Conversas mostram que procuradores abriram mão de controle sobre acordos com justiça americana para evitar influência de governo petista.

‘EUA estão com faca e queijo na mão’

Lava Jato fez de tudo para ajudar justiça americana – inclusive driblar o governo brasileiro

A máquina da morte da extrema direita está literalmente botando fogo em nosso país, enquanto muitos fingem que não.

Ela tem trilhões de reais para gastar em propaganda, e a grande mídia está muito feliz em aceitá-los.

Mas no Intercept praticamente cada centavo vem de você, nosso leitor. E, em 2025, precisamos nos unir e lutar mais do que nunca.

Podemos contar com você para atingir nossa meta de arrecadação de fim do ano? O futuro depende de nós.

QUERO APOIAR

A máquina da morte da extrema direita está literalmente botando fogo em nosso país, enquanto muitos fingem que não.

Ela tem trilhões de reais para gastar em propaganda, e a grande mídia está muito feliz em aceitá-los.

Mas no Intercept praticamente cada centavo vem de você, nosso leitor. E, em 2025, precisamos nos unir e lutar mais do que nunca.

Podemos contar com você para atingir nossa meta de arrecadação de fim do ano? O futuro depende de nós.

QUERO APOIAR

As mensagens secretas da Lava Jato

Parte 34

Série de reportagens que revelaram atitudes controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador renomado Deltan Dallagnol, em colaboração com o ex-juiz, Sergio Moro.


Conversas vazadas de procuradores do Ministério Público Federal revelam o funcionamento de uma colaboração secreta da operação Lava Jato com o Departamento de Justiça dos EUA, o DOJ, na sigla em inglês. Os diálogos, analisados em parceria com a Agência Pública, mostram que a equipe liderada pelo procurador Deltan Dallagnol fez de tudo para facilitar a investigação dos americanos – a tal ponto que pode ter violado tratados legais internacionais e a lei brasileira.

A Lava Jato é notória por sua estratégia midiática: raramente uma ação de busca e apreensão ou condução coercitiva foi realizada sem a presença das câmeras de tevê. Mas a equipe de Dallagnol fez de tudo para manter sua relação com procuradores americanos e agentes do FBIno escuro.

Os “Americanosnão querem que divulguemos as coisas”, justificou Dallagnol num bate-papo com um assessor de comunicação em 5 de outubro de 2015. Era a resposta ao aviso de que a “imprensa está em polvorosa com a vinda de agentes/promotores dos eua para cá esta semana”.

À época, ao menos 17 americanos viajavam para a sede do MPF em Curitiba para quatro dias de reuniões com a força-tarefa. Deltan tentou manter sigilo, mas a visita vazou para jornalistas. E foi pela imprensa que o Ministério de Justiça – comandado pelo petista José Eduardo Cardozo – soube da vinda dos investigadores estrangeiros quando eles já estavam no Brasil.

O tratado de assistência legal mútua assinado por Brasil e EUA, chamado de MLAT, na sigla em inglês, estipula que caberia a Cardozo aprovar colaboração jurídica entre os procuradores brasileiros e americanos. Mas isso era tudo que Dallagnol queria evitar.

“Eu não goste da ideia do executivo olhando nossos pedidos e sabendo o que há”, ele disse a um colega. Era uma resposta sobre dúvidas relacionadas à visita levantadas por um delegado federal que trabalhava no DRCI, a divisão do Ministério de Justiça que faz a coordenação de cooperação internacional.

Conversas indicam que Lava Jato atropelou regras que disciplinam a atuação de procuradores da República.

Quando o governo Dilma Rousseff descobriu a visita, ficou “indignado”, segundo Vladimir Aras, procurador responsável pela cooperação internacional na Procuradoria Geral da República, a PGR, disse a Dallagnol. Foi então que o chefe do DRCI enviou várias perguntas a respeito do passeio dos americanos no Brasil à PGR. Mas Dallagnol convenceu Aras a limitar as informações que repassaria ao DRCI, revelam as conversas entregues ao Intercept. O chefe da Lava Jato resistiu até mesmo a enviar os nomes dos agentes americanos que estavam em Curitiba. “Os contatos estão sendo feitos de acordo com as regras nacionais e internacionais. Sugiro que sugira que o DRCI pare de ter ciúmes da relação da SCI/MPF com outros países rs”, Dallagnol escreveu.

