Lava Jato usava chats para pedir dados fiscais sigilosos sem autorização judicial ao atual chefe do Coaf

‘Olhada informal’

Lava Jato usava chats para pedir dados fiscais sigilosos sem autorização judicial ao atual chefe do Coaf

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As mensagens secretas da Lava Jato

Parte 25

Série de reportagens que revelaram atitudes controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador renomado Deltan Dallagnol, em colaboração com o ex-juiz, Sergio Moro.


Além de incentivar secretamente investigações de ministros do Supremo Tribunal Federal, colaborar de forma proibida com então juiz Sergio Moro, usar partido político e grupos da sociedade civil como lobistas para emplacar suas pautas políticas, tramar o vazamento de uma delação para interferir na política de outro país e se encontrar secretamente com banqueiros em pleno ano eleitoral, os procuradores da operação Lava Jato também usaram o Telegram para obter informalmente dados sigilosos da Receita Federal – ou seja, sem nenhum controle da Justiça.

O coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e seus colegas em Curitiba recorreram em diversas ocasiões a um informante graduado dentro da Receita para levantar o sigilo fiscal de cidadãos sem que a Justiça tivesse autorizado a quebra. As investigações clandestinas são reveladas agora pelo Intercept em parceria com a Folha de S.Paulo, graças ao arquivo da Vaza Jato.

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Para obter os dados sigilosos, os procuradores recorreram ao auditor fiscal Roberto Leonel, que chefiava a área de inteligência da Receita em Curitiba, onde trabalhava. Leonel é hoje presidente do Coafe foi levado ao governo de Jair Bolsonaro por Sergio Moro.

A relação entre Leonel e a força-tarefa era tão próxima que eles pediram para o auditor informações sigilosas de contribuintes até mesmo para verificar hipóteses sem indícios mínimos. A Lava Jato, como o Intercept mostrou em parceria com o El País, já se movimentou contra seus inimigos declarados motivada apenas por boatos.

O presidente do COAF, Roberto Leonel, na Cerimônia de transmissão de cargo do novo ministro da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro, no Ministério da Justiça, em Brasília.

Roberto Leonel chefiava a área de inteligência da Receita em Curitiba, onde trabalhava. Ele hoje é presidente do Coaf e foi levado ao governo de Bolsonaro por Moro.

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A obsessão Lula: ‘tipo pescador de pesque e pague rsrsrs’

Três dos casos encontrados nos diálogos envolvem a maior obsessão dos procuradores em todos os anos de conversas pelo Telegram, o nome mais citado entre todos: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em agosto de 2015, diante das notícias de que um sobrinho de Lula fizera negócios em Angola com ajuda do político e da Odebrecht, a primeira coisa que ocorreu ao procurador Roberson Pozzobon foi chamar Leonel. “Quero pedir via Leonel para não dar muito na cara, tipo pescador de pesque e pague rsrsrs”, disse numa mensagem a Dallagnol no grupo Chat FT MPF Curitiba 2.

No ano seguinte, entre janeiro e março, a força-tarefa pediu a Leonel que levantasse informações sobre uma nora de Lula e sobre o caseiro do sítio de Atibaia, propriedade à época registrada em nome de Fernando Bittar e Jonas Leite, e que era frequentada pelo ex-presidente. O caso levou à sua segunda condenação.


18 de janeiro de 2016 – grupo 3Plex

Januário Paludo – 15:18:31 – estou pedindo para roberto leonel verificar se o aluguel é pago para a marlene araujo, cnpj SUPRIMIDO pelo restaurante SUPRIMIDO. Ja pedi todos os registros de imóveis do terminal 3 de guarulhos.
Paludo – 15:18:37 – CNPJ SUPRIMIDO Nome fantasia: SUPRIMIDO Razão Social: SUPRIMIDO LTDA 06/11/2013 end: Rod Helio Smidt, S/N, Terminal de Passageiros 3; 1º piso, Aeroporto de Guarulhos
Julio Noronha – 15:19:02 –


 

A investigação informal contra Lula e pessoas que o cercavam também incluiu o pedido, feito pelos procuradores, a informações sobre o patrimônio dos antigos donos do sítio, antes da propriedade ser comprada por Bittar e Leite. Na mesma época, os procuradores também solicitaram ao auditor informações sobre compras que a ex-primeira dama Marisa Letícia e os seguranças do casal teriam feito.

Em 15 de fevereiro daquele 2016, Dallagnol sugeriu aos colegas no grupo 3Plex que pesquisassem as declarações anuais de imposto de renda do caseiro Elcio Pereira Vieira, conhecido como Maradona. “Vcs checaram o IR de Maradona? Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público (comissionado)”, disse. “Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal”.

