Cidadão americano e muçulmano, ele foi detido quando buscava um presente para a filha

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Cidadão americano e muçulmano, ele foi detido quando buscava um presente para a filha

O incidente ocorreu na Alfândega, quando o homem tentava pagar o imposto de importação para um pacote vindo da sua família no Oriente Médio.

Cidadão americano e muçulmano, ele foi detido quando buscava um presente para a filha

Era julho do ano passado, e a filha do homem se casaria em breve. Uma caixa de presentes comemorativos – roupas e perfumes da família no Oriente Médio – chegou à alfândega do Aeroporto Internacional de Buffalo Niagara. O homem havia buscado remessas semelhantes em outras ocasiões, o suficiente para conhecer a rotina: a alfândega telefona para que ele saiba que seus itens chegaram, inspeciona as mercadorias e pede que ele pague um imposto de importação em um escritório a apenas 21 quilômetros da Ponte da Paz, que liga os EUA ao Canadá.

Desta vez, no entanto, quando ele chegou ao escritório da ponte seguindo as instruções, carregando uma nota manuscrita da alfândega original, o homem, cidadão dos EUA, foi detido e revistado por agentes do serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras, disse ele. Seus telefones foram apreendidos e seu carro vasculhado. Seu pai e primo, que estavam esperando no veículo, foram detidos e ordenados a entrar no escritório para responder perguntas sobre suas origens.

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O incidente, conforme descrito pelo homem e seus advogados, ilustra como as autoridades estão prontas para realizar buscas invasivas na fronteira, onde, em nome da segurança nacional, certas proteções processuais normalmente oferecidas aos americanos sob a Quarta Emenda não são respeitadas. Também é questionado se o homem, que é muçulmano, foi escolhido por conta de sua fé religiosa. O homem, que pediu para não ser identificado porque temia retaliações e assédio, não estava voando ou atravessando a fronteira naquele dia e não esperava ser detido enquanto tentava apenas pagar a taxa de um pacote de presentes.

O CBP não respondeu aos vários pedidos de comentários sobre a questão.

Todo cidadão dos Estados Unidos está constitucionalmente protegido contra buscas e apreensões injustas – mas há exceções. Embora a lei exija que a polícia interessada no conteúdo do bagageiro do carro ou na localização do seu iPhone obtenha primeiro um mandado, as regras mudam para os americanos que viajam através de, digamos, um aeroporto ou um posto de controle de estradas ao longo da fronteira mexicana. Isso é conhecido como “exceção de busca em fronteira” na Quarta Emenda. Nesses casos, conforme os tribunais decidiram, policiais pode realizar uma revista “rotineira” em você e seus pertences, como esvaziar seus bolsos ou abrir sua mala na segurança do aeroporto, sem um mandado ou mesmo motivo de suspeita. Qualquer busca na fronteira considerada “não rotineira” – uma revista corporal, por exemplo – exige um pouco de suspeita.

Porém, rotineira ou não, a exceção de busca em fronteira se baseia na travessia da própria fronteira, a lógica sendo que o interesse do governo em quem está tentando entrar no país (e o que esta pessoa está carregando consigo) é sensata. “Buscas realizadas em fronteiras, de acordo com o antigo direito do soberano de se proteger, impedindo e examinando pessoas e propriedades que atravessam o país, são aceitáveis simplesmente pelo fato de ocorrerem na fronteira”, decidiu o Supremo Tribunal em um caso histórico de busca em fronteira em 1977.

Mas “a autoridade do CBP não tem carta branca para sujeitar pessoas a revistas invasivas desse tipo, se elas não estão realmente tentando atravessar a fronteira”, disse o advogado de política de Liberdades Civis de Nova York, Zach Ahmad, ao Intercept. “Cabe ao CBP determinar quando alguém está realmente tentando entrar ou sair do país”.

O homem de Nova York – vamos chamá-lo de José Silva – viu-se naquele dia de julho preso nessa cinzenta zona legal, onde as normas constitucionais são suspensas e a Segurança Nacional se afirma de maneira inabalável. Ele e um dos advogados, Albert Fox Cahn, discutiram o incidente por telefone em uma entrevista ao Intercept.

