Há algo de muito errado com a economia brasileira.
De 2014 a 2019, o ritmo médio de nosso crescimento econômico foi de tristes 0,6% ao ano, supondo que a economia cresça 1,7% este ano numa projeção otimista. Como a população brasileira aumenta a uma taxa superior a essa, a renda per capita do país tem encolhido desde então.
Em termos objetivos: o brasileiro médio de 2013 era mais rico do que o brasileiro médio de 2019. Já são seis anos que o país empobrece. A possibilidade de que tenhamos uma nova “década perdida” em termos de crescimento econômico é cada vez mais real.
Não é só a crise que é severa. A retomada após a queda do PIB em 2015 e 2016 tem sido a mais lenta da história. Mas o que está acontecendo com a economia brasileira? Quais são os motivos desse atoleiro?
Vejamos. Os economistas representam a economia, o PIB, a partir da seguinte equação:
Produção do país = (consumo das famílias) + (investimentos privados) + (gastos do governo) + (valor das exportações – valor das importações). Se a produção está andando de lado, como é o caso do Brasil hoje, uma boa saída seria aumentar o consumo das famílias. Essa é a variável mais importante no cálculo do PIB brasileiro, respondendo por 64% do total da demanda do país.
O problema é que as famílias não estão consumindo porque o desemprego cresceu. Além disso, estão endividadas. O gráfico abaixo mostra o comportamento do desemprego aberto na Região Metropolitana de São Paulo entre janeiro de 2011 e março de 2019. Nesse período, o índice saltou de 10,5% para 16,1%. Em termos práticos, isso significa um Vale do Anhangabaú lotado de gente desesperada por uma vaga qualquer.
O governo Temer prometeu que a reforma trabalhista iria resolver o problema. Uma (menos de) meia verdade.
Ainda que aceite que a reforma foi boa, que moderniza as relações de trabalho, que estimula o registro em carteira etc., o fato concreto é que o desemprego não cai de maneira significativa porque agora é “mais barato contratar e demitir”. O empresário só contrata um trabalhador se ele achar que a mercadoria (ou serviço) adicional a ser produzida será vendida com lucro no futuro. Se o empresário achar que a mercadoria não será vendida, não há reforma trabalhista que faça o emprego crescer.
Pode o governo liberar a escravidão que nem assim haveria “contratações” (note-se que isso é um expediente retórico do tipo reductio ad absurdum, favor não levar tal ideia para Guedes e Bolsonaro).
Além de desempregadas, as famílias brasileiras estão endividadas. Levantamento recente mostra que uma em cada cinco famílias está inadimplente, isto é, tem dívidas em atraso. Não há, pois, força que faça o consumo das famílias ser o motor da recuperação da economia brasileira no curto prazo. A liberação de dinheiro do FGTS ou medida similar é apenas um balde d’água no incêndio.
E os investimentos privados? Eles representam algo como 16% do PIB do Brasil. Seriam eles a nossa salvação? Em economia, “investimento” significa, grosso modo, construir uma nova fábrica ou ampliar uma existente, comprar mais máquinas, equipamentos, construir novos galpões etc. Ou seja, aumentar a capacidade de produção do país.
Essa é uma variável que, infelizmente, tampouco deve se recuperar em breve. Ao contrário do engodo vendido pelo governo, a reforma da previdência não é um fator determinante para os investimentos privados. Empresário não investe olhando para o diário oficial, mas olhando para o mercado consumidor.
Ele só constrói uma nova fábrica se ele achar que conseguirá vender com lucro as novas mercadorias que produzir. O gráfico abaixo mostra o nível de utilização da capacidade instalada nas indústrias brasileiras entre janeiro de 2011 e março de 2019.
Essa variável mede o patamar em que as indústrias estão operando no país. Se o índice for de 100%, isso significaria que todas as indústrias estão operando no seu limite, produzindo o máximo possível de mercadorias. Em março de 2011, o valor registrado era de 83,3%. Em março de 2019, esse valor caiu para 76,4%.
Ou seja, as fábricas estão operando muito abaixo de sua capacidade máxima. Ainda que as pessoas voltassem a consumir, o empresário não precisaria construir novas fábricas ou comprar novas máquinas, bastaria aumentar a utilização das fábricas e máquinas já existentes. Não há reforma trabalhista, tributária ou previdenciária que mude isso no curto prazo.
Outra (menos que) meia verdade vendida na praça nos últimos anos é que faltava “confiança” para os empresários. Voltando a “confiança”, voltariam os investimentos. “Confiança”, meus caros, não enche o bucho de ninguém. Ela é condição necessária, mas está longe de ser suficiente. O presidente do Brasil hoje poderia ser Jesus Cristo em carne e osso que nem o mais cristão dos empresários investiria por confiar no seu governante.
Talvez, então, os gastos do governo poderão nos salvar?
Nos anos 1930, diante de uma crise pior do que a nossa, o economista britânico John M. Keynes viu a luz: se o consumo e o investimento não conseguem reagir por conta própria, o Estado pode aumentar seus gastos.
Se o governo decide fazer uma estrada, ele irá empregar trabalhadores desocupados. Esses trabalhadores usarão seus salários para consumir arroz, feijão, roupas, sapatos, etc. O aumento do consumo fará com que os produtores de arroz, feijão, roupa, sapatos, contratem mais trabalhadores para produzir mais. Esses trabalhadores contratados pelo setor de arroz, feijão, roupas, sapatos usarão seus salários para consumir mais geladeira, televisão – e assim sucessivamente.
O papel do governo na análise de Keynes era, num momento de crise como a atual, tirar o país da inércia. Isso pode ser feito no Brasil de hoje? Muitos economistas dirão que não. Poucos dirão que sim. O problema é que o governo brasileiro está altamente endividado. O gráfico abaixo mostra a relação entre a dívida interna líquida do setor público na proporção do PIB, entre janeiro de 2011 e março de 2019.
Em janeiro de 2011, a dívida líquida do setor público equivalia a 42,95% do PIB. Hoje, em março de 2019, essa relação explodiu para 65,04%. Em 2018, o déficit primário do setor público (isto é, as receitas do governo menos os gastos, excluindo pagamento de juros e serviços da dívida pública) somou mais de R$ 120 bilhões. Para se ter uma ideia, o programa Bolsa Família consome R$ 30 bilhões.
Se o governo decidir se endividar mais, é provável que o “mercado” reaja mal, aumente suas expectativas de inflação, forçando o governo aumentar ainda mais os juros. Isso piora ainda mais a situação fiscal do estado, que precisa aumentar os gastos com pagamentos de juros e serviços da dívida pública.
No limite, o governo se veria obrigado a dar um calote na dívida pública – como fez em 1990 no Plano Collor – ou emitir moeda para pagar as contas, como fez nos anos 1980, gerando inflação de 2.000% no ano.
Talvez, então, o comércio exterior possa nos salvar. Mais uma vez, infelizmente, a perspectiva é desanimadora. Importantes parceiros comerciais do Brasil têm crescido menos, como a China, para quem vendemos commodities agrícolas e minerais, ou estão em crise profunda, vide caso da Argentina, para quem vendemos produtos industriais.
Enquanto os economistas tentam entender as razões da tragédia brasileira, a pobreza atinge 43 milhões de brasileiros. Talvez as coisas melhorem no longo prazo. Mas quantos não terão perdido as esperanças até lá?
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