A linha moral desta nova era atingiu níveis “nunca antes vistos na história desse país”. A (não) gestão de Jair Bolsonaro sob a maior crise sanitária da atualidade tem feito políticos abjetos como João Doria Jr. e Wilson Witzel parecem grandes estadistas.
Witzel acerta e acerta. Ele acertou quando desafiou Bolsonaro, colocou a população do Rio de Janeiro em quarentena e renovou o período de isolamento. Enquanto isso, Jair defendia o isolamento vertical, uma espécie de “PIB privado” da ciência, um conceito sem amparo científico.
Witzel acertou quando pediu: “Não siga atitudes impensadas e descoladas da realidade” e explicou que “essa decisão [isolamento social] é baseada na avaliação da OMS e das autoridades sanitárias”. Enquanto Jair distorcia o discurso do diretor-geral da entidade.
Acertou de novo quando anunciou parceria com a prefeitura do Rio para a construção de um hospital de campanha, a distribuição de cestas básicas e nas tentativas de suspender por 60 dias a cobrança dos serviços públicos como água, luz e gás por causa da crise motivada pelo coronavírus.
João Doria tem tomado medidas parecidas e subiu o tom: “Estamos fazendo o que deveria ser feito pelo líder do país, o que o presidente Jair Bolsonaro, lamentavelmente, não faz, e quando faz, faz errado”.
Mas não vamos perder o foco. Witzel, por exemplo, acusou Jair de “fazer política” com o coronavírus. Política de saúde pública é política. Doria inclusive – num momento de sobriedade política que lhe é tão raro – abaixou as armas e acenou a Lula, que o tinha elogiado. Um excelente movimento em direção ao que clamamos há tempos, a tal da frente ampla.
Mas Doria segue sendo Doria, e Witzel nada mais é que Witzel, apesar da nova capa de estadista.
Doria, por exemplo, mostrou sua essência de “gestor” quando elogiou a medida provisória absurda proposta por Bolsonaro que previa cancelamento de contratos de trabalho. A MP foi cancelada no mesmo dia.
Witzel segue sendo rasteiro e operando por debaixo dos panos. No dia 24 de março, em meio a esta grave crise, publicou o decreto 46.992, que instituiu a Comissão de Privatização da Cedae, mais um passo em direção a desestatização da companhia de águas e esgoto do Rio. Apesar da privatização ser um plano antigo dos governadores do Rio, a informação praticamente passou batida nos grandes jornais. Eles seguem operando suas agendas, apesar da fantasia atual de bons moços.
Essa fantasia, diga-se, é muito limitada. O velho hábito de sonegar informações, por exemplo, não saiu de moda. Em São Paulo, dois detentos que cumpriam pena na penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, morreram com dificuldade para respirar. Entre agentes e enfermeiros, a suspeita é de que eles estavam com coronavírus. Mas, oficialmente, as mortes foram registradas como naturais.
O Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo diz que há agentes penitenciários afastados por suspeita de coronavírus e que não há equipamentos de proteção e limpeza o suficiente para o trabalho diário. A Secretaria de Administração Penitenciária nega que haja agentes e presos infectados e acusa quem diz o contrário de estar “aproveitando-se de uma grave crise de saúde pública”. Um posicionamento um tanto “curioso” vindo de um governo que se diz defensor dos agentes de segurança – usei curioso entre aspas porque, na verdade, isso é bem normal: as forças de segurança são usadas politicamente por oportunistas desde sempre. São “bucha”, como se diz. A preocupação do governo com seus agentes vai até a página dois.
No Rio, o coronavírus, como bem pontuou o ex-corregedor da PM, Wanderby de Medeiros, tem sido a melhor política de segurança pública do Estado – embora seja uma política sanitária: houve redução de 11% no número de tiroteios na região metropolitana do Rio.
No fim, Doria e Witzel ganharam 10 pontos comigo – mas estão me devendo uns 5.918.
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