No dia 10 de novembro, Evo Morales, que foi presidente da Bolívia por 13 anos, renunciou ao seu cargo, depois de um período de instabilidade política que culminou em ameaças veladas das forças de segurança. Durante sua presidência, Morales liderou um processo extraordinário de crescimento econômico com redução de desigualdades e resultados econômicos que lhe renderam elogios mesmo de setores oposicionistas. Mais tarde, Morales deixou claro que se considera vítima de um golpe de estado clássico, como os que se repetiram na América Latina no último século, explicando que foi removido do cargo à força e posteriormente obrigado a fugir do país devido a um motim policial e intimidação de militares.
Morales foi para o México, onde recebeu asilo político, e vive sob um forte esquema de segurança (no fim de semana, Morales ganhou o status de refugiado na Argentina, onde agora se encontra). No dia 3 de dezembro, na Cidade do México, sentei para uma entrevista de uma hora com ele, na qual falamos de uma ampla gama de assuntos: não só dos eventos que levaram à sua remoção da presidência e exílio da Bolívia, mas também sobre as tendências políticas mais amplas que afetam a política regional e global, assim como o papel desempenhado pelos EUA na América Latina. “Sinto que essa nova conspiração, assim como houve contra Dilma, assim como houve contra Correa [no Equador], ou na Argentina, é como outra Operação Condor, não mais encabeçada por militares, ainda que com a participação deles”, disse.
A conversa incluiu discussões sobre as forças por trás do golpe e suas motivações, o papel desempenhado pelos EUA e pelo Brasil, o uso de violência pelo governo “interino” de direita contra manifestantes indígenas, as críticas feitas a Morales pela insistência em tentar uma quarta reeleição apesar dos limites estabelecidos na Constituição e como sua remoção pelos militares em favor de um regime golpista de direita – liderado pela minoria rica, branca e cristã concentrada em Santa Cruz – reflete a tendência política da América Latina e do mundo.
Na entrevista, também tratamos de um evento extraordinário – agora esquecido – ocorrido em 2013, quando o avião presidencial de Morales foi obrigado a fazer uma parada não planejada na Áustria, quando retornava de uma visita de estado à Rússia, sob o pretexto de que os EUA acreditavam que Morales transportava o whistleblower Edward Snowden para receber asilo na Bolívia. Por fim, Morales ofereceu sua perspectiva – bastante interessante – sobre o papel desempenhado pelas relações bilaterais entre a Bolívia e China e o acordo traçado pelos dois países para a exploração do lítio boliviano, assim como a relação da Bolívia com a Rússia e porque a política externa independente de seu país causou tanta insatisfação em Washington.
Eu não sabia exatamente o que esperar dessa entrevista. Morales acabara de sofrer um golpe militar violento e se vira obrigado a deixar seu país havia poucas semanas, e minha expectativa era encontrar um ex-presidente amargurado e enfurecido, incapaz de fazer muito mais do que discursar sobre ter sido vítima de uma injustiça e denunciar a violenta repressão por parte dos militares que se vê na Bolívia pós-golpe.
Essa expectativa, entretanto, se provou falsa. Encontrei um Morales extremamente reflexivo que ofereceu respostas longas, cuidadosas e analíticas para praticamente todas as perguntas que fiz, versando não só sobre a política boliviana, mas também política regional e global. Como alguém que por 13 anos liderou um governo latino-americano de esquerda bem-sucedido, no quintal dos Estados Unidos, Morales tem uma perspectiva única e bastante sofisticada sobre uma série de questões geopolíticas, e essa experiência se fez evidente por toda a entrevista. Por esses motivos, considero essa uma das entrevistas mais informativas e interessantes que já fiz em minha carreira, devido principalmente ao cuidado e atenção com que Morales respondeu cada pergunta.
Espero que você assista aos 50 minutos do vídeo completo, visto que acredito se tratar de uma perspectiva sofisticada e interessante raramente vista na mídia ocidental.
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