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Nossos supervisores falavam: ‘o coronavírus não é nada, vamos para rua, vamos para cima!’, diz ex-vendedora da Vivo

Terceirizada da gigante de telecomunicações conta como perdeu emprego ao se recusar a colocar o filho doente e a mãe diabética e hipertensa em risco.

Nossos supervisores falavam: 'o coronavírus não é nada, vamos para rua, vamos para cima!’, diz ex-vendedora da Vivo

A crise do coronavírus

Parte 90


Nossos supervisores falavam: ‘o coronavírus não é nada, vamos para rua, vamos para cima!’, diz ex-vendedora da Vivo

Foto: Acervo pessoal/Débora Stefani Pereira Matos

Quando a prefeitura de Sorocaba, interior de São Paulo, decretou estado de calamidade pública e o fechamento do comércio para evitar o avanço do coronavírus, a vendedora Débora Stefani Pereira Matos respirou aliviada. Ela mora com pessoas que estão no grupo de risco e tinha medo de contaminá-las por causa de seu trabalho – passar de porta em porta vendendo serviços de telecomunicações da Vivo.

No mesmo dia do decreto, 21 de março, um sábado, ela recebeu uma mensagem de seus chefes com a meta de vendas esperada para o dia. Contratada pela Approach, que presta serviços à Vivo, Matos achou aquilo estranho. Afinal,a prefeitura estava enviando equipes para fiscalizar o respeito à quarentena, e o serviço que ela executa não é considerado essencial.

“Eu não fui [trabalhar] porque a prioridade é minha família”, contou. Ela mora com o filho, que tem problemas respiratórios, e a mãe, diabética e hipertensa.

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Mas, dois dias depois, todos que não trabalharam ou questionaram a medida foram demitidos – inclusive Matos. De 17 pessoas, sobraram só quatro e dois supervisores. Eles haviam dito, dias antes da demissão, que tentariam encontrar uma solução para o problema de quem não podia trabalhar.

Matos ficou desesperada: faltavam poucos dias de terminar o contrato de experiência. Por isso, não teve direito a indenização trabalhista ou à multa sobre o FGTS.

Procurei a Approach, que tem unidades na capital e em cidades do interior como Sorocaba, Botucatu e Bauru, para ouvir a empresa sobre a decisão de manter seu trabalho durante a pandemia. Também perguntei à Vivo se concorda com os métodos utilizados pela terceirizada.

A assessoria da Vivo me enviou a seguinte nota: “A Vivo orienta que, todos os seus terceirizados que seguem trabalhando em campo neste momento de pandemia do coronavírus, cumpram com as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, e utilizem máscaras e álcool em gel”.

A Approach não respondeu até publicarmos o relato que você lê a seguir.

Fui contratada pela Approach, uma empresa terceirizada que vende pacotes de telefonia e internet da Vivo em cidades do interior de São Paulo, em 28 de janeiro. Em 21 de março, a prefeitura de Sorocaba, onde moro, decretou estado de calamidade pública para conter o avanço do coronavírus. Desde então, só funcionam os serviços essenciais e as pessoas devem manter isolamento social.

Eu trabalhava em condomínios de alto padrão, onde vivem muitas pessoas que estavam chegando de viagem da Europa e já ficavam confinadas. Eu marcava com zelador do prédio e ia lá para oferecer internet por fibra ótica, telefonia, tudo o que tem no catálogo da Vivo. Aí ficava lá explicando, apertava mão das pessoas… Até os moradores ficavam assustados com a gente, achando que era irresponsável.

‘Quem quisesse trabalhar podia continuar, quem não quisesse seria mandado embora’.

Tenho familiares diabéticos e com asma, que estão no grupo de risco. Fiquei preocupada, porque não queria ir para a rua e ser contaminada. Então perguntei se podia fazer a quarentena. Minha decisão era não ir mais trabalhar.

