Maria Fallon Romo cresceu em uma família que conversava sobre política na mesa de jantar. Aos 53 anos, a professora de educação especial da Dakota do Norte é uma eleitora ativa há cerca de três décadas e, até recentemente, nunca teve problemas para votar. Em 2018, ela decidiu votar por carta pela primeira vez, achando que seria mais conveniente do que seu voto presencial habitual.
Dois anos depois, Romo descobriu que seu voto em 2018 nunca foi considerado. Uma autoridade eleitoral sem critérios formais a seguir decidiu que a assinatura de Romo em seu envelope de voto não estava alinhada com a assinatura em seu formulário de pedido de voto por carta – e seu voto foi rejeitado. “Foi muito chocante e desanimador”, disse ela ao Intercept e à Type Investigations. “Assim como muitos outros americanos, acho que quando eu voto, meu voto deve contar.”
Romo convive com esclerose múltipla há mais de 20 anos, o que pode dificultar sua escrita de maneira clara e consistente. A Dakota do Norte, como muitos estados, não exige treinamento especial em correspondência de assinaturas nem instrui funcionários a considerar deficiência, idade, proficiência no idioma ou quaisquer outros fatores que possam fazer com que a assinatura de uma pessoa pareça diferente em circunstâncias diferentes. Por lei, as autoridades nem precisaram dizer a Romo que seu voto foi rejeitado. Nas primárias de junho na Dakota do Norte, conta, ela salvou uma captura de tela de sua assinatura em seu formulário de solicitação de votação, brincando que assim pode praticar a assinatura para ficar igual na hora da votação.
Este ano, enquanto políticos, defensores dos direitos de voto e especialistas em eleições apontam para um aumento acentuado no uso do voto por correio para impedir a propagação da covid-19, muitos outros eleitores poderiam descobrir, como Romo, que seus votos não entraram para a contagem. Isso ocorre porque a expansão significativa do voto por carta também expande o universo das cédulas examinadas pelos funcionários, e experiências anteriores mostram que mais escrutínio significa mais cédulas descartadas, às vezes por um bom motivo, às vezes por engano.
“Só com o grande volume – e assumindo que há uma taxa de erro constante –, obteremos um aumento significativo apenas no número, no número absoluto de rejeições”, disse o cientista político especialista em eleições americanas Michael McDonald, da Universidade da Flórida. “Haverá milhares, senão milhões, de pessoas que terão problemas com seus votos por carta”.
Regras de conferência de assinatura inconsistentes são apenas um dos riscos que acompanham a votação por correio nos Estados Unidos. Diferentemente das cédulas regulares emitidas em um local de votação, as cédulas emitidas por correio são inspecionadas antes de serem contadas. Elas podem ser rejeitadas pelos funcionários eleitorais por várias razões: atraso, erros no formulário em anexo, falta de assinatura e falta de testemunhas, entre outros. Os eleitores que eventualmente pediriam ajuda a um funcionário na hora do voto podem cometer erros nas cédulas que preencherem em casa, fazendo com que seu voto não conte.
De acordo com um novo cálculo do Intercept e da Type Investigations, mais de 950 mil votos foram rejeitados pelas autoridades na última eleição presidencial, com base em dados divulgados pela U.S Election Assistance Commission [Comissão de Assistência Eleitoral dos EUA]. Isso inclui mais de 300 mil cédulas enviadas pelo correio e mais de 600 mil cédulas provisórias depositadas nas urnas. O risco de rejeição varia muito dependendo do estado. Nas eleições de 2016, a taxa de rejeição de votos enviados pelo correio na Geórgia foi aproximadamente 30 vezes maior que a taxa de rejeição no Wisconsin. Esse número inclui os votos domésticos e votos de militares e cidadãos do exterior.
