Após descobrir que no presídio mais superlotado do Rio de Janeiro havia – até então – quatro presos com suspeita de coronavírus cumprindo quarentena dentro da unidade, resolvi olhar para outros estados. Olhei com especial atenção ao caso de Roraima, onde houve um surto de piodermite (doença derivada da sarna humana) que “comeu vivo os presos” da penitenciária Agrícola de Monte Cristo neste ano. Na época, apesar de o Ministério Público dizer que quase 700 dos quase 2 mil presos tinham contraído a enfermidade, o governo do bolsonarista Antônio Denarium seguiu negando que havia problema. Estamos vendo a inação do governo mais uma vez, mas agora é ainda mais grave.
Tive acesso com exclusividade a um documento no qual a juíza responsável pela Vara de Execuções Penais, a VEP, é categórica: é “uma situação cujo risco da demora resultará em mortes”. No pedido de providências, a juíza Joana Sarmento de Matos mostra preocupação – e com razão. Planos emergenciais para conter a transmissão do coronavírus não foram elaborados pelos órgãos responsáveis em Roraima.
Mas Denarium, cuja vitória contou com a ajuda de empresários do setor varejista, segue imóvel perante a exigência do Judiciário de implementar um plano de ação para conter a disseminação do coronavírus no sistema prisional de Roraima, que abriga 2.932 presos para 706 vagas disponíveis. É o estado com maior superlotação carcerária do país.
A VEP deu prazo até 29 de março para o governo tomar providências. Mas o Executivo estadual não deve se mexer. Aliás, já avisou que não há muito o que fazer. O secretário da Justiça e da Cidadania de Roraima, André Fernandes, enviou um ofício ao procurador-geral de Roraima em 20 de março sobre a situação das cadeias ao qual também tive acesso.
No ofício, Fernandes destacou que algumas medidas solicitadas pela VEP estão sendo cumpridas, mas não há como cumprir todas. E as explicações para não cumpri-las são desconcertantes.
O secretário disse não ser possível fazer o isolamento como o proposto pela VEP porque as prisões estão em reforma e não há efetivo suficiente para a guarda, custódia e vigilância dos reeducandos. Além disso, disse não haver água encanada “para consumo humano e nem para que seja realizada a constante higienização das mãos dos reeducandos” na Cadeia Pública Masculina de Boa Vista e na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, onde houve o surto de doença de pele em janeiro.
E pior: não há sequer porta nas celas “para que seja possível manter os reeducandos privados de liberdade e há a presença de trabalhadores das obras nas construções”. Ou seja: o intercâmbio intra x extramuros está aberto, mesmo que haja a suspensão de visitas.
Pesquisadores têm clamado por medidas urgentes e imediato isolamento. Estima-se que se não cumpridas as devidas medidas de prevenção, cerca de meio milhão de pessoas podem morrer no Brasil.
O Judiciário tenta fazer seu trabalho, mas o governador Denarium, ao que tudo indica, parece ter outras prioridades diante de uma pandemia.
Frente à inércia, os outros poderes têm que se mexer. Por isso, a magistrada solicitou o isolamento preventivo novos detentos, preocupada corretamente com preocupante possibilidade de uma contaminação em massa e prevendo o colapso do sistema penitenciário e de saúde local.
A população de Roraima – e por conseguinte a do Brasil todo – está com uma granada sem pino na mão. E equilibra o artefato enquanto seus governantes batem cabeça.
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