A Dra. Jennifer Rhodes-Kropf tem motivos para crer que pode estar contaminada pelo novo coronavírus. Na semana retrasada, seu marido ficou doente e teve tosse seca, depois de pegar vários voos e comparecer a congressos. No fim de semana seguinte, sua filha de 8 anos teve febre alta e tosse. Rhodes-Kropf conseguiu fazer em sua filha os exames de gripe e citomegalovírus, uma outra infecção viral comum, e ambos deram negativo – mas não conseguiu um exame de coronavírus para si, nem para os demais membros de sua família. Embora todas as pessoas ainda não acometidas pela doença viral que está varrendo o mundo estejam com medo, Rhodes-Kropf tem um motivo especial para se preocupar: ela cuida de 185 pacientes com idade média de 91 anos. Se ela tiver o novo coronavírus, conhecido como SARS-CoV-2, e o transmitir para seus pacientes, pode ser um desastre.
“Eles normalmente são muito frágeis”, explica Rhodes-Kropf, que é geriatra e atende em Boston. “Se eles pegarem o vírus, muitos não sobreviverão.” Um relatório divulgado ontem pelo Centro de Controle de Doenças, CDC na sigla original, confirma seu receio: até 9 de março, haviam falecido 27% dos 130 pacientes do Life Care Center de Kirkland que contraíram a doença.
A médica, que agora está atendendo apenas casos urgentes, usando uma máscara N95, tentou fazer o exame. Primeiro ela pediu ao pediatra da filha, depois consultou um hospital local. Porém, mesmo depois de explicar que era médica, cuidava de pacientes idosos e tinha motivos para suspeitar que pudesse ter sido exposta ao vírus, não conseguiu encontrar um lugar que fizesse o teste. As diretrizes de exame do Centers for Disease Control and Prevention [Centro de Controle e Prevenção de Doenças], o CDC, dizem que os testes de coronavírus devem ser feitos em pessoas que vivem em comunidades atingidas e apresentam sintomas. Ainda assim, muitas pessoas que já apresentam febre e tosse seca típica da covid-19 não estão conseguindo fazer o exame. Para os assintomáticos, é praticamente impossível, mesmo havendo evidências científicas robustas de que eles podem espalhar a doença.
A escassez disseminada de testes nos Estados Unidos prejudicou a capacidade do país de responder à epidemia letal de coronavírus. Uma vez que as pessoas podem estar infectadas e transmitir o vírus sem apresentar sintomas, identificar os casos de contaminação é crucial para retardar o avanço da doença. Embora parte do contágio esteja sendo refreada pelo isolamento social e pelas medidas de confinamento, normalmente há exceções para médicos e outros profissionais essenciais. Muitos desses prestadores de serviços da linha de frente, no entanto, não estão conseguindo ser testados. Isso deixa seus pacientes vulneráveis em especial risco, e os próprios profissionais de saúde de mãos completamente atadas.
“Eu fiz um juramento de proteger pacientes mais velhos”, diz Jennifer Brinckerhoff, outra geriatra da área de Boston, que cuida de 250 pacientes muito idosos. “Mas tenho consciência de que simplesmente por adentrar aquela porta e ter contato, conversar com meus pacientes, eles podem estar sendo expostos”, explica. “Isso me parece uma violação ética.” Por outro lado, diz Brinckerhoff, ela e seus colegas também ficam muito incomodados com a ideia de deixar de trabalhar e ficar em casa, “porque, se não cuidarmos das pessoas lá, elas têm mais de 90 anos”.
Como Rhodes-Kropf, Brinckerhoff também tentou fazer o exame para o novo coronavírus e não conseguiu. Ela entrou em contato com o consultório de seu médico, que disse que ela “precisaria de uma exposição documentada a um caso confirmado”. Embora Brinckerhoff não tenha nenhum sintoma da doença e diga que não quer mentir a respeito, ela perguntou se poderia fazer o exame caso tivesse febre. “E eles disseram que não, pelos critérios atuais.” Então Brinckerhoff, como vários outros de seus colegas, passou horas tentando descobrir, sem sucesso, onde profissionais de saúde assintomáticos poderiam ser testados para o vírus.
Brinckerhoff está em trabalho remoto desde a última terça-feira (17). Porém, uma vez que os pacientes idosos frequentemente precisam de ajuda para comer, tomar banho e outras funções básicas, acabam tendo contato regular com uma equipe de enfermeiras, auxiliares e outros cuidadores – poucos dos quais poderiam ter acesso aos exames.
O mesmo se aplica aos familiares de quem os idosos dependem. “Todas as pessoas com demência precisam de alguém”, diz Virginia Templeton, diretora-executiva da MemoryCare, uma organização sem fins lucrativos em Ashville, na Carolina do Norte, que oferece cuidados ambulatoriais para pacientes com perda de memória e seus cuidadores principais. A MemoryCare, como muitos estabelecimentos semelhantes, está agora no processo de converter suas consultas em telemedicina. Embora a temperatura de todas as pessoas que entraram no estabelecimento nos últimos dias tenha sido medida, “não é simples identificar os portadores se não há sintomas”. Templeton diz que não fez o exame porque não se enquadrava nos critérios, mas que mora com um familiar que é profissional de saúde de emergência.
Segundo o relatório do CDC publicado na última quarta-feira (18), funcionários da casa de repouso de Kirkland que foram trabalhar contaminados pelo vírus, juntamente com a escassez de equipamentos de proteção e a capacidade limitada de testagem, contribuíram para a letalidade do surto no estado de Washington. O relatório concluiu que os estabelecimentos de cuidados de longo prazo deveriam “identificar e excluir funcionários e visitantes potencialmente infectados, assegurar a detecção precoce dos pacientes potencialmente infectados, e implementar medidas adequadas de controle de infecção.” Não disse, no entanto, como os funcionários poderiam obter os testes.
Além disso, a recomendação da agência federal, publicada na quarta passada, chegou tarde demais para as casas de repouso nos estados de Vermont, Illinois, Colorado, Texas, Flórida, Oklahoma e Wyoming, que já estão reportando seus próprios casos de covid-19.
Tradução: Deborah Leão
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