Diariamente, o juiz José Vidal de Freitas Filho checa um a um os processos que pingam na tela do seu computador. À frente da Vara de Execuções Penais de Teresina desde 2012, a sua missão é fazer com que ninguém no estado fique preso por mais tempo do que deveria.
Sempre que um preso está a 60 dias de receber algum benefício, o juiz e a vara recebem uma notificação por meio de uma ferramenta do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ. A partir disso, o juiz Vidal desenvolveu um procedimento próprio que chamou de Sistema de Apreciação Antecipada de Benefícios, o Saab. O nome é pomposo, mas trata-se apenas de um método para diminuir a burocracia e já estar com tudo pronto tanto no momento em que o preso ganha o direito à progressão de pena – quando passa do regime fechado para o semiaberto, em que a pessoa pode trabalhar ou estudar durante o dia, mas precisa dormir na prisão, por exemplo –, quanto quando deve ser solto.
O Brasil tem hoje mais de 800 mil presos para cerca de 400 mil vagas, segundo dados do CNJ. Ao menos 40% são presos provisórios, que ainda aguardam julgamento. Para Vidal, garantir que essas pessoas tenham os seus direitos à progressão de pena e à liberdade respeitados é uma forma de reduzir a população carcerária e, consequentemente, a superlotação. Ele também acredita que é um fator de pacificação das penitenciárias, pois os benefícios estão condicionados ao bom comportamento.
Os bons resultados se revelam através dos dados mais recentes do Infopen. Enquanto a média nacional de detentos cumprindo pena em regime semiaberto é de 25% e apenas 5,36% em regime aberto, no Piauí, 18% cumprem pena em regime semiaberto e 40% em regime aberto.
Entrevistei o juiz – que já trabalhou como servidor do Tribunal Regional Eleitoral, defensor público e promotor e brinca que só não foi réu –, em seu gabinete em Teresina, em fevereiro. Conversamos, entre outros assuntos, sobre superlotação e as propostas de endurecimento de penas, tão defendidas por Bolsonaro e seus seguidores. Para o magistrado, que faz ressalvas ao Pacote Anticrime de Sergio Moro, em especial, existe certa “esquizofrenia” no punitivismo quando defendido por membros do Judiciário que deveriam respeitar a lei. “No Brasil não existe pena de morte, nem prisão perpétua. Então, se você jogar a pessoa lá [na prisão], muitas vezes está fortalecendo as organizações criminosas e preparando a pessoa para sair especialista, um doutor em crimes”, afirma.
Acompanhei uma audiência de Vidal, que evita o termo “presos” usando, no máximo, “apenados”. A responsável por levá-los até a sala me chamou a atenção pelo extremo cuidado e educação com os detentos – descobri depois que tratava-se de uma egressa do sistema. Cerca de 20 homens e uma mulher sentados em torno de uma mesa esperavam atentos pela fala do magistrado. De um lado, estavam aqueles que cometeram alguma falta grave, como fugir ou participar de uma rebelião. Do outro, quem iria para o regime aberto ou receberia a tão sonhada liberdade condicional – quando a pessoa ganha o direito de cumprir o restante da pena fora do presídio.
O juiz começou a audiência apontando para o lado direito: “Esses aqui completaram o tempo, tiveram bom comportamento e é isso que acontece com eles. Vão ter uma pena mais leve, poderão ir para casa”. Voltou-se para o lado esquerdo: “Já os senhores estão aqui porque regrediram. Saibam que, quando corrigirem essa falta, poderão ter seus benefícios também”. Mais cedo, comentou a estratégia. “Eu marco as duas audiências ao mesmo tempo. É bom para eles verem na prática como acontecem os benefícios”.
Contrário ao chamado abolicionismo penal, que defende o fim das prisões, Vidal considera que a prisão é necessária, “mas deve ser executada e cumprida na forma da lei, que diz que não existe trabalho forçado, que as pessoas são serem humanos, mesmo estando presas”.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Intercept – Como funciona o Sistema de Apreciação Antecipada de Benefício, o Saab, que o senhor desenvolveu na Vara de Execuções Penais de Teresina?
