George W. Bush e Tony Blair e a invasão do Iraque. “Eu me pergunto se em algum nível inconsciente o Ocidente secular e amplamente progressista acha que o cristianismo estava pedindo por isso”, escreveu Giles Fraser, o sacerdote e comentarista social britânico, na sequência dos atentados do Sri Lanka no domingo. “Eles associam o cristianismo com papas e seus exércitos, com cruzadas e inquisições, com antissemitismo, imperialismo britânico, apoiadores de Trump e manifestantes de aborto.”
Fraser, no entanto, admitiu que os cristãos ocidentais “não ajudaram” a sua causa ao “descrever como ‘perseguição’ os desentendimentos menores que o cristianismo teve com a lei – em relação a bolos para casais gays ou pregadores de rua, por exemplo”. Nos Estados Unidos, uma pesquisa de 2016 do Public Religion Research Institute descobriu que os evangélicos brancos “são mais propensos a dizer que os cristãos enfrentam muita discriminação do que dizer que os muçulmanos enfrentam muita discriminação” — o que é claramente absurdo.
A situação fora dos EUA, no entanto, é outra questão. De acordo com um estudo recente da Pew, os cristãos de fato constituem a comunidade de fé mais perseguida do mundo. Eles são perseguidos e alvos de ataques em 144 países, contra 142 de muçulmanos e 87 de judeus.
A organização cristã sem fins lucrativos Open Doors publica anualmente uma lista de observação mundial dos 50 principais países onde os cristãos experimentam “altos níveis de perseguição”. Aqui está o que mais me incomoda: embora a Coreia do Norte comunista seja de longe o pior lugar do mundo para se viver como cristão, e embora os ataques anticristãos estejam crescendo rapidamente na Índia de maioria hindu, sete dos 10 países do mundo onde os cristãos enfrentam “extrema perseguição” são os países de maioria muçulmana. Na verdade, de acordo com a Open Doors, “o extremismo islâmico continua sendo o condutor global e dominante da perseguição, responsável por iniciar a opressão e o conflito em 35 dos 50 países da lista”.
Por um lado, é uma difamação sugerir que 1,8 bilhão de muçulmanos são culpados pelo fanatismo assassino de um punhado de grupos jihadistas. Vale notar que membros da comunidade muçulmana minoritária do Sri Lanka dizem que alertaram as forças armadas do Sri Lanka sobre a National Thowheed Jamath há três anos.
Por outro lado, a ameaça imposta aos cristãos vai muito além dos grupos terroristas ou militantes. Em muitos países de maioria muçulmana, tanto os governos quanto os estabelecimentos religiosos têm muito a responder. No Irã, o famoso pastor cristão Youcef Nadarkhani e três membros de sua congregação foram condenados a 10 anos de prisão, em junho de 2018, por “agir contra a segurança nacional”. Em dezembro de 2018, as autoridades prenderam mais de cem cristãos iranianos no período de uma única semana pelo crime de “proselitismo”.
Na Arábia Saudita, igrejas são proibidas, e os cristãos não podem praticar sua fé em público. Em uma entrevista de 2016 para o New York Times, o grão-mufti do país, Abdulaziz al-Sheikh, declarou que o cristianismo “não é uma religião”.
Na Indonésia, o maior país de maioria muçulmana do mundo, onde um em cada 10 integrantes da população é cristão, “centenas de igrejas foram obrigadas a fechar”, relatou o New York Times no domingo, e “o proselitismo está proibido”. Em janeiro, Basuki Tjahaja Purnama, o ex-governador cristão de Jacarta, foi libertado após cumprir 20 meses de prisão por acusações forjadas de blasfêmia contra o Islã.
No Paquistão, as famosas leis de blasfêmia do país são usadas para atingir desproporcionalmente cristãos, que constituem menos de 2% da população. Pense em Asia Bibi, uma cristã paquistanesa que foi sentenciada à morte por blasfêmia e passou quase uma década atrás das grades antes de ser absolvida em 2018. Ou Rimsha Masih, a menina cristã paquistanesa de 11 anos com síndrome de Down que também foi acusada de blasfêmia e, apesar de absolvida, foi obrigada a fugir do país. “Não em meu nome”, escrevi na época, referindo-me à perseguição dos cristãos do Paquistão pela maioria muçulmana.
A trágica ironia é que os maus-tratos aos cristãos vão contra tanto os ditames do Alcorão quanto o exemplo de vida do profeta Maomé. Portanto, não apenas não-islâmicos, mas também anti-islâmicos. O Alcorão reverencia Jesus como um grande profeta e louva os cristãos como estando entre os “Povos do Livro” que “terão sua recompensa perto de seu Senhor. E eles não terão medo, nem se afligirão”.
O Profeta Maomé ofereceu aos cristãos proteção contra a perseguição tanto em sua “constituição de Medina” quanto em sua “aliança” com os monges do Monte Sinai. Mais recentemente, a Declaração de Marrakesh, assinada por mais de 250 líderes religiosos, estudiosos e chefes de estado muçulmanos em 2016, declara que é “inconcebível empregar a religião com o propósito de agredir os direitos” de cristãos, judeus e outras comunidades minoritárias em nações de maioria muçulmana.
Mas é um pouco tarde demais? Nas últimas décadas, milhões de cristãos foram expulsos do Oriente Médio – o berço de sua fé. Isso é ao mesmo tempo uma tragédia e um escândalo. Assim como o fato de que, de acordo com a Open Doors, um número “desconcertante” de 11 cristãos é morto todos os dias ao redor do mundo, por conta de sua fé.
Esta não deve ser uma questão de direita x esquerda ou muçulmano x não-muçulmano. Muitos de nós, independentemente da fé ou da política, têm sido justos na denúncia da discriminação e da intolerância contra as comunidades muçulmanas minoritárias em Mianmar e Xinjiang, contra a minoria yazidi no Iraque; contra as comunidades judaicas minoritárias na Europa Oriental e até mesmo nos Estados Unidos. Fora do Ocidente, porém, as comunidades cristãs também estão sob ataque violento e implacável: da Coreia do Norte à China, do Sri Lanka à Índia, do Iraque à Síria. Vamos começar a lhes dar o apoio e a solidariedade que tentamos e dar a todas as outras minorias marginalizadas e perseguidas.
Tradução: Cássia Zanon
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