Uma semana depois, Moro autorizou a quebra do sigilo fiscal do caseiro. No processo que trata do sítio, no entanto, não há nenhuma informação do Fisco sobre ele, nem sinal de que a hipótese de Dallagnol tenha sido checada.


15 de fevereiro de 2016 – grupo 3Plex

Deltan Dallagnol – 15:53:20 – Vcs checaram o IR de Maradona? Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público
Dallagnol – 15:53:24 – (comissionado)
Julio Noronha – 15:55:00 – Não olhamos… Vou colocar na lista de pendências
Dallagnol – 15:56:32 – Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal
Noronha – 15:56:39 – Ok!


 

Em 6 de setembro de 2016, o procurador Athayde Ribeiro Costa informou aos colegas no grupo 3Plex que pediu a Leonel para averiguar se os seguranças de Lula tinham adquirido uma geladeira e um fogão, dois anos antes, para equipar o triplex que a empreiteira OAS diz ter reformado para o petista no Guarujá. Costa enviou ao auditor sem autorização judicial, os nomes de oito seguranças que trabalhavam para o ex-presidente, além do nome de duas lojas. Não há confirmação, nos chats, se Leonel verificou as informações, mas no processo do triplex, que levou Lula à prisão, a OAS é indicada como responsável pela compra dos eletrodomésticos, e não os seguranças.


6 de setembro de 2016 – Grupo 3Plex

Athayde Ribeiro Costa – 20:18:43 – Pessoal, fiz esse pedido ao LEONEL em relacao ao fogao e geladeira
Costa – 20:18:53 – Leonel, boa noite. Se possível, tentar ver dps se os seguranças do LULA adquiriram geladeira e fogao da marca BRASTEMP no ano de 2014 que foram parar no apartamento. Os fornecedores devem ter sido a SUPRIMIDO ou SUPRIMIDO. Será que conseguimos ver isso?
Costa – 20:18:53 – O nome deles
Costa – 20:18:53 – SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO e SUPRIMIDO.
Jerusa Viecilli – 21:37:12 –


 

As mensagens não permitem saber se Leonel atendeu a todos os pedidos clandestinos dos procuradores, mas há ao menos um caso em que fica claro que o auditor repassou informações sobre pessoas que sequer eram investigadas em Curitiba.

‘Por favor delete este assunto por enquanto’

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A corridinha de Loures, flagrado pela PF na noite de 24 de abril de 2017 carregando uma mala com 500 mil reais em dinheiro vivo.

GIF: Reprodução/YouTube

Em maio de 2017, Leonel informou a Dallagnol, em um chat privado, que fizera uma representaçãocontra os pais do ex-deputado do PMDB Rodrigo Rocha Loures, e que preparava outra contra sua ex-mulher, que acabara de declarar uma conta milionária na Suíça.

O deputado da mala, aliado do então presidente Michel Temer, tinha sido afastado de seu mandato pelo STF poucos dias antes daquela conversa. Ele foi filmado pela Polícia Federal recebendo R$ 500 mil de um executivo da J&F. Na época, a Procuradoria-Geral da República acusou Temer de ser o destinatário final do dinheiro. A denúncia contra Temer foi suspensa pela Câmara dos Deputados.


24 de maio de 2017 – Chat privado

Roberto Leonel – 16:28:27 – Deltan Posso te falar daquele outro assunto de ontem Gersonme deu mais bronca
Leonel – 16:29:26 – Fiz hj representação para srrf08 contra os pais do Rodrigo copiando Gerson normalmente Ele quis saber pq fiz etc e se tinha passado está inf a vcs
Leonel – 16:30:11 – Disse q NUNCA passei pois não tem origem ilícita suspeita !!! Por favor delete este assunto por enquanto
Deltan Dallagnol – 16:30:20 – Vc fez bem Por que ele quer saber se passou pra nós?
Dallagnol – 16:30:31 – claro
Leonel – 16:34:38 – Pior
Leonel – 16:36:43 – Confidencial A ex cônjuge do dep fed Rodrigo entregou dirpf retificadora incluindo conta no banco pictet suica Não menciona na dirpf se fez ou não dercat. Mas aproveitou o embalo e inseriu saldo de 1 milhão em cc na suica aem lastro
Dallagnol – 16:39:21 – ta brincando!!
Leonel – 16:39:48 – Agora estou fazendo outra representação
Leonel – 16:40:06 – Banco pictet Conhecido de vcs?
Leonel – 16:40:37 – Esta Inv está na pgr ou descerá para vcs?
Leonel – 16:40:54 – Acho q ficará lá mas sei lá como vou fazer
Dallagnol – 16:44:14 – Com a PGR. Estou sugerindo eles fazerem checagens
Dallagnol – 16:44:28 – Quem está com isso é a colega clara, do gt-pgr da lava jato
Dallagnol – 16:44:34 – se quiser te coloco em contato com ela