Vidal de Freitas – No Brasil, o sistema de cumprimento de pena de prisão é progressivo. Começa no regime mais rigoroso e com o tempo vai passando para os mais suaves, como regime semiaberto, aberto ou a liberdade condicional. A concessão desse benefício está condicionada a dois requisitos – o tempo e o comportamento. Mas o que acontece no Brasil todo é que aguarda-se a pessoa completar o tempo [da pena] e só então se faz os procedimentos para apreciação, decisão e efetivação do benefício. Só que isso faz com que as pessoas fiquem nos presídios mais tempo do que deveriam. Às vezes acontecia de terem a audiência para o livramento condicional, mas voltarem para o presídio. A gente encontrava, semanas depois, a pessoa presa lá, com o termo da audiência. Então a gente procurou formas de alterar isso e tivemos a ideia desse sistema.
Quando se constata que a pessoa vai completar o tempo de receber o benefício nos próximos 60 dias, a própria secretaria [da Vara de Execuções Penais de Teresina] já manda o comunicado para o promotor se manifestar – sem necessidade de pedido do apenado, nem de despacho do juiz. Então, pula-se essa burocracia e eu concedo o benefício para ser efetivado no dia exato em que a pessoa vai completar o tempo. Se for a progressão para o semiaberto, eu mando que a Secretaria de Justiça o transfira. Se for progressão para regime aberto, que é domiciliar, ou livramento condicional, eu marco a audiência para o dia em que a pessoa vai completar o tempo. Antes disso, acerto tudo com a Secretaria de Justiça, que traz a pessoa já com a burocracia da liberação.
Muita gente acha que a pessoa deve ficar presa a vida toda.
Acabando a audiência, ela já vai embora para sua casa e não precisa voltar para o presídio. Se for o livramento condicional, que precisa de uma carteira, ela já é emitida aqui na própria vara, e a pessoa vai embora com tudo feito. Às vezes a família fica até esperando lá fora. É uma mudança de entendimento. Evita não só a injustiça de a pessoa ficar presa mais tempo do que deve, como também a eventualidade de o estado ser obrigado a indenizar. Para você ter uma ideia, ano passado teve uma rebelião na Major César [presídio de regime semiaberto em Teresina] e eu fui lá no dia seguinte pela manhã para conversar com eles, como normalmente eu faço. Havia muitas reclamações, mas nenhuma pessoa reclamou que estivesse presa há mais tempo do que deveria.
O senhor falou que esse sistema é uma mudança de entendimento, mais do que uma mudança na lei. Os operadores de direito – juízes, promotores, advogados, etc. –, estão abertos para olhar a lei por esse ângulo mais humanitário?
Na verdade, é só o cumprimento da lei. Porque lá diz que, completado o tempo e tendo bom comportamento, a pessoa tem que progredir ou receber o livramento condicional. Então, eu precisei apenas mudar os procedimentos da vara. Está normatizado em uma portaria que eu editei e é basicamente isso – alterar etapas, agilizar o procedimento na conformidade da lei, para que a pessoa não fique presa ilegalmente. Os dois promotores que atuam aqui são entusiastas do sistema. Os defensores públicos e os advogados acham ótimo. Em nível nacional, eu acredito que é algo que tem que se trabalhar, porque exige uma mudança de mentalidade. Com certeza há quem não goste, porque muita gente acha que a pessoa deve ficar presa a vida toda. Mas o Saab é um fator de pacificação dos presídios. O apenado sabe que vai receber o benefício no tempo necessário, só é preciso que ele tenha bom comportamento. A expectativa de receber um benefício é mais útil do que o medo de ser punido. E também tem o fator de redução da população carcerária e desse problema de superlotação.
Todos os benefícios estão condicionados ao bom comportamento, mas como ser bem comportado quando se está sujeito a tortura e condições desumanas, que são a realidade nos presídios nacionais?