Os cinco estados que atualmente realizam eleições quase totalmente por correspondência – Colorado, Havaí, Oregon, Utah e Washington – rejeitaram entre 0,7% e 0,9% dos votos recebidos. Por outro lado, Nova York, que recebeu muito menos votos por carta em relação à sua participação eleitoral, desconsiderou os votos recebidos a uma taxa quase oito vezes maior do que os outros estados.
Alguns dos estados mais populosos do país também tiveram a maior proporção de votos rejeitados em comparação com o tamanho de sua população votante, como descobriu a análise do Intercept e da Type Investigations de votos rejeitados em 2016 em todos os tipos de votos relevantes – provisório, ausente e militares e civis no exterior. Um processo judicial recente em Nova York, onde as cédulas de voto enviadas por correio nas eleições de 2016 foram rejeitadas quase cinco vezes mais que a taxa média para o país como um todo, mostra algumas das armadilhas que aguardam os eleitores nessas próximas eleições.
Nome do estado | Participação total dos eleitores em 2016 | Votos rejeitados | Votos rejeitados/Total de votos | Taxa de rejeição comparada à média nacional |
Nova York | 7,793,078 | 143,627 | 1.84% | 4.95 vezes maior |
Califórnia | 14,610,494 | 255,663 | 1.75% | 4.70 vezes maior |
Kansas | 1,223,491 | 18,131 | 1.48% | 3.98 vezes maior |
Arizona | 2,722,660 | 34,826 | 1.28% | 3.43 vezes maior |
Utah | 1,114,567 | 11,081 | 0.99% | 2.67 vezes maior |
Os obstáculos que acompanham a logística de votação por correio não são intransponíveis. Os estados que votam inteiramente pelo correio realizam eleições há anos sem grandes problemas. Pesquisas mostram que os estados onde o voto por correspondência se expandiu tiveram um aumento modesto na participação dos eleitores, e os defensores dos direitos de voto são unânimes quanto aos benefícios de dar aos eleitores mais opções para votar.
Porém, com potencialmente milhões votando por carta pela primeira vez, especialmente em meio à pandemia do coronavírus, as jurisdições acostumadas a uma meia dúzia de cédulas de voto enviadas por correio receberão, desta vez, uma tonelada. Mais da metade dos estados dos EUA recebeu menos de 10% de seus votos em 2018 por correio, incluindo estados populosos como Nova York e Texas, de acordo com uma análise do Brennan Center for Justice. Várias das maiores jurisdições do país tentam ampliar rapidamente sua infraestrutura de voto por correspondência para simular sistemas que outros estados, como Washington, levaram anos ou até décadas para criar. Os eleitores que não recebem suas cédulas de voto a tempo – como muitos na Geórgia na semana passada – ainda podem votar pessoalmente, o que significa que a infraestrutura pessoal existente não pode ser abandonada ou consolidada agressivamente. Como o New York Times apontou, os administradores terão, basicamente, de realizar duas eleições simultâneas.
Reduzir o risco de votos válidos a serem descartados exigirá esforços heroicos por parte dos administradores eleitorais, que terão a tarefa de revisar muito mais cédulas do que nunca. As equipes de especialistas e advogados já se formaram para proteger o processo eleitoral, mas precisam trabalhar rapidamente e receber apoio político para obter sucesso.
Denise Roberts dirigiu-se ao seu local de votação no condado de Tioga, Nova York, no dia 8 de novembro de 2016, para evitar as filas. Mas o nome dela não constava no registro de eleitores. Não fazia sentido, ela lembrou em uma entrevista com o Intercept e a Type Investigations. Ela havia se mudado para a área há vários anos e votado no mesmo quartel de bombeiros apenas 12 meses antes. Ela até tinha um cartão da Junta Eleitoral do condado confirmando que estava registrada em seu endereço atual.
Os mesários disseram a Roberts que seu registro estava inativo, e ela teria que votar usando uma cédula por declaração escrita, conhecida em outros estados como cédula provisória. Ao invés de ser contada automaticamente, a cédula seria, como a de Romo, examinada após o dia das eleições por funcionários eleitorais, que determinariam se seu voto era legítimo.
