João Filho

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O fiasco da CPMI Fake News revela o método do bolsonarismo para interditar o debate

Ataques contra jornalista da Folha revelam o mesmo modus operandi do jogo bolsonarista para jogar areia nos olhos do público e desviar o foco.

Legenda.

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Hans River, ex-funcionário de empresa de marketing digital, mentiu em CPMI que apura as fake news das eleições.

Foto: Gustavo Bezerra/PT na Câmara

A vida pública brasileira tem se acostumado com os episódios de baixo nível moral protagonizados pelo bolsonarismo. Mas o que aconteceu na última terça-feira, 11 de fevereiro, na CPMI Fake News atingiu o fundo do poço da imoralidade.

Com base em reportagem da Folha que denunciou um esquema ilegal de disparo de mensagens em massa no WhatsApp em favor da campanha de Bolsonaro, um funcionário da empresa de marketing digital envolvida no caso foi convocado pela oposição para depor na CPI. O que se viu foi um homem claramente intencionado a fazer o jogo bolsonarista e interditar o debate sobre o esquema ilegal que ajudou a eleger o presidente. Hans River do Nascimento passou a descredibilizar a reportagem dizendo que sua autora, a jornalista Patrícia de Campos Mello, se insinuou sexualmente a fim de conseguir informações. O que se viu na sequência foi uma ação coordenada com o objetivo de jogar areia nos olhos do público e desviar o foco do crime investigado. O episódio é um excelente case do que é o bolsonarismo no poder.

Após a insinuação contra a jornalista, parlamentares bolsonaristas passaram a explorar o caso nas redes sociais. O mote comum era: uma jornalista esquerdista que ofereceu seu corpo a um homem em troca de informações que prejudicassem Bolsonaro. De repente, a CPMI que investigava crimes da campanha de Bolsonaro passou a duvidar da jornalista que denunciou esses crimes. O jogo virou. Bolsonaristas exploraram o caráter machista da população nas redes sociais, conseguiram reforçar o papel de vítimas de uma imprensa que os persegue e concluíram que a denúncia da jornalista era falsa.

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A Folha se apressou em publicar uma reportagem impecável, comprovando todas as mentiras ditas na CPMI, não deixando pedra sobre pedra. Os prints das conversas entre a jornalista e a fonte mostram que ele a convidou para sair e foi solenemente ignorado. Mas o cinismo, que não é apenas um traço do bolsonarismo, mas o seu principal método de ação política, fez com que bolsonaristas continuassem cantando vitória.

O capanga jornalístico de Bolsonaro, Allan dos Santos, cumpriu seu papel de desviar a atenção da manada. Passou a descredibilizar a reportagem da Folha, insinuando que os prints foram forjados, o que rapidamente foi desmentido. A tática é clara e coordenada: faz-se uma acusação absurda para gerar alvoroço. Prova-se que é mentira. Faz-se outra acusação, que novamente é desmascarada, mas não importa: os bolsonaristas saem cantando vitória de peito estufado mesmo assim. Da mentira do depoente à repercussão nas redes, tudo é articulado. Desse modo, o bolsonarismo consegue se manter sempre na confortável posição de acusador, mesmo quando deveria estar no banco dos réus.

https://twitter.com/allantercalivre/status/1227548729860853760

O Brasil não leu a reportagem da Folha desmascarando as mentiras de Hans. Primeiro porque a página estava disponível só para assinantes e, segundo, porque quase ninguém lê a Folha. Enquanto nós, na nossa bolha classe média progressista pensávamos que a reportagem havia restaurado a verdade, o Brasil estava no WhatsApp vendo vídeos de deputados lacrando a jornalista e memes a chamando de prostituta, disparados pela mesma fábrica de fake news denunciada por ela.

Toda vez que o bolsonarismo é acusado de alguma coisa, essa máquina coordenada passa a trabalhar para espalhar uma falsa denúncia contra quem o acusou. Foi assim durante a Vaza Jato, quando alardearam a existência de hackers russos. Comprovada a mentira, passaram a questionar o Pullitzer de Glenn Greenwald. Desmascarados novamente, criaram o perfil anônimo Pavão Misterioso para difundir falsas acusações contra os jornalistas envolvidos na publicação dos vazamentos. E assim permaneceram em posição de ataque, pulando de uma falsa acusação para outra.

Quando uma narrativa é desmascarada, já há outra igualmente mentirosa saindo do forno da fábrica de mamadeiras de piroca.