Existem três tipos de falta: a leve, a média e a grave. Só quem comete faltas graves, como participar de rebelião, fugir, ter posse de droga ou arma, está sujeito a perder a progressão da pena. Eu costumo fazer duas audiências ao mesmo tempo – a de justificação, para que a pessoa possa dizer o motivo da falta [por que fugiu ou participou de uma rebelião] e a audiência de concessão do benefício. Eu reúno todos na mesma sala, em torno de uma mesa e digo: “Olhe, esses aqui completaram o tempo, tiveram bom comportamento e é isso que acontece com eles. Vão ter uma pena mais leve. Já os senhores estão aqui porque regrediram. Saibam que quando corrigirem essa falta, poderão ter seus benefícios também”. Isso é bom, porque eles veem o que perdem com o mau comportamento. Não é porque o estado deixa de cumprir sua parte que o apenado também vai deixar. Um erro não deve cobrir outro. Com relação às obrigações do estado, nós buscamos que ele também cumpra sua parte. Qualquer notícia de tortura a gente manda apurar.
No Dia das Mães do ano passado, em Teresina, foi a primeira vez que todos os 590 os detentos voltaram ao sistema depois de receberem o benefício da saída temporária, que é muito criticado, em especial pelo governo Bolsonaro. O que isso representa?
É a demonstração, em primeiro lugar, de amadurecimento dos apenados. Mostra que eles entenderam a importância de cumprir a lei e manter o direito ao benefício. Não é fácil você sair do presídio e voltar espontaneamente para ele. Chegar a 100% novamente não sei se vai acontecer, porque ser humano é muito difícil, mas é uma demonstração de que estão começando a entender a importância da reinserção social.
A expectativa de receber um benefício é mais útil do que o medo de ser punido.
A sociedade pensa que a saída temporária é abrir as celas e soltar quem está lá, mas esse benefício é para quem já está no semiaberto, que tem a oportunidade de sair da prisão todo dia para trabalhar. Mesmo assim, existe a cultura do medo, de dizerem que centenas de presos vão sair, que é para as pessoas terem cuidado. Se faz todo aquele clima antes da saída temporária, mas depois, quando as pessoas retornam, não se divulga. Uma vez uma pessoa me perguntou se ela podia viajar [por medo dos detentos que iam sair]. Eu não entendi por que essa pergunta. Não é assim! Eles não vão invadir a rodovia para cometer crimes. Eu lamento que na lei 13.964 [parte do Pacote Anticrime de Moro] haja essa previsão de restringir e proibir a saída temporária para quem comete crime de morte. É lamentável, porque não era para ser um direito só para alguns; deve ser para todos.
O Brasil tornou-se o terceiro país com mais presos no mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Debate-se muito como lidar com a superlotação, ao mesmo tempo que o governo atual defende prender mais. Como lidar com essa situação? Construir mais cadeias seria uma solução?
Há um problema sério, da ideia difundida na sociedade, de que a pena é somente a prisão. Isso vem sendo combatido já há um bom tempo. Existem várias políticas, especialmente do Conselho Nacional de Justiça, voltadas para esta questão de colocar a prisão como uma excepcionalidade. Mas hoje o Brasil tem capacidade para, no máximo, 400 mil presos e tem quase 900 mil. Não dá para se pensar em trabalhar a reinserção social sem criar vagas. Não dá para soltar metade dos presos do Brasil. Então, para que eles pudessem ser acomodados, teria que construir presídios, mas sempre com a ideia de prisão em última hipótese. É preocupante pensar em criar vagas para prender mais.
Quase metade da população carcerária no país é de presos provisórios, o que envolve a lentidão do judiciário em analisar esses casos. Como resolver esta questão?
Não é uma questão de morosidade, porque atualmente os juízes são muito cobrados quando permanecem com pessoas presas por tempo mais do que razoável. O que implica nisso [na superlotação] é a existência daquele entendimento de que a prisão é a solução. O Brasil tem cerca de 40% de presos provisórios. Isso não é um índice tão alto em nível mundial, mas é a consequência dessa pressão que existe, não só da sociedade, como também dos demais órgãos do estado, para que as pessoas sejam presas antes do julgamento. Mas agora, com essa Lei 13.964, ficando normatizado o entendimento do STF [de que prisão só deve ocorrer em última instância], acredito que vai diminuir ainda mais esse percentual [de presos provisórios].
A ideia de que bandido bom é bandido morto ou preso pelo resto da vida toda é reafirmada inclusive por alguns membros do judiciário, a exemplo do atual governador do Rio de Janeiro e ex-juiz federal Wilson Witzel. Por que o punitivismo agrada tanta gente, inclusive pessoas que deveriam defender o cumprimento da lei?