Roberts se perguntou se o fato de ela ser negra em um município rural 95% branco havia entrado em cena. “Foi humilhante”, disse ela. “Eu não acreditava no que acabava de acontecer.” O mesmo aconteceu com a nora de Roberts, Angela, que morava com ela. Apesar de estarem devidamente registrados no endereço em que moravam, os Roberts não acreditavam que suas cédulas por declaração escrita fossem consideradas. Suas suspeitas estavam corretas.
Os Roberts posteriormente prestaram depoimento em uma ação de direitos de voto que John Powers, do Lawyers’ Committee for Civil Rights [Comitê de Advogados pelos Direitos Civis], representante dos reclamantes, chamou de “canário na mina de carvão”, indicando assim, um anúncio de perigo iminente, para os esforços que buscam expandir o voto por correio nas eleições de 2020. A ação girou em torno da prática do estado de transferir pessoas de uma lista de registro “ativa” para uma lista de registro “inativa” se certos eventos ocorressem. Um desses eventos, crucialmente, é a devolução da correspondência eleitoral, como se a entrega não tivesse sido possível.
Na época, os nomes dos registrantes “inativos” em Nova York não foram enviados para o local da votação, e esses eleitores tiveram de realizar seus votos no modo provisório. Este ano, seus nomes serão fornecidos aos mesários, por ordem judicial federal, mas ainda serão obrigados a votar provisoriamente. Isso significa que seus votos podem ser rejeitados devido a erros nas cédulas ou, ocasionalmente, por nenhuma razão clara. Esse foi o caso dos Roberts, que as autoridades finalmente admitiram terem sido indevidamente privados de direitos devido a um erro administrativo. O pedido de desculpas do estado foi pouco para Denise Roberts. “Eu nunca imaginei que meus direitos de voto seriam tirados por alguém que apenas toma essa decisão”, disse ela.
Marc Meredith, cientista político da Universidade da Pensilvânia que foi uma testemunha especialista no caso, calculou na época que Nova York tinha uma taxa mais alta de votos provisórios rejeitados em comparação com o número total de votos do que qualquer outro estado nos EUA. Além das dezenas de milhares de pessoas que se mudaram para o interior do estado, em 2016, aproximadamente 45 mil pessoas votaram provisoriamente com seus endereços registrados, sugerindo que eles provavelmente foram considerados inadequadamente “inativos” pelo estado. Dezenas de milhares de eleitores erroneamente desativados foram canalizados para um processo administrativo no qual seus votos tinham uma boa chance de serem descartados. Nas eleições gerais de 2016, apenas 51% das cédulas provisórias lançadas em Nova York foram contabilizadas.
Confiar em correspondências não entregues como forma de manter listas de endereços precisas pode ser altamente problemático. “Ao longo do tempo, descobrimos problemas significativos com a consistência das informações que recebemos dos correios em relação a quem está e quem não está no endereço”, testemunhou o diretor executivo do New York City Board of Elections [Conselho de Administração Eleitoral de Nova York] Michael Ryan, o principal funcionário eleitoral da cidade. Ele disse aos advogados que os problemas cotidianos podem ter resultados desastrosos, especialmente nas áreas urbanas: se a fechadura central estiver quebrada nas caixas de correio de um grande edifício de apartamentos, por exemplo, o funcionário dos correios não poderá deixar o correio lá, fazendo com que todos no edifício se tornem “inativos”, a menos que eles vão ao correio pessoalmente para coletar suas correspondências dentro de 14 dias.
Nas eleições gerais de 2016, apenas 51% das cédulas provisórias lançadas em Nova York foram contabilizadas.