 

Loures não era investigado em Curitiba. Mesmo assim, Leonel procurou Dallagnol após ser questionado por seu superior sobre a representação. “Ele quis saber pq fiz etc e se tinha passado está inf a vcs”, disse Leonel, no dia 24 de maio. “Disse q NUNCA passei pois não tem origem ilícita suspeita !!! Por favor delete este assunto por enquanto”.

Dallagnol quis saber de Leonel por que o chefe do auditor suspeitava que ele poderia ter repassado informações sobre os pais de Loures à força-tarefa. O auditor deixou a pergunta sem resposta, mas contou que iria protocolar nova representação. “Confidencial”, escreveu. “A ex cônjuge do dep fed Rodrigo entregou dirpfretificadora incluindo conta no banco pictet suica Não menciona na dirpf se fez ou não dercat. Mas aproveitou o embalo e inseriu saldo de 1 milhão em ccna suica aem lastro”.

Segundo Leonel, a ex-mulher de Loures retificara sua declaração anual de Imposto de Renda para informar uma conta na Suíça com saldo de 1 milhão de doláres – no que parecia um movimento para aderir ao programa, lançado no ano anterior, para regularização de dinheiro mantido no exterior.

O auditor perguntou a Dallagnol se ele tinha informações sobre o banco suíço Pictet. Já Leonel quis saber do procurador onde as investigações sobre Loures seriam conduzidas. Dallagnol respondeu que o caso estava com Brasília e prometeu pôr Leonel em contato com uma colega.

Sem deixar rastros

Lava Jato usava chats para pedir dados fiscais sigilosos sem autorização judicial ao atual chefe do Coaf

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Algumas semanas depois, o chefe da força-tarefa discutiu no Telegram com o auditor a possibilidade de ter acesso amplo à lista de contribuintes que haviam aderido ao programa de regularização de ativos, o mesmo que Leonel suspeitava ter sido usado pela ex-mulher de Rocha Loures. Essa lista é mantida sob sigilo pela Receita Federal.

O Ministério Público Federal e os auditores fiscais criticaram o programa publicamente na época. Eles temiam que criminosos o usassem para legalizar dinheiro de origem ilícita. O programa não exigia, de fato, a comprovação da origem do dinheiro. A Receita pode analisar esses dados e comunicar indícios de crime a outros órgãos, o que tem ocorrido, mas normas internas do Fisco – para dar segurança a todos os contribuintes do país – restringem o acesso às informações.

Dallagnol chegou a tratar do assunto em junho de 2017 com o então secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e também com Gerson Schaan, o chefe de Leonel, numa reunião da qual participaram outros integrantes da força-tarefa. Dallagnol relatou o encontro ao auditor amigo, que não estava presente. “Bati de frente com ele, inclusive dizendo na frente de todos que ele tinha que ser o primeiro a defender as mudanças do sistema para que deixe de ser um canal de lavagem.”


1 de junho de 2017 – Chat privado

Roberto Leonel – 08:01:37 – Caro Deltan Bom dia Como foi a reunião com o rachidMesmo q curiosidade mate, mas não resisti em te perguntar
Deltan Dallagnol – 12:39:24 – Foi boa, mas Gerson se colocou uma postura de defender a opacidade do programa com argumentos furados (“não existe sistema informatizado para extrair” e “se gafi aprovou é porque é bom contra lavagem de dinheiro”). Bati de frente com ele, inclusive dizendo na frente de todos que ele tinha que ser o primeiro a defender as mudanças do sistema para que deixe de ser um canal de lavagem. Fomos sensíveis à questão de o prazo estar aberto até julho e colocamos 3 demandas: cruzamento dos CPFs do programa com os da LJ; compartilhamento com o COAF; após julho, pedir comprovação da origem. Ficaram de “estudar”. Na pratica, creio que vão se mexer só quando se tornar público nosso procedimento que será instaurado a partir daquele da corregedoria do MF.
Leonel – 13:49:07 – Q vergonha Desculpe Uma questão é plano de arrecadação trib pela regularização Outra é controle cruzamentos e sigilo absoluto dos dados
Leonel – 13:50:41 – Acho q não vão fazer Ou se fizerem pouco abrirão ou pouco controlarão Vai ser briga entre Coger MF e gab de novo Vamos ver quem ganha
Leonel – 14:12:52 – Só não peço para sair da chefia do EspeiPor que acho q ajudo muito mais brigando e enchendo o saco deste povo
Dallagnol – 16:00:52 – Nem pense nisso!
Dallagnol – 16:00:59 – Vc é essencial