Não é verdade. As informações do arquivo entregue ao Intercept indicam que — de novo — Dallagnol e seus colegas atropelaram as regras que disciplinam a atuação de procuradores da República.

Além do governo federal, o próprio Aras parecia receoso quanto à atitude do colega de Curitiba: “Delta, como já conversamos, essa investigação dos americanos realmente me preocupa. Fiquei tranquilo quando vc garantiu que esse grupo de americanos não fez investigações em Curitiba quando esteve aí”, ele escreveu em um bate-papo privado. “O MPF e a SCI não podem permitir isso”, Aras insistiu.

Mas os americanos pareciam ter uma outra perspectiva sobre a visita. Os pedidos de visto de pelo menos dois dos promotores do Departamento de Justiça dos EUA informam que eles planejavam ir a Curitiba “para reuniões com autoridades brasileiras a respeito da investigação sobre a Petrobras”, e que “o objetivo das reuniões é levantar evidências adicionais sobre o caso e conversar com advogados sobre a cooperação de seus clientes com a investigação em curso nos EUA”. Esses documentos são do Ministério das Relações Exteriores brasileiro e foram obtidos recentemente pelo Intercept – não fazem parte do arquivo da Vaza Jato.

Lava Jato fez de tudo para ajudar justiça americana – inclusive driblar o governo brasileiro

Vladimir Aras com o então procurador-geral da República Rodrigo Janot: o responsável pela cooperação internacional no MPF demonstrava estar contrariado com o modo de agir de Dallagnol.

Foto: Evaristo Sa/AFP via Getty Images

‘Esse é o ponto da minha preocupação’

Os promotores e policiais americanos passaram seus dois primeiros dias em Curitiba imersos em apresentações dos procuradores brasileiros sobre os delatores premiados da Lava Jato. Em seguida, gastaram mais dois dias em reuniões com os advogados de vários desses colaboradores. Tudo foi feito na sede do MPF na capital paranaense.

Na resposta ao DRCI, Aras e Dallagnol garantiram que “A presença dessa missão americana é de interesse da Justiça brasileira, porque facilita a formalização de futuros pedidos de cooperação, por intermédio da autoridade central”. Mas, no processo formal de cooperação, seguindo as regras do MLAT, o governo brasileiro pode negar apoio aos americanos caso a “solicitação prejudicar a segurança ou interesses essenciais” do país. É esse o provável motivo do chefe da Lava Jato para preferir que sua relação com DOJ e FBI fosse a mais informal possível. Assim, ele não precisaria – como manda a regra – colocar o governo na conversa.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Dias depois da partida dos americanos de Curitiba, o procurador Orlando Martello rascunhou um e-mail para os americanos em que os incentiva a conduzir as entrevistas com delatores diretamente nos EUA. Assim, não teriam que obedecer às restrições da lei brasileira. Martello também se ofereceu para “pressioná-los um pouco para ir para os EUA, em especial aqueles que não têm problemas financeiros, dizendo que essa é uma boa oportunidade”. Por fim, ofereceu estratégias para que os americanos fizessem interpretações “mais flexíveis” da lei e de decisões do Supremo Tribunal Federal.

‘Isso atende o que os americanos precisam e não dependerão mais de nós’.

Os procuradores da Lava Jato poderiam ter insistido para que os acordos com delatores nos EUA fossem feitos segundo o MLAT. Mas, como vários dos colaboradores não estavam presos e estavam sendo convidados a ir aos EUA voluntariamente, isso não era obrigatório – e serviu como uma oportunidade para Dallagnol e sua equipe.

“O ideal seria eles pedirem isso via DRCI”, recomendou Aras, que parecia contrariado – ou temeroso – com a atitude do colega. Mas, quando os americanos avisaram que a intenção deles era fazer os acordos diretamente com os advogados, que já conheciam graças às reuniões em Curitiba, Dallagnol deu aval.

