Era fim de noite em dezembro de 2018 e João Victor Nascimento dos Santos, 20 anos, conversava com um amigo no portão da casa da avó, na zona norte do Rio. De repente, um conhecido chegou correndo para avisar que um motorista de Uber tinha sido morto a poucos quadras dali, durante um arrastão. Em minutos, a polícia apareceu. Começava ali a saga de João Victor na justiça criminal brasileira.
A polícia encontrou o celular do motorista assassinado com o menino que chegara avisando João Victor do crime. Os PMs, então, enviaram fotos dele, de João Victor e de seu amigo a colegas que estavam com vítimas do arrastão, que reconheceram um deles. Todos foram levados para a delegacia.
Já mostramos no Intercept como quanto mais escura é a sua pele, mais suspeito você se torna. Nos segundos que a PM costuma levar para decidir quem é ou não suspeito, está o racismo institucional cotidiano. O resultado é que jovens negros são a maioria nos presídios. Entre os mais de 700 mil presos no país, 61,7% são pretos ou pardos, revelam dados do Infopen, o sistema que reúne dados sobre os presos no Brasil. Com João Victor, negro, não foi diferente.
As testemunhas apontaram o envolvimento de duas pessoas no crime: um negro e um branco. O jovem que estava com o celular, reconhecido, confessou a participação no crime, mas negou que os outros encaminhados a delegacia estivessem envolvidos. Em vez disso, relatou que seu companheiro no roubo, que conseguiu fugir, também se chamava João Victor, mas é branco.
O rapaz que confessou o crime foi encaminhado ao Degase por ser menor de idade. O amigo com quem João Victor conversava no portão foi liberado, mas ele foi levado à penitenciária de Benfica, também na zona norte. Após três dias, foi solto na audiência de custódia. Do momento em que desceu para conversar com um amigo no portão até o presídio onde passou três dias, a história da polícia tinha tantas incongruências que até o juiz que o ouviu decidiu que não fazia sentido mantê-lo preso.
João Victor passou a responder em liberdade. Mas a essa altura já tinha perdido o emprego de auxiliar administrativo que conseguira pouco antes do episódio. Para conseguir pagar um advogado, a família recorreu a uma vaquinha virtual.
Os dias que passou preso agravaram os sintomas da doença de Chron, que o acompanha desde a infância. João Victor teve de passar por uma cirurgia de emergência. No hospital, a PM foi buscá-lo – estava preso novamente, porque uma das testemunhas mudou o depoimento e passou a afirmar que ele teria participado do crime. Ele passou mais uma semana no presídio até ser transferido para a prisão domiciliar. Agora acusado de latrocínio – roubo seguido de morte –, pode ser condenado a até 30 anos de prisão.
João Victor já passou por três audiências. Nas duas primeiras, as testemunhas faltaram. Na última, que aconteceu em novembro, a testemunha que mudou o depoimento voltou atrás e disse não ter certeza da participação dele no crime.
Procuramos a Polícia Militar, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro. A PM nos recomendou que falássemos com a Polícia Civil, a Civil passou a bola para a Justiça e o Ministério Público afirmou que considera as provas “contundentes”, ainda que várias testemunhas tenham reafirmado em juízo que o crime foi praticado por um jovem negro e um “branquinho”. João Victor agora aguarda a decisão da Justiça.
Sua história é trágica, mas comum no dia a dia das cidades brasileiras. No vídeo a seguir, ele mesmo conta a sua vida e a acusação de que tenta se livrar para voltar perseguir sonhos comuns a jovens de sua idade – fazer uma faculdade e escolher a carreira profissional a seguir. Por enquanto, o sistema judiciário brasileiro, lento para fazer justiça mas rápido para perpetrar crueldades contra quem é negro e pobre, já condenou João Victor a uma vida em suspenso.
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