“Francamente, isso nos fez ter pouca fé na confiabilidade geral da qualidade das informações que obtemos dos correios”, disse Ryan, acrescentando que as mudanças para o status inativo afetam desproporcionalmente as pessoas que vivem em prédios com vários apartamentos. Ryan reclamou que, para evitar essa “consequência não intencional” das leis de registro de Nova York, ele tenta não enviar correspondências, a menos que sejam cruciais. Não receber praticamente qualquer correspondência – mesmo uma carta confirmando que um eleitor retornou ao status de “ativo” – pode fazer com que um eleitor seja expulso da lista de “ativos” se a agência postal não conseguir entregá-la. Em sua opinião, a juíza Alison Nathan acredita que “o dado central que o Estado usa para determinar se um eleitor se mudou tem sérios problemas em sua confiabilidade”.
Os problemas de entrega de correspondência em Nova York são um mau presságio para a capacidade do estado de aumentar o voto por correio a tempo das eleições de novembro, disseram especialistas. Alguns eleitores não receberão as cédulas a que têm direito e outras provavelmente acabarão nas mãos dos eleitores errados.
O mesmo vale para outros estados não acostumados a interagir regularmente com os eleitores dessa maneira, disse Charles Stewart III, especialista em eleições do Massachusetts Institute of Technology, o MIT. “Os estados acostumados a votar por correspondência estão negociando muito com seus eleitores; estão enviando uma cédula a cada eleição, enviando guias de informações aos eleitores a cada eleição, interagindo muito com os votantes. E uma consequência disso é que a lista de eleitores é muito limpa”, disse ele. “Ainda que a lista de eleitores em Nova York não tenha o objetivo de fazer muitas trocas por correio, não foi por isso que ela foi construída. E, de repente, você está colocando um fardo na lista de eleitores para o qual ela não foi projetada.”
Votos por correio e cédulas provisórias podem ser recusados por razões justificáveis, como um eventual eleitor impedido por falta de legitimidade. Elas também podem ser rejeitadas por razões mais controversas, muitas das quais envolvem erro humano: não ter assinado a célula, não ter uma testemunha do voto nos locais onde isso é exigido, ou cometer um erro no formulário que acompanha a cédula.
A razão mais comum em 2016 foi a que invalidou o voto de Maria Fallon Romo: uma aparente diferença entre a assinatura da cédula e a que constava em seu registro eleitoral, segundo um relatório da Election Assistance Commission [Comissão de Assistência Eleitoral]. Em muitos estados, os critérios utilizados para recusar essas cédulas são mal definidos e deixados a cargo de mesários despreparados.
É um esforço árduo: as assinaturas podem mudar dependendo da idade, estado de saúde, incapacidade física, tipo de caneta, e até mesmo níveis de ruído e estresse. Embora a correspondência entre as assinaturas ajude as autoridades eleitorais a confirmar a identidade de alguém que vota em casa, em vez de comparecer fisicamente à urna, especialistas dizem que a efetividade — e precisão — das checagens de assinaturas variam muito de acordo com o estado. Alguns deles, como o Colorado, têm orientações detalhadas sobre como examinar a assinatura de um eleitor, com base em princípios científicos de examinação forense. Outros estados não têm isso. Pesquisas mostraram que leigos são três vezes e meia mais propensos ao erro do que examinadores forenses treinados quando avaliam assinaturas. Também é mais provável que leigos rejeitem assinaturas autênticas do que cometam o erro oposto, de aceitar uma assinatura falsificada.
Alguns estados, como o Colorado, têm orientações detalhadas sobre como examinar a assinatura de um eleitor, com base em princípios científicos de examinação forense. Outros estados não têm isso.
Pesquisas também mostraram que eleitores não brancos e falantes de línguas minoritárias têm maior probabilidade de ter suas cédulas enviadas por correio rejeitadas pelas autoridades eleitorais. Votantes cuja língua nativa utiliza caracteres de um alfabeto não latino apresentam maior variação na assinatura, o que os examinadores podem interpretar como tentativa de falsificação. Eleitores não brancos também podem ter menos informação sobre como enviar um voto válido; um estudo de 2014 descobriu que as autoridades tinham menor probabilidade de responder a dúvidas enviadas por latinos quando comparados a eleitores brancos.