“Pelo que entendi não há nenhum papel firmado por vcs concordando com tais viagens, ou há? Esse é o ponto da minha preocupação”, perguntou Aras quando soube. “Nenhum papela nosso concordando, com certeza”, Dallagnol garantiu. “Melhor assim. Joia”, respondeu o colega.

Quase dois meses seguintes à reunião em Curitiba, as preocupações de Aras se acumularam quando Dallagnol o informou de que “o DOJjá veio e teve encontro formal com os advogados dos colaboradores, e a partir daí os advogados vão resolver a situação dos clientes lá… Isso atende o que os americanos precisam e não dependerão mais de nós”. Na visão de Dallagnol, os “EUA estão com faca e queijo na mão” — a investigação nos EUA já era um fato consumado, que nem o MPF nem o governo Dilma poderiam frear. Os acordos de delação nos EUA continuam sob sigilo até hoje.

Enquanto isso, a relação entre os americanos, a PGR e o governo brasileiro deteriorava. A percepção geral era de que faltava reciprocidade. Aras chegou a pedir que a Lava Jato parasse de prestar apoio aos estrangeiros. “Alguém tem de pagar o pato pelo DOJ rsrsr”, disse Aras em agosto de 2017. Mas Dallagnol se recusou. Não quis colocar em risco sua relação com os americanos.

Em 2018, a Petrobras aceitou pagar uma multa de US$ 853 milhões nos EUA – 80% do dinheiro voltou ao Brasil. O plano da Lava Jato era investir a metade disso em um fundo privado, sediado em Curitiba, para financiar projetos que “reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”. À época, isso equivalia a R$ 1,25 bilhão – para efeitos de comparação, era quase um terço do orçamento anual do MPF. O dinheiro seria administrado por um conselho em que o MPF teria assento, mas nunca ficou claro como ele poderia ser gasto e fiscalizado.

Logo que se tornou pública, a intenção da Lava Jato foi abortada pelo STF, que a considerou inconstitucional. Na época, o ministro Gilmar Mendes deu uma surra na proposta, dizendo que os promotores que supostamente lutavam contra corrupção estavam “participando de uma corrida do ouro”.

Outro lado

O Departamento de Justiça dos EUA não quis comentar a reportagem.

A assessoria de imprensa da operação Lava Jato disse ao Intercept que “Eventuais reuniões com autoridades alienígenas — e foram dezenas, algumas presenciais e outas virtuais com diversos países — não necessitam de qualquer formalização via DRCI, mas apenas autorização interna dos respectivos órgãos interessados”.

Também afirmou que “Vários colaboradores procuraram diretamente autoridades estrangeiras – e não apenas os EUA – para formalizar diretamente acordos de colaboração”. “Isso foi – e é – incentivado pelo MPF”, prosseguiu a nota da assessoria.

Aras defendeu a legalidade da visita e disse ao Intercept que eles “não estão obrigados a revelar ou a reportar esses contatos a qualquer autoridade do Poder Executivo”. Segundo Aras, “o contato direto entre membros do Ministério Público de diferentes países é uma boa prática internacional”.

Ricardo Saadi, ex-chefe da DRCI, disse ao Intercept que não lembrava se o Ministério Público respondeu às suas perguntas sobre a visita de outubro de 2015. Ele acrescentou que “O contato informal e direto entre as autoridades de diferentes países é permitido e previsto em convenções internacionais. Para esse tipo de contato, não há a necessidade de elaboração de pedido baseado no MLAT”.

Para ler mais sobre a relação secreta da Lava Jato com o FBI e o Departamento de Justiça dos EUA, veja as reportagens completas no The Intercept (em inglês) e na Agência Pública (parte 1 e parte 2).

JÁ ESTÁ ACONTECENDO

Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, precisamos arrecadar R$ 500 mil até a véspera do Ano Novo.

Você está pronto para combater a máquina bilionária da extrema direita ao nosso lado? Faça uma doação hoje mesmo.

Apoie o Intercept Hoje

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar