Depois de ajudar a eleger Bolsonaro, o MBL passou a fazer uma oposição de fachada ao bolsonarismo. Enquanto esperneia nas redes contra a chucrice bolsonarista, apoia com entusiasmo o projeto ultraliberal dos fascistoides que estão no poder. É o velho cacoete de um certo tipo de liberal em se indignar com o autoritarismo no campo político, mas tolerá-lo em nome das medidas econômicas que protegem os interesses dos mais ricos. A história está farta desses exemplos, desde o nazismo na Alemanha até o golpe militar no Brasil em 1964.
Integrantes do MBL estão se filiando em peso ao Patriota em São Paulo, um partido de extrema-direita que é puro suco do bolsonarismo. A sigla é a segunda mais fiel aos projetos do governo na Câmara, tendo votado a favor deles em 90% da vezes. O PSL, por exemplo, apoiou menos: 85,4% das vezes. Ou seja, o MBL escolheu como sua nova casa um partido mais alinhado ao bolsonarismo do que aquele que elegeu Bolsonaro.
O deputado estadual e youtuber Arthur do Val, mais conhecido como Mamãe Falei, que havia sido expulso do DEM, foi recebido de braços abertos na extrema-direita. O presidente do Patriota lhe ofereceu não só a possibilidade de se candidatar à prefeitura da cidade mais rica do país, como também o controle do diretório municipal do partido. Mamãe Falei, inclusive, já escolheu quem será o presidente do Patriota de São Paulo: Renato Battista, um dos coordenadores nacionais do MBL. O vereador Fernando Holiday só está esperando a janela partidária para sair do DEM e se filiar ao novo partido. O deputado federal Kim Kataguiri é o único da cúpula do movimento que continuará no DEM – o restante está migrando para o partido bolsonarista.
O Patriota é um partido nanico irrelevante, mas agora, com apelo eleitoral dos candidatos do MBL, terá a oportunidade de inflar e aumentar suas verbas do fundo partidário. A sigla nasceu com um senso de oportunismo fantástico. É importante que essa história seja contada. Ela foi fundada em 2011 com o nome de Partido Ecológico da Nação, PEN. Só que de ecológico os seus fundadores não tinham absolutamente nada.
Adilson Barroso, fundador e atual vereador de Barrinhas, interior de São Paulo, uma cidade de 30 mil habitantes, é um evangélico que já se candidatou a deputado estadual por quase todos os partidos ultraconservadores do país como Prona, PSC e PSL. O meio ambiente nunca foi uma de suas bandeiras. Quando fundou o partido, Adilson, que até hoje é o seu presidente, nomeou quatro irmãos, a mulher e o filho como dirigentes. Criava-se ali mais um partido fisiológico com intuito único de sugar a verba do fundo partidário.
Ao fundar o partido, Barroso deixou claro que a sua ideologia era o de menos: “Ainda não decidimos o nosso sistema de governo. Não sabemos se seremos oposição à presidente Dilma Rousseff ou se vamos apoiá-la”. A gente sabe o que está nas entrelinhas desse discurso: somos conservadores, mas poderíamos apoiar Dilma se for eleitoralmente vantajoso.
Em 2013, o PEN se ofereceu para abrigar a candidatura da Marina. Quatro anos depois, se ofereceu para abrigar a candidatura de Bolsonaro, que chegou a acertar verbalmente a sua filiação. Essa biruta ideológica nos dá a real dimensão da seriedade desse grupo político. Bolsonaro topou, mas exigiu que o PEN mudasse de nome. Não ficaria bem pra imagem do capitão entrar num partido identificado com a ecologia. O presidente do partido fez o que o seu novo inquilino mandou. O PEN virou Patriota e o seu lema passou a ser “Brasil acima de tudo”.
A logomarca do Patriota é autoexplicativa. Num passe de mágica, o partido deixou de ser ecológico para virar ultranacionalista. Trata-se de um partido 100% bolsonarista, repaginado unicamente para agradar o ex-capitão.
O presidente do Patriota deixou claro a subserviência irrestrita do partido ao bolsonarismo: “Se houver fusão (com outro partido), o próprio grupo do Bolsonaro escolherá o partido com o qual iremos nos fundir. O Bolsonaro está ciente de que o Patriota o ama. Estamos com ele desde que tinha 5% (de intenção de voto em pesquisas)”.
Bolsonaro acabou desistindo do partido, e Cabo Daciolo foi escolhido como o candidato à presidência. Assim como o MBL, o Patriota aderiu à candidatura da extrema-direita no segundo turno. Hoje é um essencialmente um partido que abriga políticos evangélicos oriundos de outros partidos conservadores como o PSC.
Os novos colegas de partido do Mamãe Falei chafurdam no ultraconservadorismo. São apenas cinco deputados eleitos, todos reacionários o suficiente para nenhum integrante da família Bolsonaro botar defeito. Entre eles está o ex-governador de Goiás, Alcides Rodrigues, que chegou a ser condenado a 10 anos de prisão por desvios em campanha eleitoral de 2006. Segundo denúncia do Ministério Público Eleitoral, o político usou servidores do estado na eleição e usou caixa dois para ocultar. Tem também o pastor Eurico, aquele pastor da Assembleia de Deus que subiu ao púlpito da Câmara para dizer que Xuxa provocou violência em crianças em filmes pornográficos. Ele patrocina projetos de lei bizarros na Câmara, como aquele que permite que o alunos possam faltar à escola para ir à igreja. Não dá pra negar que isso combina demais com a garotada que invade museu para protestar contra exposição de arte com nudez.
Todo esse histórico de fisiologismo e alinhamento à extrema-direita não assustou a garotada liberal do MBL, pelo contrário. O importante é alugar um partido para poder atingir suas metas eleitoreiras. O coordenador nacional do movimento, Renato Battista, afirmou ao ser perguntado sobre o apoio do partido ao governo extremista: “Não vamos defender ou atacar Bolsonaro. Vamos defender a cidade de São Paulo, que precisa de um prefeito inovador para se tornar a cidade que sempre mereceu ser”.
O discurso oficial está bem distante da prática. A realidade é que o MBL saiu de um partido de direita e está embarcando num partido bolsonarista de corpo e alma. Apesar das ressalvas que faz, o MBL endossa o bolsonarismo na sua essência. Não é possível ser antibolsonarista se filiando em peso a um partido bolsonarista. Quais são as diferenças ideológicas entre o Aliança pelo Brasil e o Patriota? Nenhuma. Os dois cultuam a persona de Bolsonaro, são profundamente religiosos, são anticomunistas e ultranacionalistas. É nesse espaço político que o MBL pretende continuar atuando.
Os meninos que sonhavam em tornar o Brasil um país mais moderno e liberal, que foram incensados por boa parte da grande mídia durante muito tempo, se transformaram em políticos oportunistas, que não se importam em alugar um partido nanico, de ideologia extremista, para alçar voos eleitorais mais altos. Os memes do movimento debochando do bolsonarismo, buscando um aparente de afastamento ideológico, não resistem à realidade dos fatos. Depois de apoiar sua candidatura e continuar sustentando seu projeto ultraliberal na economia durante o mandato, não serão algumas críticas pontuais nas redes sociais que distanciarão o MBL de Bolsonaro. Já está claro que eles estão no mesmo bonde.
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