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Censura inédita na Escola Superior de Guerra e carta de Heleno mostram a falta de apreço dos militares pela democracia

Forças Armadas atuam como agentes político-partidários, algo proibido pela Constituição.

BRASILIA, BRAZIL - FEBRUARY 19: Secretary of Institutional Security and Brazilian Army General Augusto Heleno Pereira arrives for the inauguration ceremony of the  new president of the Superior Labor Tribunal (TST) Minister Cristina Peduzzi on February 19, 2020 in Brasilia, Brazil. After 72 years a Woman is Appointed to Take Office at the TST. (Photo by Andressa Anholete/Getty Images)

Censura inédita na Escola Superior de Guerra e carta de Heleno mostram a falta de apreço dos militares pela democracia

Foto: Andressa Anholete/Getty Images

Censura. Não há outro nome para o lamentável pedido que a Escola Superior de Guerra, a ESG, fez à Advocacia Geral da União, solicitando a possibilidade de punição a docentes civis que se posicionassem contra o presidente Jair Bolsonaro. Como a carta de Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, na qual o general da reserva faz grave ameaça contra o Supremo Tribunal Federal ao considerar o hipotético pedido para o recolhimento do celular do presidente, os militares presentes no governo federal indicam sua generalizada falta de apreço pela democracia.

O ofício da ESG, inédito na história democrática do país, solicitava não apenas controle sobre as falas dos docentes dentro dos muros da instituição, em palestras e congressos, mas também em “mídias sociais” (sic) e até “mesmo em casos de afastamento, como licenças particulares, férias, folga, entre outros.”

Pior ainda foi a tentativa de enquadrar o pedido na Lei de Segurança Nacional, enfatizando possível pena de reclusão de um a quatro anos. O ofício revela também que o abismo entre a academia científica e a militar não foi bem resolvido até hoje.

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Nos últimos 15 anos, intensificaram-se os esforços de aproximação entre militares e civis que se debruçam sobre os estudos de defesa. Desejável pelos dois lados, a aproximação rendeu frutos expressivos, como a criação de programas de pós-graduação, editais de financiamento de pesquisa, concursos de teses e dissertações, congressos, cursos, encontros acadêmicos e convênios institucionais com parcerias e colaborações que foram fundamentais para políticas públicas na área de defesa nacional e envolvendo as Forças Armadas brasileiras. Talvez o maior marco para a comunidade científica tenha sido a criação da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, a Abed, que passou a reunir acadêmicos civis e militares em encontros periódicos, onde a pluralidade, a crítica e a ciência norteavam (ou, pelo menos, deveriam nortear) as atividades.

A participação de militares na vida acadêmica, e vice-versa, é desejável em qualquer lugar do mundo. Desde que haja um equilíbrio entre dois princípios aparentemente inconciliáveis: abertura constante a críticas, liberdade de cátedra e o não dogmatismo, pelo lado científico, e a doutrina e o respeito à hierarquia, pelo lado militar. A tentativa de censura na ESG demonstra que esse equilíbrio não apenas não foi atingido como pendeu para o lado castrense.

Nos últimos anos, vem ocorrendo um movimento de aparelhamento de militares da reserva em postos de ensino e em programas de pós-graduação – o que nem de longe seria um problema em uma democracia liberal consolidada, não fosse pelo verdadeiro cabide de empregos criado para a reintegração do militar reformado e pela agenda obscura de revisionismo histórico corporativista imiscuída em parte dessa ocupação. Um processo agora acelerado a patamares inéditos sob o governo Bolsonaro. É como se o Itamaraty resolvesse que apenas ex-diplomatas pudessem lecionar nos cursos de Relações Internacionais do país, criando pesquisa e ensino “chapas-brancas” e acríticas. Além de desequilibrar as relações civis-militares, esse aparelhamento diminui a transparência, a subordinação ao poder civil e consolida privilégios de classe nas mãos dos guardiões armados.

Desde 2016, mesmo quando orçamentos e concursos nas universidades federais eram cortados, foram abertas dezenas de vagas para docentes na ESG, na Escola de Comando e Estado Maior do Exército, a Eceme, e na Escola de Guerra Naval, a EGN, para atuarem nos seus cursos de pós-graduação. A busca por aumentar a participação de professores civis em instituições militares tinha vários objetivos: fortalecer a produção científica, dialogar com o universo civil e, ainda, adequar as academias militares às demandas da Capes, CNPq e do próprio Ministério da Educação, que, por anos, não reconheciam os graus de mestre e doutor emitidos por essas escolas por não atingirem o rigor científico necessário para tal. Isso deveria fortalecer as relações civis-militares e o diálogo sobre defesa nacional na academia brasileira.

Acontece que a exigência de obediência à hierarquia e ao pensamento doutrinário, fundamentais para a academia militar, são incompatíveis com os princípios que regem a ciência. O argumento levantado pela ESG no ofício, que os professores seriam subordinados de Bolsonaro e, por isto, não poderiam criticar o chefe, fica ainda mais absurdo quando a tentativa de censura ultrapassa os muros institucionais e chega à vida pessoal dos docentes. Nem mesmo aos militares, em seu dever constitucional hierárquico, é vedada a livre expressão de suas opiniões políticas fora do ambiente de trabalho e sem farda.

O triste episódio da ESG e a descabida carta de Augusto Heleno demonstram a atuação direta das Forças Armadas como agentes político-partidários.

O caso se torna ainda mais espinhoso com o relato de seguidas tentativas de intimidação, assédio moral e ambiente de perseguição a professores civis que se manifestem de alguma forma contra o desejado pelas chefias militares. São denúncias graves. Além de configurar assédios das mais diversas formas, a situação fere não apenas o direito democrático da liberdade de expressão, como também interfere diretamente na liberdade de cátedra, algo assegurado a qualquer docente no país.

O triste episódio da ESG e a descabida carta de Augusto Heleno demonstram a atuação direta das Forças Armadas como agentes político-partidários, algo proibido pela Constituição e que contribui ainda mais para a crise do pilar democrático das relações civis-militares no Brasil. O dilema castrense persiste, e aqui percebemos dois exemplos que a política de criação de reservas de mercado para militares, feita por Bolsonaro, tem surtido efeito no apoio de parte significativa deles ao seu governo, sejam da ativa ou da reserva.

A aproximação de civis e militares não é apenas desejável como fundamental para a segurança do país, de seus cidadãos e da democracia. Assim como o papel das FFAA é fundamental para a estrutura do estado brasileiro. Lamentavelmente, esses episódios têm o potencial de aprofundar ainda mais o distanciamento dos dois universos, em especial dentro da academia brasileira, enfraquecendo o Estado Democrático de Direito e evidenciando uma crise e falta de confiança mútuas que não se viam, provavelmente, desde o imemorável AI-5.

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