Normalmente, ao pagar o imposto de importação no aeroporto, Silva poderia simplesmente entregar o dinheiro e voltar para casa. No incidente de julho, no balcão do caixa do CBP, perguntaram a Silva de onde ele havia vindo. Ele mostrou sua papelada na alfândega a apenas 20 quilômetros de distância e explicou que não havia chegado de lugar nenhum de avião; ele era americano e local, sem intenção de atravessar a fronteira naquele dia ou qualquer outro dia.

Foi solicitado que ele se identificasse para pagar a pequena taxa de serviço pelos presentes da filha e só então percebeu que havia deixado a carteira em casa. Quando ele explicou isso, que cometera um erro honesto e queria apenas pagar a taxa devida e partir, foi informado que, na verdade, não tinha permissão para sair. Silva perguntou se poderia falar com um supervisor que pudesse estar familiarizado com sua situação – um funcionário da alfândega do aeroporto havia enviado um e-mail antes de sua chegada – mas foi instruído a “entrar” em uma área de detenção e nada mais. Ele foi levado para uma sala de inspeção sozinho. Silva estava agora detido.

Foi solicitado que ele se identificasse para pagar a pequena taxa de serviço pelos presentes da filha e só então percebeu que havia deixado a carteira em casa. Quando ele explicou isso, disseram-lhe que, na verdade, ele não tinha permissão para sair.

Depois de ficar sozinho na sala de detenção por cerca de uma hora, Silva foi interrogado ainda mais por um oficial do CBP. “De onde você é?”, lhe perguntaram novamente. “Daqui”, ele repetiu. O oficial pediu a Silva que esvaziasse o conteúdo dos bolsos e os revirasse na frente dos policiais, que pegaram as chaves do carro e saíram para revistar o veículo sem a permissão ou a presença dele. O CBP estava autorizado a revistar o carro, disseram eles, porque ele dirigiu até o escritório com o carro.

O pai e o primo de Silva, que estavam esperando no carro durante o que eles achavam que seria uma parada rápida, foram ordenados a entrar para se juntar a seu parente na sala de detenção e questionados sobre sua nacionalidade antes de serem libertados. Silva, alarmado com o que estava acontecendo, tentou entrar em contato com seu irmão pelo telefone, apenas para saber que ele não tinha permissão para usá-lo, e que agora seria confiscado. O oficial do CBP presente pressionou Silva por que ele tinha dois celulares antes de ordenar que ele entregasse os dois; Silva disse em entrevista que ele simplesmente prefere ter dois telefones e conseguiu um bom preço neles. “Não é um crime, ter dois telefones”, disse ele.

Não está claro o que exatamente o CBP fez com os dispositivos de Silva. Tudo o que ele e seus advogados sabem ao certo, como disseram ao Intercept, é que a agência os teve em posse por cerca de 45 minutos e que, durante parte desse tempo, foram colocados perto de um computador do CBP, onde Silva podia vê-los.

A Cellebrite, uma empresa israelense que vendeu software forense para agências policiais em todo o país – incluindo o CBP – alegou ter a capacidade de extrair dados de um telefone para o computador de um agente a velocidades de até 1 gigabyte por minuto, o que significa uma enorme quantidade de e-mails, mensagens de texto, fotos, contatos e outros dados pessoais confidenciais podem ser filtrados em um período relativamente curto.

As regras sobre como essas pesquisas de dispositivo devem ser conduzidas em uma época em que o conteúdo do seu smartphone pode conter mais ou menos um registro completo de sua existência são uma confusão. As políticas adotadas pela entidade controladora organizacional do CBP, o Departamento de Segurança Interna, permitem que os agentes de fronteira realizem a chamada busca básica do seu telefone – restrita a rolar e tocar na tela da mesma maneira que você faria – sem justificativa. Uma chamada busca avançada de dispositivo, usando software que pode romper mecanismos de segurança como bloqueios de senha e criptografia e fazer cópias permanentes de dados para análises posteriores, é permitida sempre que “houver suspeita razoável de atividade em violação às leis impostas ou administradas pelo CBP, ou no qual existe uma preocupação de segurança nacional.”

