João Filho

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No bolsonarismo, toda a defesa da democracia é encarada como proteção dos corruptos

É a mesma lógica estúpida introduzida no debate público pós-Lava Jato: se você critica a operação, logo está ao lado dos corruptos.

No bolsonarismo, toda a defesa da democracia é encarada como proteção dos corruptos

No bolsonarismo, toda a defesa da democracia é encarada como proteção dos corruptos

Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil

O brasileiro está ficando de saco cheio do governo Bolsonaro. Em pouco mais de 3 meses, dobrou o número de pessoas insatisfeitas com o presidente, revelou a última pesquisa Ibope. A aprovação do modo de Bolsonaro governar caiu 16 pontos percentuais e chegou a 51%. A confiança no presidente caiu 11 pontos, enquanto a desconfiança subiu 15. É o mais mal avaliado início de governo entre todos os presidentes eleitos após a redemocratização.

A crescente insatisfação popular não parece abalar o governo. O presidente governa exclusivamente para a sua base mais fiel, os chamados bolsominions, e não há indícios de que isso vai mudar.

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Essa fanática base de apoio continuará sendo alimentada pelas pautas moralistas, pelo embate permanente contra a imprensa e contra o espantalho comunista. Praticamente todas as ações do governo buscam fidelizar essa parcela da população que, apesar de pequena, segue coesa, barulhenta e mobilizada. O resto da população que se dane.

O desprezo pelas instituições não incomoda os bolsominions, muito pelo contrário. Os arroubos antidemocráticos são encarados como necessários para a destruição da chamada velha política que, na prática, é a destruição da democracia como a conhecemos. Toda defesa da ordem constitucional, portanto, será encarada como a defesa dos privilégios, da corrupção, do establishment. É a mesma lógica estúpida que se consolidou no debate público pós-Lava Jato: se você critica a operação, logo está ao lado dos corruptos.

Essa é a principal estratégia do manual de Steve Bannon, o guru ideológico do xucrismo internacional, que ensina a governar ignorando as mediações democráticas e dialogando apenas com sua base de apoio pela internet.

Enquanto o noticiário vai sendo tomado pelo aumento do desemprego e da inflação, o governo pisa fundo no acelerador da agenda moralista. Nessa semana, o presidente, homofóbico confesso, disse que “o Brasil não pode ser o país do turismo gay” porque “temos famílias”, ignorando que Israel, nação que tem como referência moral, é um país aberto ao turismo gay. Tel Aviv foi eleita em 2011 a “melhor cidade para gays” do mundo.

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Steve Bannon (de fone de ouvido) reunido com comitiva presidencial brasileira em jantar oferecido para Bolsonaro na embaixada em Washington (EUA).

Foto: Alan Santos/PR

O bedel geral da nação também ligou para o presidente do Banco Brasil exigindo a demissão do diretor de marketing da estatal. É que Bolsonaro não gostou de uma propaganda que exibia excesso de “diversidade”. Não há absolutamente nada na peça que possa incomodar os bons costumes da tradicional família brasileira, a não ser que mulheres e negros felizes afetem a moral do presidente por algum motivo.

Além das pautas moralistas, Bolsonaro também se dedica às irrelevâncias enquanto o país derrete em todos os setores importantes. As lombadas eletrônicas, o fim do horário de verão, as bananas do Equador, a revogação do Acordo Ortográfico e a higiene sexual masculina são algumas das pautas caras ao presidente da República. É como se ele fosse um apresentador do Balanço Geral querendo agradar e entreter sua audiência fiel. Treze milhões de desempregados, e o cara preocupado com miudezas. Nos faz lembrar do ex-presidente Jânio Quadros, que também governou em cima de pautas moralistas e abusou em patrocinar irrelevâncias incompatíveis com a grandeza do cargo. Proibiu o uso de biquínis nas praias e na TV, vetou as corridas de cavalo durante a semana e transformou o combate à rinha de galos em uma prioridade do governo.

Até a reforma da previdência — pedra fundamental que garantiu e ainda garante o apoio das elites  — não parece ser uma prioridade de Bolsonaro, apesar do discurso oficial. Basta ver o desdém com que ele já tratou o presidente da Câmara, os parlamentares e a articulação política para a aprovação da reforma. No pronunciamento que fez nessa semana, Bolsonaro agradeceu os parlamentares pela aprovação da constitucionalidade da reforma na CCJ, mas o que ficou claro nas entrelinhas é que a aprovação da reforma é uma tarefa exclusiva do Legislativo:

“Agradeço o empenho da maioria dos parlamentares da comissão e o comprometimento do presidente Rodrigo Maia (…) O governo continua a contar com o espírito patriótico dos parlamentares para a aprovação da Nova Previdência. (…) Sem essas mudanças, o governo não terá condições de investir nas áreas mais importantes como saúde, educação e segurança”.

Traduzindo: essa bucha é do parlamento. Se não resolverem, a culpa pelo fracasso do governo será das forças da velha política que não quiseram acabar com os privilégios.

Essa tem sido e continuará sendo a justificativa para todos os fracassos de bolsonarismo. E vai continuar funcionando entre os bolsominions, que o veem como um messias lutando contra as raposas da velha política.

A comparação com Jânio Quadros cabe aqui novamente. O ex-presidente se deu mal ao se colocar como vítima das “forças ocultas” e apostar que sua base de apoio o sustentaria incondicionalmente. Caiu após sete meses de governo e ninguém saiu às ruas para defendê-lo. Se Bolsonaro terá o mesmo destino de Jânio é difícil prever.

Já o vice-presidente tem cumprido a sua função institucional, o que parece ser um crime hediondo para os bolsonaristas. Mourão se reúne com sindicalistas e políticos da oposição, mantém postura diplomática com todos os países do mundo, busca o bom relacionamento com a imprensa e recusa o papel de marionete intelectual de Steve Bannon ou do tiozão caçador de urso da Virgínia. É por isso que o vice-presidente incomoda tanto. Além de se oferecer como uma opção palatável para as elites, Mourão virou um problema para a macro-estratégia bolsonarista. Bannon já disse que “Mourão se tornou uma voz dissonante e isso é perigoso”, enquanto Olavo o considera um “estúpido” com “mentalidade golpista”. Não foi à toa que o presidente colocou seu filhote pitbull para morder o vice nas redes e instigar suas milícias digitais a iniciarem uma campanha contra ele.

Em resumo, o que temos é um governo democrático de fachada. Há um projeto de degradação da democracia, capitaneado por uma extrema-direita que fideliza o apoio de uma parcela da população com sua cruzada moralista, ignorando o resto dos brasileiros e atropelando quem for preciso para conquistar seus objetivos. É o totalitarismo na sua mais pura essência.

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