Eu acho até compreensível que a vítima tenha esse sentimento de querer que o seu agressor seja punido com a pena mais alta. Não acho errado que a pessoa que foi agredida, que teve familiares mortos, foi estuprada ou ameaçada com revólver… é perfeitamente compreensível a revolta. A sociedade se sente fragilizada pela violência e acha que a solução é a prisão. Mas, para o operador do direito, seria conveniente entender que isso não resolve. É um pensamento um tanto quanto esquizofrênico. No Brasil não existe pena de morte, nem prisão perpétua. Então, se você jogar a pessoa lá [na prisão], muitas vezes está fortalecendo as organizações criminosas e preparando a pessoa pra sair especialista, um doutor em crimes. É exatamente atuando na área que a gente deve mostrar para a sociedade que há possibilidade, sim, de reinserção social.
O que o senhor acha do Pacote Anticrime proposto pelo ministro Sergio Moro e sancionado por Bolsonaro em dezembro?
O pacote tem várias vertentes e foi muito modificado. No caso desse aumento de penas, do aumento do tempo de prisão para ganhar a progressão, acho um grave problema. Podemos até discutir a questão de mais tempo de prisão em alguns crimes, mas isso não é uma discussão para agora, não para nossa realidade. Hoje não há vagas nem para metade dos presos. Aumentar o tempo significa criar mais problemas. Teríamos que ter prisões em condições efetivas de segurança e reinserção social. Só prender, só aumentar a pena, dá uma satisfação para dizer que está combatendo a criminalidade, mas não vejo como o resultado possa ser benéfico.
É preocupante pensar em criar vagas para prender mais.
Um ponto positivo é essa normatização do Supremo Tribunal Federal que acaba com aqueles entendimentos diversos sobre a prisão preventiva. Ficou estabelecida que ela é uma última opção e só deve ser aplicada quando preenchidos os requisitos de periculosidade da pessoa ou pela forma como o crime foi praticado. Então, a prisão fica [entendida] como algo que não deve ser regra, mas a exceção.
O Judiciário tem sido alvo de muitas críticas, incluindo denúncias de corrupção e venda de sentenças. A existência do juiz de garantias poderia evitar deslizes dos magistrados?
Há um entendimento equivocado de que o juiz de garantias coloca em dúvida a imparcialidade do juiz. Não é isso. Estudos mostram que a pessoa que atua na produção das provas inconscientemente já teria um entendimento mais favorável à manutenção daquilo que foi colhido sob a sua presidência. Então, é um avanço para se buscar ainda mais decisões e condenações dentro do rigor da lei. O problema é que efetivamente isso vai criar despesas. Com certeza vão ter que ser criados cargos de juízes, cargos de servidores. Talvez fosse melhor se tivessem passado mais tempo discutindo, inclusive com o Judiciário, a sua implementação.
O que o poder público deve fazer para garantir a reinserção social e diminuir os casos de reincidência no crime?
O Piauí tem uma vantagem que não existe em nenhum outro estado, que é a lei estadual 6.344, de 2013, que cria uma reserva de vagas [de trabalho] nos contratos de obras e serviços do ente público com as empresas privadas para apenados. Infelizmente, há problema no cumprimento no Executivo, mas é totalmente cumprido pelo Tribunal de Justiça – 5% das vagas são para apenados e egressos [que já cumpriram a pena]. Aqui na vara temos duas pessoas que trabalham conosco, devido ao programa Reconstruindo Vidas, que criamos para ajudar quem está nesse processo de reinserção social. Pecamos pela falta de oportunidade de trabalho dentro dos presídios. As pessoas ficam ociosas, sem ter absolutamente nada para fazer. Seria importante ter emprego, porque são quase todos pobres. Então, eles teriam uma renda e isso ia contar para a diminuição da pena também.
Os presos têm interesse em trabalhar?
Por baixo, segundo as informações da própria direção dos estabelecimentos prisionais, 80% dos presos querem trabalhar. Eu acho que é até mais. Exatamente por isso, porque em sua imensa maioria são pobres, que precisam do trabalho para sustentar sua família. Além disso, a cada três dias de trabalho diminui um dia de pena. Não pode haver trabalho forçado, mas eu acho que, havendo a disponibilização, poucos não vão querer.