Esses termos permanecem praticamente indefinidos, pelo menos em documentos públicos, e a Diretiva do CBP nº 3340-049A, a versão mais recente publicada das regras de Segurança Nacional para vasculhar telefones na fronteira, é repleta de exceções. Por exemplo, de acordo com a diretiva de julho de 2018, “Buscas em dispositivos eletrônicos devem ser conduzidas na presença de indivíduos cujas informações estão sendo examinadas”, a menos que “haja considerações de segurança nacional, aplicação da lei, segurança de oficiais ou outras operações que tornam inadequado permitir que o indivíduo esteja presente.”

Sophia Cope, advogada da Electronic Frontier Foundation, disse ao Intercept que “revistar uma pessoa já dentro dos EUA estende a exceção de busca de fronteira da Quarta Emenda além da conta”, acrescentando que “não há nada na política do CBP em buscas de dispositivos eletrônicos na fronteira que autoriza tal pesquisa” como a que Silva experimentou.

“Revistar uma pessoa já dentro dos EUA estende a exceção de busca na fronteira da Quarta Emenda além da conta”.

Depois de mais de uma hora, Silva foi libertado. Em nenhum momento ele recebeu uma explicação para sua detenção, a busca de seu carro, o interrogatório de seus parentes ou a apreensão de seus telefones, disse ele. Durante sua detenção, a única coisa que se assemelhava a uma justificativa para seu tratamento foi um comentário de que a nota manuscrita que ele trouxera da alfândega do aeroporto para a instalação do CBP era incomum, embora parecesse não ter sido feita nenhuma tentativa de entrar em contato com a alfândega para verificar se a história dele era verdadeira.

Dias depois, um amigo recomendou que Silva contatasse o Conselho de Relações Americano-Islâmicas (CAIR na sigla em inglês), onde Cahn, advogado de liberdades civis e privacidade, iniciou seu caso, juntamente com o escritório de advocacia Stroock & Stroock & Lavan, de Nova York. Cahn, que mais tarde deixou o CAIR para se tornar diretor executivo do Projeto de Supervisão de Tecnologia de Vigilância do Urban Justice Center, disse ao Intercept que ele e seu cliente ainda precisam processar o governo, mas esperam que a história de Silva leve outros que foram submetidos a buscas nas fronteiras sem sequer tentar atravessar a fronteira a virem a público.

“Vimos um grande aumento de reclamações da comunidade muçulmana descrevendo uma campanha em andamento de buscas discriminatórias pelo CBP em todo o país”, disse Cahn. “Acho difícil acreditar que seja uma coincidência completa que, de todos os cidadãos americanos que entram naquele escritório naquele dia, o homem escolhido para uma pesquisa seja um muçulmano de descendência do Oriente Médio”, acrescentou. “Acho que vemos uma campanha prolongada para transformar a zona da fronteira … em uma zona livre constitucional. Há um desrespeito sistêmico pela lei.” Cahn disse ao Intercept que ele “sinalizou o assunto para vários oficiais de alto nível do DHS” e “tentou contatar diversas vezes o Escritório de Direitos Civis e Liberdades Civis” do DHS, mas nunca recebeu nenhuma resposta ou explicação “substancial” para a detenção de Silva. O Escritório de Direitos Civis e Liberdades Civis encaminhou uma solicitação de comentário ao escritório de mídia do DHS, que não respondeu.

Não há raiva na voz de Silva quando ele fala sobre sua detenção, mas ainda há traços de consternação e confusão. “Por quê? Por que só eu? Por que desta vez? Muitas perguntas vieram à minha mente. Eu não cruzei a fronteira, estou nos EUA. Ouço muitas coisas sobre a alfândega americana, principalmente como muçulmano. Quando me colocaram dentro da sala, senti como se tivesse sido selecionado como criminoso, como se tivesse feito algo errado. Se alguém entrasse e me visse naquela sala sozinho … isso me fez sentir culpado. O que eu fiz?”

Tradução: Maíra Santos

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