 

Dallagnol pediu à Receita o cruzamento dos dados dos contribuintes que aderiram ao programa com os de investigados pela Lava Jato, o compartilhamento das informações com o Coaf e a exigência de comprovação da origem dos recursos declarados. O procurador disse que a Receita ficou de estudar os pedidos. Em sua resposta, Leonel mostrou-se decepcionado. “Acho q não vão fazer Ou se fizerem pouco abrirão ou pouco controlarão”, escreveu.

‘Se eu pedir para consultar todos os nomes, Vc não tem como assegurar que o Paulo não vá ter acesso?’

Um mês depois desse diálogo, os dois continuavam insatisfeitos com a falta de acesso às informações do programa, e Dallagnol consultou Leonel sobre a possibilidade de buscá-las nos computadores da Receita sem que a cúpula do órgão fosse alertada. “Se eu pedir para consultar todos os nomes, Vc não tem como assegurar que o Paulo não vá ter acesso?”, escreveu Dallagnol ao auditor. “Vc pode dizer que recebeu a demanda, e posso fazer expressamente, exigindo garantia de que não sairá do ESPEI. E negocia com o Paulo, não?”

Leonel explicou a Dallagnol que tinha como saber a identidade dos contribuintes que haviam aderido ao programa, mas não os valores e outros detalhes. Mas alertou: era improvável que conseguisse consultar as informações sem deixar rastros. “Eh uma situação difícil q estou para te responder”, disse Leonel. “Não tenho como garantir q a copesnão vá ter acesso.” O auditor sugeriu que uma alternativa seria obter uma lista completa fora dos sistemas, mas não via como conseguir algo assim: “Só por um milagre eles me passarao a listagem”.


8 de julho de 2017 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 11:01:19 – Roberto se eu pedir para consultar todos os nomes, Vc não tem como assegurar que o Paulo não vá ter acesso? Vc pode dizer que recebeu a demanda, e posso fazer expressamente, exigindo garantia de que não sairá do ESPEI. E negocia com o Paulo, não?
Leonel – 13:51:32 – Eh uma situação difícil q estou para te responder. Ontem conversei com jerusa Não tenho como garantir q a copes não vá ter acesso. Somente se eu tivesse a listagem completa off-line do rercto, mas q dificilmente será disponibilizada off-line pois sem controle de acesso. Só por um milagre eles me passarao a listagem. A consulta individualizada q Paulo cirilo falou q disponibilizou para mim em um extrator da rfb, apenas é individualizada por cpf e CNPJ , além de apenas informar sim ou não aderente. Sem valor, sem data de darf , q em alguns casos será importante. Esta consulta individualizada manual um a um é monitorada pela Copes do Paulo Cirilo.


 

Dallagnol decidiu então restringir seu pedido. As mensagens do dia seguinte dão a entender que ele queria acesso amplo às informações do programa de repatriação, mas, ao mesmo tempo, queria evitar que a Receita Federal soubesse quais eram os alvos da Lava Jato. “Acho que o melhor é pedir a consulta excluindo os mais sensíveis mesmo”, escreveu. Leonel respondeu em 10 de julho: “Envie ofício com eventual exclusão dos mais sensíveis e ainda sob sigilo e dai veremos como proceder.”

A proximidade do auditor com as investigações da Lava Jato era frequentemente elogiada por Dallagnol e outros procuradores, mas foi motivo de críticas entre os funcionários da Receita. Eles o viam mais como um funcionário do Ministério Público do que do Fisco. “Leonel está com muitos problemas internos na Receita”, escreveu o procurador Paulo Roberto Galvão no grupo Filhos de Januario 1 em outubro de 2016. “Estranhamentos decorrentes da percepção de que ele trabalha para o MPF e não para a arrecadação.” O procurador Diogo Castor de Mattos ponderou: “eh um cara que nos ajuda mto”.

Um homem da Lava Jato no Coaf

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel, participam da solenidade de entrega do Diploma de Mérito Coaf.

Foi Moro quem levou Leonel ao Coaf. Hoje Leonel responde ao Ministério da Economia de Paulo Guedes, sujeito aos humores de Bolsonaro.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

No último mês de julho, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, suspendeu investigações baseadas em informações do Coaf. A mais polêmica delas tem como alvo o filho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro, do PSL. Toffoli argumentou que o Coaf só pode compartilhar – sem autorização judicial – dados genéricos, sem detalhes sobre a movimentação financeira das pessoas, como a possível compra de uma geladeira, por exemplo.

