Enquanto grande parte do mundo se esforça para acabar com a contaminação do composto industrial tóxico PFOS, o Brasil ainda está ajudando a aumentar a bagunça ambiental com sua produção em larga escala, uso e exportação de sulfluramida, um pesticida que, ao se degradar, forma PFOS.
Ligado ao baixo peso de recém-nascidos, ao enfraquecimento da imunidade, a efeitos hepáticos, ao colesterol elevado, à disfunção da tiróide, aos cânceres e a outros problemas de saúde, o PFOS não é mais fabricado ou utilizado na maioria dos países. O produto químico, que foi eliminado nos EUA em 2015, foi originalmente desenvolvido pela 3M e foi um componente crítico da Scotchgard (marca de produtos impermeabilizantes) e de espumas de combate a incêndios. Nos 182 países que fazem parte da Convenção de Estocolmo, um tratado internacional (não assinado pelos EUA) que rege poluentes persistentes, o uso de PFOS foi duramente restringido desde 2009.
Mas a Convenção de Estocolmo abriu várias brechas para o PFOS, incluindo uma para seu uso com o objetivo de matar formigas cortadeiras. A sulfluramida é feita de PFOS e, ao se quebrar, divide-se no próprio PFOS e em outros produtos químicos dentro de poucas semanas. O Brasil, único país sob a tutela do tratado que tem permissão para produzir o pesticida, conseguiu exportá-lo sem notificar a convenção porque o acordo restringe o PFOS, mas não faz menção à sulfluramida, que hoje é amplamente usada em países como Uruguai, Brasil, Argentina, Paraguai, Colômbia e Venezuela, entre outros países.
Nesta semana, delegados da Convenção de Estocolmo estão reunidos em Genebra para discutir a possibilidade de fechar as brechas na proibição dos PFOS. Ambientalistas estão fazendo pressão para a sulfluramida ser mencionada no tratado, o que exigiria que o Brasil informasse suas vendas para fora do país, além de colocar um limite de cinco anos para acabar com a brecha que permite o uso contra formigas cortadeiras.
É esperado que os fabricantes de pesticidas do Brasil se oponham à decisão. A Abraisca (Associação Brasileira das Empresas Fabricantes de Iscas Inseticidas), associação comercial que representa os principais fabricantes do agrotóxico no Brasil, insiste que a sulfluramida é necessária “para garantir a segurança das pessoas e do meio ambiente”. Enquanto grupos ambientalistas apontam que há maneiras de matar formigas cortadeiras que não envolvem a criação de resíduos tóxicos persistentes, o grupo industrial insiste que não existem alternativas eficazes para a sulfluramida. A Abraisca não respondeu aos vários pedidos de comentários sobre a questão.
“A sulfluramida é o segredinho sujo do Brasil.”
Nos últimos anos, como o uso de PFOS foi eliminado na maior parte do mundo, a indústria brasileira de sulfluramida cresceu. Em 2008, o país produziu cerca de 30 toneladas do pesticida. Em 2015, ano das estimativas mais recentes, a produção havia crescido para 40 a 60 toneladas.
Embora o Tratado de Estocolmo permitisse a utilização do produto químico apenas para controlar duas espécies de formigas cortadeiras, os produtos que contêm sulfluramida, como o Mirex-S, Atta MEX-S e Dinagro-S estão agora amplamente disponíveis em lojas e online para combater todos os tipos de insetos no Brasil, de acordo com Zuleica Nycz, coordenadora de segurança química e saúde ambiental do grupo brasileiro Toxisphera.
Ainda há, contudo, pouca conscientização sobre os perigos deste composto estritamente restringido. De acordo com Joe DiGangi, conselheiro sênior do grupo ambientalista internacional IPEN, muitos consumidores podem estar borrifando o produto químico sem se darem conta de seus perigos. O produto pode, depois, ser absorvido do solo pelos vegetais.
“A sulfluramida é o segredinho sujo do Brasil”, disse DiGangi, que estará presente na reunião em Genebra.
Como o uso da sulfluramida cresceu, não é surpresa que tenha havido uma explosão de contaminação por PFOS no país. Entre 2004 e 2015, a produção de sulfluramida resultou em até 487 toneladas de PFOS sendo liberadas no meio ambiente – uma porção considerável da contaminação global do produto químico. Enquanto isso, o PFOS, que permanece indefinidamente no meio ambiente, tem aparecido cada vez mais no solo, plantas, águas costeiras e rios no Brasil.
A DuPont costumava produzir a sulfluramida nos EUA, onde era vendida em produtos comercializados para matar formigas, baratas e cupins. O estado de Nova York baniu a sulfluramida na década de 1990. E, em 2001, quando o estado cobrava a maior sanção da sua história contra uma empresa que estava distribuindo um pesticida contendo a sulfluramida, o procurador-geral de Nova York observou que “se uma criança ingerisse a isca [para os insetos], poderia sofrer danos reprodutivos irreversíveis, e meninos poderiam se tornar inférteis.” Em 2008, a DuPont cancelou voluntariamente seu registro do produto químico.
O uso contínuo da sulfluramida no Brasil, apesar do amplo conhecimento de seus perigos, mostra o quão difícil é controlar toda a família de produtos químicos tóxicos aos quais o PFOS pertence. Esses produtos, conhecidos como PFAS, agora poluem a água em todo o mundo. Embora os delegados da Convenção de Estocolmo estejam debatendo como fechar as brechas em torno dos PFOS e se devem ou não promulgar uma proibição global do PFOA (um produto químico muito similar), mais de 1.000 outros PFAS estão agora em uso ativo.
Tradução: Maíra Santos
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