Quais as consequências de uma possível redução da maioridade penal?
É uma questão a ser discutida. Eu, particularmente, prefiro um projeto que tramita no Senado [já foi aprovado e está na Câmara para ser votado] que amplia o tempo de internação em casos de atos infracionais semelhantes a crimes mais graves. Em certos casos, três anos é pouco. Mas misturar, colocar adolescentes nos presídios junto com os presos, é uma ótima forma de capacitação para o crime. E nós não temos vagas. Esse é o problema.
Em Roraima, mais de 200 presos estão com um grave problema de pele. Eles relatam que a sensação é de estarem sendo comidos vivos. Nas redes sociais, muitas pessoas comemoraram essa situação. Como mudar esse entendimento de parte da população que não vê essas situações como desumanas – assim como quem aplaude notícias de tortura no sistema prisional?
É algo que eu não consigo entender, mas que está disseminado. Para a sociedade, bater num adulto vai fazer com que ele mude o comportamento. Repito, isso é por causa dessa nossa situação de insegurança. Então, as pessoas estão fragilizadas, com medo, e acham que a solução é ser rigoroso. No meu entendimento, o que se deve buscar é aplicar a lei para todo mundo. A tortura representa três coisas. Primeiro, é uma covardia, porque o preso não vai revidar, mesmo que ele tenha dois metros altura e de largura. Ele está lá recolhido e é covardia bater em alguém que não pode se defender. Em segundo lugar, ensina que quem tem poder pode fazer qualquer coisa. Então, dentro de uma cela, quem o prendeu tem poder. Na rua, com a arma, é ele que tem. Nós estamos ensinando que, na rua, ele pode fazer o que quiser conosco. Em terceiro lugar, tortura é crime. Não há o que se discutir.
O senhor defende que não importa qual crime tenha sido cometido por uma pessoa com transtorno psiquiátrico, ela deve receber tratamento e não punição. Como é possível fazer justiça nesses casos?
Primeiramente, o que é a justiça? Teoricamente é dar a cada um o que merece. Nesse caso, a pessoa cometeu o crime, mas não foi porque quis. Foi em razão do seu problema mental. Pela lei, tem de ser aplicada a medida de segurança. Só que a lei diz que é por tempo indeterminado, com revisão a cada um a três anos. E quem é punido com pena de reclusão tem que ser internado. Só que o que entendemos é que a lei 10.216, que é a Lei Antimanicomial, alterou o Código Penal e a Lei de Execução Penal. O que deve ser dado a essas pessoas é o tratamento necessário, não a vingança, não a punição de alguém que não sabia o que estava fazendo ou não conseguia se controlar. Devemos dar a essa pessoa o que ela precisa para que possa ter uma vida mais normal possível. É exatamente o tratamento necessário, durante o tempo necessário. Nesses quatro anos do Programa, nós já desinternamos mais de 40 pessoas e nunca tivemos problemas.
Antes, as pessoas ficavam mais de 20 anos internadas em uma prisão. Ali não tinha nada de hospital. Se ela não fosse inimputável, já teria tido liberdade condicional. Era como se as pessoas com transtornos mentais fossem as únicas submetidas à prisão perpétua, sem condição nenhuma de tratamento. Isso que é injustiça.
Como o senhor avalia a corrente de pensamento que defende o abolicionismo penal, ou seja, o fim das prisões para todos os crimes?
Eu não sou dessa corrente. Sou da corrente do direito penal mínimo. O direito penal e a prisão têm que ser aplicados aos casos graves, como aqueles que causam repercussão na sociedade, para evitar que o crime seja novamente cometido. O abolicionismo não seria razoável, pelo menos não no estágio em que a sociedade se encontra. A pessoa cometer crimes e não ser punida? Um homicida, estuprador ou corrupto que desviou milhões de verba pública não ser punido seria até um incentivo. Entendo que a pena de prisão é necessária, mas deve ser executada e deve ser cumprida na forma da lei e da Constituição Federal, que diz que não existe trabalho forçado, que as pessoas são serem humanos, mesmo estando presas, e têm direito à vida, à saúde e à segurança.
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