O modus operandi bolsonarista foi cumprido: após a divulgação das mentiras do Pavão, parlamentares bolsonaristas e outras figuras proeminentes do bolsonarismo passaram a acusar seus acusadores com as mentiras mais absurdas e inverossímeis. As mentiras não precisam ser sofisticadas, já que eles não temem que elas sejam desvendadas. O único objetivo é forçar uma falsa narrativa, possibilitar a escandalização performática da trupe reacionária e, assim, interditar o debate. É a adoção da canalhice como método. Eles ganharam a eleição assim e estão cumprindo seus mandatos assim — com sucesso, diga-se! Os fascistoides que nos governam deram um nó na política brasileira e nada indica que ele será desatado nas próximas eleições.

A extrema direita brasileira está cumprindo à risca a cartilha do ideólogo de Trump, Steve Bannon, e nadando de braçada na era da pós-verdade. Quando se fala que o bolsonarismo é um projeto de destruição da democracia, não se trata de exagero ou figura de linguagem. É um fato. Essa máquina articulada entre parlamentares e milícias virtuais segue os ensinamentos de Bannon, que declaradamente pretende acabar com a democracia liberal no mundo.

Eles sabem que a apelação para as crenças, preconceitos e emoções tem um poder de influência muito maior sobre a opinião pública do que a frieza dos fatos. A verdade já não importa mais. O que importa é fabricar a narrativa mais sedutora, que facilite a performance escandalosa de um bolsonarismo que está sempre se vitimizando mesmo quando é comprovadamente o algoz. Quando uma narrativa é desmascarada, já há outra igualmente mentirosa saindo do forno da fábrica de mamadeiras de piroca para servir os robôs e as milícias virtuais nas redes sociais. O baixo clero recém-empoderado conseguiu levar o debate público para o campo da baixaria, um lugar em que ele sempre vai sair como vitorioso.

A Globo, vista pelo bolsonarismo como sua opositora, não destacou o episódio da CPMI na home do G1 nem o citou no Jornal Nacional.

As instituições, que poderiam frear essa avalanche de crimes e imoralidade, seguem inoperantes sob os olhares de uma imprensa que acredita que elas estão funcionando normalmente. O TSE, por exemplo, prometeu nas véspera das últimas eleições que estava preparado para combater as fake news. Elas “não vão navegar pela internet como antigamente se navegava pelos mares”, disse Luiz Fux, então presidente do tribunal. Nós vimos o que aconteceu. O combate às fake news era fake news. Absolutamente nada indica que esse cenário irá mudar nas próximas eleições.

A Globo, vista pelo bolsonarismo como sua opositora, simplesmente não destacou o episódio da CPMI na home do G1 nem o citou no Jornal Nacional. Um irresponsável insinua que uma jornalista vendeu seu corpo para conseguir informações contra Bolsonaro, a base de apoio do governo repercute a mentira e o jornal de maior audiência do país, que poderia explicitar o funcionamento dessa máquina de difamação, se cala. E, assim, a selvageria bolsonarista vai se naturalizando no país.

Como escapar desse beco sem saída? Ninguém sabe exatamente como, mas já está claro o que não se deve fazer. Os parlamentares oposicionistas seguem numa posição meramente reativa, esperando os governistas escolherem a valsa que dançarão juntos. É preciso adotar uma postura mais propositiva e desviar das cascas de bananas retóricas jogados pelo bolsonarismo, que sempre levam o debate para um campo em que nunca vai perder. A oposição virou o cachorro que corre latindo atrás da moto, enquanto o motoqueiro ri da cara dele. Não é uma situação fácil para os oposicionistas, de fato, mas esse ciclo interminável precisa ser interrompido, senão continuará sendo usado como escada para o avanço da barbárie.

A democracia vai sendo degradada gradualmente pelo modus operandi fascista, que atua aos moldes dos ensinamentos de Goebbels. A apelação às questões morais, às mentiras, buscando atiçar os preconceitos mais sórdidos da população, serve para desviar dos assuntos verdadeiramente importantes para o país. Enquanto se discutia se a jornalista vendeu seu corpo em troca de informações, ofuscava-se o assassinato de Adriano Nóbrega, o amigo da família Bolsonaro que chefiava a milícia acusada de assassinar Marielle.

A impressão que se tem é de que o bolsonarismo está se acomodando no poder e se sentindo cada vez mais confortável. Aqueles eleitores arrependidos do primeiro semestre do mandato parecem já estar voltado para o aconchego do bolsonarismo. Pesquisas indicam que a aprovação de Bolsonaro está estável, sua reprovação caiu e, se a eleição fosse hoje, ele seria reeleito em todos os cenários. Não há como ser otimista diante desse quadro.

O bolsonarismo já não é mais apenas uma filosofia política reacionária. É também um desvio de caráter. Ou interrompemos esse processo ou continuaremos sendo engolido por ele por muitos anos.

 

Correção, 16/2, 11h51: Na segunda citação, Adriano Nóbrega com a grafia incorreta. O texto foi atualizado.

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