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Trump pode usar o coronavírus para guerra contra o Irã

O estrangulamento da economia do Irã e o estrago provocado pela covid-19 não são suficientes para Trump – mesmo que uma guerra seja um desastre estratégico.

Soldados do 82º batalhão aéreo norte-americano embarcam em um avião de transporte militar C-17 em Fort Bragg, Carolina do Norte, rumo ao Oriente Médio, em 1º de janeiro de 2020.

A crise do coronavírus

Parte 54


O noticiário está tomado pelo coronavírus. Nos canais a cabo, nos jornais, nas rádios ou no meu podcast do Intercept. Não temos como escapar.

A pandemia arrebatou todo mundo. Fica difícil falar, pensar, sonhar sobre outro assunto.

Mas peço sua atenção por uns instantes para apontar em outra direção. Por acaso vocês viram a matéria perturbadora de Mark Mazzetti e Eric Schmitt, publicada semana passada pelo New York Times, com a manchete: “Ordem do Pentágono para escalada no Iraque enfrenta alerta de comandante”? Não viram? Em meio à desolação provocada pelo vírus, essa história conseguiu me dar um novo frio na espinha.

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Do New York Times:

O Pentágono ordenou que os comandantes militares planejem uma escalada do combate norte-americano no Iraque. Enviada semana passada, a diretiva visa preparar uma campanha para destruir uma milícia apoiada pelo Irã que ameaçou realizar novos ataques contra as tropas dos Estados Unidos.

Mas o mais alto comandante dos Estados Unidos no Iraque advertiu que uma campanha desse tipo poderia ser sangrenta e contraproducente, com o risco de resultar em uma guerra com o Irã. Na semana passada, em um memorando que vai direto ao ponto, o comandante, tenente-general Robert P. White, afirmou que uma nova campanha militar também exigiria o envio de centenas de tropas ao Iraque, além de ser necessário redirecionar recursos voltados à missão prioritária dos Estados Unidos na região: o treinamento de tropas iraquianas para combater o Estado Islâmico.

Entendeu? Uma nova escalada militar do governo norte-americano no Iraque teria o “risco de resultar em uma guerra com o Irã”. Essa é a visão “direto ao ponto” do… mais alto general dos Estados Unidos no fronte.

Como já apontei mais de uma vez, um conflito com o Irã seria um desastre estratégico e humanitário. Os Estados Unidos acabariam matando milhares de pessoas inocentes. Teerã atacaria com grupos que apoiam o Irã na região e no mundo. Tropas norte-americanas no Iraque teriam um alvo pintado nas costas. O preço dos combustíveis iria disparar. Vale lembrar o que disse o ex-comandante do Comando Central dos Estados Unidos, general Anthony Zinni: “Como digo aos meus amigos, se você gosta do Iraque e do Afeganistão, vai amar o Irã”.

Pergunta: Que tipo de maníaco arrisca uma guerra em meio a uma pandemia global?

Resposta: o presidente Donald Trump, auxiliado e incentivado pelo secretário de Estado Mike Pompeo e pelo conselheiro de segurança nacional Robert O’Brien. Como informa o New York Times, eles “têm pressionado por novas ações agressivas contra o Irã e suas forças auxiliares – e veem uma oportunidade de tentar destruir as milícias apoiadas pelo Irã no Iraque, enquanto os líderes iranianos estão distraídos por conta da pandemia que o país enfrenta”.

Para ser mais claro: um iraniano morre de covid-19 a cada 10 minutos, e a cada hora 50 pessoas são contaminadas no país. O número de mortes se aproxima rapidamente de 3.000. Entretanto, para Trump e seus aliados, trata-se de uma “oportunidade” para empurrar sua agenda beligerante e repulsiva.

Como costuma acontecer, no entanto, o alto escalão militar dos Estados Unidos não se entusiasma menos com novos conflitos no Oriente Médio do que os líderes civis. “Lideranças militares, incluindo o secretário de Defesa, Mark T. Esper, e o chefe do Estado Maior Conjunto, Mark A. Milley, temem uma escalada militar acentuada”, relata o New York Times, “alertando que isso poderia desestabilizar o Oriente Médio no momento em que Trump diz esperar reduzir o número de tropas na região”.

Lembra do assassinato do general e chefe de espionagem iraniano Qassim Suleimani, executado pelos Estados Unidos em 3 de janeiro? Isso parece ter acontecido muito tempo atrás. Na época, o governo Trump alegou que a morte de Suleimani “visava dissuadir futuros planos de retaliação do Irã”.

Como isso aconteceu? No sábado, o Washington Post noticiou que “milícias apoiadas pelo Irã estão se tornando mais ousadas no ataque a norte-americanos no Iraque, com o uso de mísseis contra as bases militares acontecendo de forma mais frequente e, pela primeira vez, à luz do dia”.

Portanto, segundo a própria análise do governo, conforme tuitou Matt Duss, conselheiro de política externa de Bernie Sanders, o assassinato de Suleimani “falhou em alcançar seu objetivo. Mas conforme a lógica infalsificável de ‘pressão máxima’, a única resposta é sempre… mais pressão e mais escalada.”

Mais pressão. Mais escalada. É sobre isso que o tenente-general Robert P. White tem tentando nos alertar. Mas alguém vai dar atenção a esse aviso? Em meio à atual crise do coronavírus, os democratas no Congresso vão querer ou ter condições de exigir audiências sobre a perigosa e irresponsável política do governo em relação ao Irã? Trump e sua equipe não parecem se importar com as implicações internas de uma nova guerra no estrangeiro. Esse é um governo que anuncia publicamente uma nova rodada de sanções punitivas à já castigada economia iraniana, enquanto incita comandantes militares norte-americanos, em particular, a intensificar o conflito com os iranianos no Iraque.

Menos de duas semanas atrás, ao descrever a crueldade e indiferença de manter sanções ao Irã enquanto uma pandemia varre o país, classifiquei as lideranças do governo dos Estados Unidos como “sociopatas”. Agora descobrimos, graças a um memorando interno escrito por um general norte-americano e vazado ao New York Times, que estrangular a economia iraniana não é suficiente para Trump e companhia. Eles estão inclinados a usar a contaminação de uma doença mortal como apoio para uma nova guerra.

Chamá-los de “sociopatas” talvez seja pouco.

Tradução: Ricardo Romanoff

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