A causa dos direitos dos animais e os abusos da agropecuária industrial foram catapultados em velocidade impressionante dos círculos de ativismo periféricos para o centro de uma vasta gama de debates éticos, ambientais, políticos, morais e políticas não ideológicas. Como na maior parte das mudanças sociais, isso aconteceu em grande parte graças ao aumento da conscientização e à maior disponibilidade de informação, o que incitou uma mudança no pensamento sobre como nossas ações, políticas e crenças deveriam ser mais bem compreendidas.
Durante muitos anos, as terríveis realidades da agropecuária industrial nos EUA foram mantidas, por definição, quase completamente escondidas da opinião pública. A indústria fez uso do seu controle sobre as duas agências regulatórias federais e sobre os legislativos estaduais, obtido por meio de lobby, para implementar uma série de leis que criminalizaram métodos para a exposição dos abusos e impuseram punições excessivamente duras aos ativistas que atuavam para denunciá-los – a ponto de classificar o ativismo contra a indústria como uma forma de terrorismo, o que incluiu sentenças condenatórias draconianas e condições rígidas de encarceramento.
O sigilo, porém, está vindo abaixo. O judiciário vem considerando inconstitucionais as leis anti-denúncia (as chamadas leis “ag-gag”), que criminalizavam o uso de infiltrados para investigar as fazendas industriais, por violarem os direitos à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Os métodos cada vez mais criativos dos ativistas, como a filmagem em realidade virtual, bem como o surgimento de diversos delatores por razões de consciência dentro da indústria, levaram a uma ampla exposição pública das atrocidades e crueldades que o setor vem, há décadas, tentando ocultar da opinião pública, com bastante sucesso.
Tudo isso se tornou insustentável quando o público foi forçado a contemplar a indescritível tortura e o sofrimento, a cada ano, de bilhões de animais altamente complexos e socialmente inteligentes, juntamente com o extenso dano que as práticas industriais causam ao meio ambiente, às comunidades de todo o mundo e à saúde pública. O papel cada vez mais importante desempenhado pelos animais, em especial os cães, nas vidas dos seres humanos, que atualmente vivem e trabalham numa sociedade globalizada incapaz de atender às suas necessidades psicológicas básicas, alterou por si só a forma como milhões de pessoas enxergam a capacidade de sofrimento desses animais.
Todas essas mudanças significam que não é mais necessário ter uma ideologia política específica para considerar a causa dos direitos dos animais e os abusos da agroindústria questões de grande importância ética, política e de políticas públicas. Está claro que chegou a hora de a humanidade lidar com o tratamento que dá aos animais, e com o dano em que o uso desses animais na alimentação em escala global está causando ao planeta, em vários níveis.
Desde a primeira reportagem sobre a agroindústria publicada pelo The Intercept, em outubro de 2017, expusemos os maus-tratos sofridos pelos porcos nas Smithfield Farms, o abuso do aparato repressivo pelo governo dos EUA para proteger a indústria contra a transparência, e o abuso do processo legislativo para silenciar as denúncias – logo percebemos que o interesse nesse tipo de denúncia e na discussão dos limites do setor era muito maior do que imaginávamos. Em Washington, existem, atualmente, diversos projetos de lei em tramitação para coibir os piores abusos da indústria, com apoio de ambos os partidos, que começam a ser aprovados.
Ampliou-se a constatação de que essas práticas vão muito além da simples noção de que precisarmos tratar os animais de forma mais humana. Elas atingem questões profundas sobre proteção ambiental, justiça racial e econômica, tratamento dos trabalhadores e ameaças à saúde pública, discussões que não podem mais ser evitadas.
Para explorar todas essas questões vitais, e para tentar discuti-las sem o jargão e os dogmas que muitas vezes limitam o alcance das notícias do setor, o Intercept firmou uma parceria com a Sentient Media, uma nova empresa de comunicação dedicada ao tema dos direitos dos animais, para produzir uma série de vídeos em oito episódios intitulada “Questões Animais”. Os episódios, filmados no abrigo para cães abandonados que eu e meu marido criamos no Brasil, trazem debates entre mim e Grant Lingel, que trabalha no mundo corporativo, mas se dedica cada vez mais à causa da luta contra os abusos da indústria.
Cada episódio terá entre 10 e 20 minutos de duração, abordará um tópico ou uma discussão central dessas questões, e será disponibilizado a cada duas semanas em diversos meios online, inclusive no Intercept. Nosso primeiro episódio, que apresentamos aqui, foi pensado para discutir o objetivo da série, o que nos levou a essa causa, e o que pretendemos atingir com “Questões Animais”.
Tradução: Deborah Leão
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