No mundo todo, há recorrentes escândalos de corrupção com grandes empresas. Em 2006, a empresa alemã Siemens, uma das empresas líderes na área de engenharia elétrica, foi apanhada em um escândalo bilionário de corrupção, pagando propinas ao redor do globo – inclusive para políticos e funcionários públicos do Brasil. A empresa foi condenada a pagar 1,6 bilhão de dólares em reparações judiciais. A construtora americana KBS já foi pega pagando propinas em contratos de construção na Nigéria e no Cazaquistão. Na Coreia do Sul, em 2016, a Samsung se envolveu em malfeitos que provocaram o impedimento da então presidente Park Geun-hye, bem como a prisão dela e do então presidente da empresa.
Em todos esses casos houve investigação, prisão e punição financeira às empresas, mas em nenhum deles as companhias foram levadas à bancarrota. Essa é uma lição importante que a Lava Jato deveria ter aprendido.
As revelações da Vaza Jato, em parceria com o El País, mostram que os procuradores ponderavam sobre as repercussões de suas ações contra grandes bancos. Por que então eles não tiveram a mesma preocupação com dois pesos-pesados da economia nacional: o setor de petróleo e gás e o da construção civil?
Neste processo de “faça-se justiça, ainda que o mundo pereça”, a Lava Jato atacou a jugular de quase 20% do PIB brasileiro. O setor de petróleo respondia por 13% do PIB em 2014, enquanto a construção civil por 6,2%. Mas como a economia é um organismo completamente interconectado, a tragédia nesses setores se espalhou e se multiplicou para outros ramos de atividade.
É preciso punir corruptos, aplicar multas às empresas e, ao mesmo tempo, ter cuidado de preservar a instituição.
A destruição à moda Odebrecht de bancos como o Itaú, Bradesco, BTG Pactual, todos denunciados por Antonio Palocci, transformaria a atual crise numa hecatombe econômica. É preciso punir os corruptos, ainda que de alto gabarito, impor multas às empresas e, ao mesmo tempo, ter a preocupação de preservar a instituição. Pode parecer um discurso elitista, mas se o Itaú quebrar, a família Setúbal vai chorar na Suíça, enquanto o brasileiro comum que tem seus recursos naquela instituição, vai chorar na sarjeta.
Os cinco maiores bancos do país – a saber Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica e Santander – respondem por mais de 81% do total de ativos do sistema bancário e 85% de todo o crédito na economia brasileira. Se um desses gigantes quebra, a atual e longeva crise brasileira se desenvolveria em uma verdadeira hecatombe de impactos e duração imprevisíveis. Nas crises, como estamos vendo, quem mais sofre são sempre os mais pobres.
Mas veja como é a dialética das coisas. No cuidado de preservar os grandes bancos privados, a Lava Jato aventou a possibilidade de atropelar o princípio jurídico da isonomia. O procurador Roberto Pozzobon dizia aos seus colegas: “Chutaremos a porta de um banco menor, com fraudes escancaradas, enquanto estamos com rodada de negociações em curso com bancos maiores. A mensagem será passada!”
Primeiro alvo: Petrobras
Iniciada em 2014, a operação Lava Jata teve a Petrobras como primeira grande empresa em sua mira. A estatal é a maior empresa do país e tradicionalmente a mais valiosa da América Latina. Um dos primeiros negócios a ser investigado foi a construção da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Orçada inicialmente em US$ 2,3 bilhões, as obras consumiram mais de US$ 20 bilhões, fazendo dela a mais cara de todo o mundo. Era evidente que havia um enorme caroço neste angu.
Abreu e Lima era apenas o caso mais exorbitante. Expedientes análogos teriam sido utilizados outras refinarias e obras da Petrobras. Os recursos oriundos do superfaturamento das obras acabava nos bolsos de diretores da empresa, políticos e partidos. Servindo para enriquecer indivíduos e financiar campanhas eleitorais faraônicas. O ex-diretor da Petrobras, Pedro Barusco, admitiu ter angariado US$ 100 milhões. Marcelo Odebrecht afirmou que 75% dos recursos para as campanhas presidenciais não eram declarados. Era um negócio de grandes proporções.
Na outra ponta do balcão, estavam as empreiteiras. Já em 2014, a operação fazia a devassa na Engevix, UTC, OAS, Mendes Jr., Camargo e Galvão Engenharia. Em novembro de 2014, quando as primeiras prisões foram feitas, o jornal O Globo trazia a seguinte manchete: “Empreiteiros na cadeia”. Na foto que ilustrava a matéria, a legenda dizia: “Corruptores: Na sede da PF em São Paulo, policiais conduzem 11 presos. Pela primeira vez no país, investigação de corrupção de agentes públicos leva à prisão executivos de empreiteiras.”
O envolvimento das empreiteiras com negócios políticos nebulosos é antigo e conhecido. No distante ano de 1993, a Folha de S.Paulo mostrava algumas empresas pegas na Lava Jato supostamente envolvidas no esquema PC Farias, tesoureiro da campanha de Fernando Collor em 1989.
Superfaturamento de obras, pagamento de propina para políticos e servidores públicos, caixa-dois de campanha eleitoral. Nada disso era novo em 2014. A novidade da Lava Jato foi certamente a de ter conseguido prender políticos, servidores e empresários.
Em 2008, a Petrobras atingiu seu maior valor de mercado em toda a história, R$ 510,3 bilhões. Em 2015, essa cifra desabara para R$ 98 bilhões. De um lucro de R$ 23,6 bilhões em 2013, a estatal teve um prejuízo de R$ 21,5 bilhões em 2014, causado principalmente pela desvalorização de seus ativos. Nesse processo de perda de valor, de aumento do endividamento líquido e de perda do grau de investimento.
Em 2018, em um processo nos EUA, a Petrobras se dispôs a pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma ação coletiva na qual era vítima. Fundos brasileiros estão buscando reparação similar. Segundo Elio Gaspari, a indenização pedida está na casa dos R$ 58 bilhões. A construção civil passou 6,2% do PIB brasileiro em 2014 para 4,5% do PIB brasileiro em 2018. A queda no setor desde 2014 é vertiginosa.
Em termos mais importantes: entre 2013 e 2018, o setor fechou mais de 3 milhões de vagas de emprego. Segundo Reinaldo Azevedo, foram mais 330 mil empregos fechados em nove empreiteiras atingidas pela operação.
Foram mais 330 mil empregos fechados em nove empreiteiras atingidas pela operação.
Do início da Lava Jato até 2016, a Odebrecht havia demitido 50% de seus funcionários. Tinha 168 mil funcionários. Em 2017, restavam 60 mil. E a queda continua. Foi uma carnificina. Isso afetou tanto suas operações nacionais quanto obras em uma dezena de países.
Em junho deste ano, a Odebrecht entrou com pedido de recuperação judicial, a maior da história do Brasil. Suas dívidas chegam a R$ 98,5 bilhões. O futuro da empresa é incerto. O cenário na OAS, na Queiroz Galvão e nas demais empreiteiras não é muito diferente.
Isso não significa que a crise econômica é de inteira responsabilidade da Lava Jato, obviamente. A operação, porém, tem, sim, sua parcela de culpa, e isso é compatível com a evidência internacional, como analisa em texto recente o economista Bráulio Borges. A Lava Jato se orgulha de ter recuperado R$ 12 bi extraviados via corrupção. Mas no desatino de “limpar o Brasil da corrupção”, deixou um rastro de destruição muito acima dos R$ 140 bi.
Que os grandes bancos sejam punidos, mas com justiça e responsabilidade por parte do MPF e Judiciário brasileiros.
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