O Supremo ainda se movimentou mais um vez. No início deste mês, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu investigações conduzidas pela Receita sobre 133 contribuintes, incluindo as mulheres dos ministros Gilmar Mendes e Toffoli. Moraes argumentou que os alvos da Receita foram selecionados sem motivo.

Leonel criticou publicamente a decisão de Toffoli, o que levou Bolsonaro a pedir a sua cabeça no Coaf. O governo também decidiu transferir o órgão, que já foi ligado ao Ministério da Justiça e hoje está com o Ministério da Economia de Paulo Guedes, para o Banco Central.

O Ministério Público tem o direito de solicitar informações à Receita durante investigações, mas é necessário que os pedidos sejam realizados de maneira formal e fundamentada – o que é bem diferente de uma mensagem privada enviada pelo Telegram. Em casos de pedidos muito abrangentes, não há como escapar de pedir autorização à Justiça. Auditores têm, claro, o dever de avisar ao Ministério Público quando encontram indícios de crimes ao fiscalizar contribuintes, mas existem limites para o compartilhamento dos dados, como Dias Toffoli e Alexandre de Moraes deixaram claro em suas decisões.

Ao receber o convite de Moro para chefiar a Coaf, em novembro de 2018, Leonel consultou Dallagnol. “Meu Deus Falei com ele Tarefa difícil Mas temos de ajudar este país”, disse.. “Exato. Alguns convites são irrecusáveis”, respondeu o chefe da Lava Jato, que aproveitou para fazer lobby em prol da força-tarefa. “Povo vai lá e sai pra chefiar setores de compliance dos bancos. É evidente que assim eles jamais vão acusar os bancos de irregularidades. Vão levar na manha pra sair de bem com os bancos e serem chamados. É o que estamos constatando. Nós vamos pra cima dos bancos aqui na LJ e vamos precisar da sua ajuda”.

Apesar de ter deixado a inteligência da Receita em Curitiba, Leonel seguiu próximo à força-tarefa. No fim de março deste ano, ele encaminhou uma mensagem ao procurador Júlio Noronha se dizendo triste e preocupado com a chance da área que comandava na casa ser desmontada frente a uma possível reestruturação da Receita depois de “contribuir fortemente, juntamente com o MP e Polícia, em investigações de lavagem de dinheiro, de corrupção, e contra org criminosas”. Em abril, fez questão de visitar pessoalmente a sede da força-tarefa na capital paranaense para apresentar um relatório feito pela inteligência do Coaf especialmente para os procuradores. O destino de Leonel, fiel aliado de Moro, está agora nas mãos de Paulo Guedes, e ao sabor dos humores de Bolsonaro.

Procuradas pelo Intercept e pela Folha, a força-tarefa em Curitiba e a Receita Federal afirmaram que a troca de informações ocorre dentro de limites legais. Ainda assim, tanto a Lava Jato quanto a Receita não falaram nada sobre o caráter informal que marca os diversos pedidos de informação feitos pela força-tarefa ao Fisco revelados pelos diálogos.

“É perfeitamente legal – comum e salutar no combate ao crime organizado – o intercâmbio de informações entre o Ministério Público Federal e a Receita no exercício das funções públicas de apuração de fatos ilícitos de atribuição dos órgãos”, afirmou em nota a força-tarefa ao ressaltar que a troca de informações é incentivada pela Lei das Organizações Criminosas e pela Lei Orgânica do Ministério Público da União. O Manual do Sigilo Fiscal da Receita, no entanto, diz que o órgão deve fornecer informações sigilosas aos procuradores sempre que houver requisição feita diretamente, mas deixa claro também que o acesso amplo e indiscriminado a seus bancos de dados não é permitido.

Sobre a discussão com a Receita para acessar informações do programa de regularização de ativos no exterior em 2017, a força-tarefa explicou que buscou proteger a identidade dos alvos da Lava Jato para garantir o sigilo de investigações em andamento. A Receita Federal, por sua vez, afirmou que o MPF “tem o poder de requisitar informações protegidas por sigilo fiscal”, e que a cooperação de seu escritório de inteligência em Curitiba respeita regras previstas no Código Tributário Nacional, que exige procedimentos formais para troca de informações. “Todos os servidores da Receita Federal estão sujeitos ao sigilo fiscal e respondem administrativa, cível e criminalmente em caso de vazamento doloso”, acrescentou.

Informado sobre o teor das conversas envolvendo o atual chefe da instituição, o Coaf não se manifestou. Roberto Leonel também preferiu ficar em silêncio.

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