Eles responderam que iam fazer o possível para segurar a gente em quarentena, sem perder o emprego. Mas o que recebemos depois, como resposta, foi: quem quisesse trabalhar podia continuar, quem não quisesse seria mandado embora. Chamaram todo mundo para uma reunião e nosso superior já estava com a rescisão na mão do contrato das pessoas que queriam ficar em casa. Nossa equipe tinha 17 pessoas. Sobraram apenas quatro e mais dois supervisores.

Na época, disseram que a opção por manter o funcionamento da empresa foi por um acordo com o sindicato, mas depois soubemos que não houve. Todo mundo se sentiu muito lesado. Foi uma chantagem que fizeram para nos obrigar a trabalhar. Quem optou por não ir, foi afastado. Pelo menos pagaram a rescisão.

Nossos supervisores falavam: ‘o coronavírus não é nada, vamos para rua, vamos para cima!’, diz ex-vendedora da Vivo

Até a cidade onde mora decretar o isolamento, Debora Matos batia de porta em porta vendendo serviços de telecomunicações.

Foto: Acervo pessoal/Débora Stefani Pereira Matos

Essa conversa aconteceu num sábado, dia que as equipes se organizam para trabalhar e bater metas. Nossos supervisores disseram que iam segurar a gente, mas já estavam fazendo a lista de demissões. Fui demitida no dia 24 de março, quando assinei a rescisão. Eu ainda estava em contrato de experiência, que ia acabar dia 5 de abril. Mas tinha gente que não estava em experiência e também foi mandada embora.

Alguns colegas que têm pais idosos e não queriam trabalhar tiveram que ir mesmo assim no sábado, 21 de março, em Votorantim [cidade próxima a Sorocaba]. Eu não fui porque a prioridade é minha família. Mas meus colegas foram, obrigados, e mesmo assim foram mandados embora.

A empresa não dava máscaras e nem álcool gel. Cada um tinha que comprar o seu kit. Nem todos compraram, mas eu comprei. Mas tem gente trabalhando até hoje sem EPI [Equipamento de Proteção Individual].

Mesmo depois da quarentena, tínhamos meta para bater. Eles enviavam, no sábado, um papel com as metas. Cada vendedor tinha que atingir 5 mil pontos mensais e também outros objetivos diários, aos sábados. Por exemplo, se chegasse em 3 mil pontos no dia, ganhava uma pizza. A gente recebia uma lâmina com a pontuação de cada serviço que vendia. Um pacote de internet de 100 mega valia 100 pontos, por exemplo. Para começar a ganhar comissão, você precisava bater a meta, senão recebia só a base, que era de R$ 1.294. Com a comissão, vendendo bem, muito bem, dava para tirar no máximo uns R$ 3 mil, R$ 4 mil por mês.

A equipe da cidade que conseguisse alcançar a meta ganhava televisão, microondas, algum prêmio. Isso continua acontecendo até hoje. Não mudaram nada. Depois da pandemia, soube que teve churrasco e rodada de pizza para equipes ganhadoras.

Nossos supervisores falavam pra gente: ‘O coronavírus não é nada, vamos pra rua, vamos pra cima! Vamos galera, vamos beber!’. Eles estavam bem despreocupados, não estavam levando a sério a pandemia. Um dos supervisores tirava foto de quem estava na rua e mandava no grupo para criticar quem ficava em casa, querendo dizer que tinha gente vendendo, e a gente não.

Não sei o que a Vivo pensa sobre isso. Gostaria de saber. Também não sei se eles sabem que dispensaram vários funcionários bons, que davam resultado, sem justificativa. Passei uns dias trabalhando com meu marido. Ele tem uma empresa de jardinagem e paisagismo. Depois fui contratada por outra empresa de telefonia. Não sei quanto vou ganhar, porque depende de comissão, mas pelo menos estou trabalhando de casa.

 

Atualização: 23 de abril, 10h30

A primeira versão deste texto não continha a resposta enviada pela Vivo ao Intercept. O texto foi atualizado com a inclusão dela.

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