Nos últimos anos, os padrões pouco rígidos em torno da comparação de assinaturas foram alvo de repetidas disputas legais. Em 2019, o Tribunal do 11º Circuito criticou a lei da Flórida sobre o tema, alegando que sujeitou os eleitores provisórios e aqueles que votaram por correio ao “risco de privação de direitos”. O estado não possuía padrões uniformes para determinar o que constituía uma assinatura equivalente, e não exigia qualquer treinamento ou qualificação para os inspetores de cédulas. Ao permitir que cada condado definisse seus próprios procedimentos, a Flórida está “virtualmente garantindo uma louca colcha de retalhos da aplicação da lei”, dizia o voto da maioria do tribunal. Desde então, a Flórida aprovou um pacote de reformas que inclui uma lei exigindo treinamento formal de comparação de assinaturas aos fiscais eleitorais.
A Flórida tem um processo de recursos para apelar contra cédulas injustamente descartadas, mas as notificações de que o voto foi rejeitado chegam tarde demais para que os eleitores protestem. O problema pode afetar até eleitores sofisticados como o ex-deputado Patrick Murphy, um democrata da Flórida, cuja cédula foi rejeitada sem chance de entrar com recurso. O tribunal, portanto, considerou o processo de apelação “ilusório” em algumas circunstâncias.
Especialistas dizem que é por isso que é melhor contar os votos na primeira vez. “As pessoas não vão voltar depois da eleição para lutar para que sua cédula conte, considerando tudo o que têm para se preocupar em suas vidas e o fato de que a eleição já foi decidida”, disse Powers. “Eles têm coisas demais a fazer para brincar de advogado eleitoral e rastrear isso quando tudo parece um mero exercício acadêmico”.
O National Vote at Home Institute [Instituto Nacional do Voto em Casa], uma organização que defende mudanças que tornem mais fácil o voto por correio, encoraja todos os estados a adotar processos de recursos modernos, flexíveis e amigáveis aos eleitores.
“Há riscos dos dois lados aqui”, disse Stewart, o especialista em eleições do MIT. “Eu acho que a maneira correta de pensar nisso é pensar nos riscos dos dois lados e tentar mitigar tanto os riscos à saúde representados pelo voto em pessoa quanto os riscos de ter cédulas rejeitadas”.
Em março, quando as mortes pela pandemia de covid-19 começaram a aumentar, oficiais e ativistas eleitorais se reuniram por telefone para planejar uma solução. Claramente, milhares de pessoas não gostariam de votar pessoalmente nas primárias ou na eleição geral de novembro, mas a maioria dos estados não estava pronta para um grande aumento no número de votos por correspondência. Para Amber McReynolds, CEO do National Vote at Home Institute, esse é um momento crítico. O grupo dela desenvolveu um plano exigindo operações de correio centralizadas ou regionalizadas, uma coordenação mais rigorosa com os correios e processos aprimorados de verificação de assinaturas.
Os funcionários eleitorais estão trabalhando rapidamente, disse ela: “eles estão tentando encontrar soluções para problemas muito difíceis. [Mas] de várias maneiras, eles têm uma mão amarrada nas costas por causa de leis e políticas ultrapassadas.”
Expandir o voto por correspondência é uma ideia popular entre eleitores republicanos e democratas. Governadores e secretários de estado de ambos os partidos enviaram milhões de formulários para que eleitores requisitassem o direito de votar a distância, permitindo a participação por correio nas primárias. Isso não apenas reduziria o risco de transmissão de doenças entre eleitores, mas também poderia ajudar a proteger os mesários, 56% dos quais tinham mais de 60 anos nas eleições de 2016, segundo uma pesquisa com mais de metade das pessoas que trabalharam naquelas eleições, e muitos interagem com centenas de pessoas no dia da votação. A aparente transmissão do vírus relacionada às eleições foi observada no Wisconsin e na Flórida depois de realizarem pessoalmente eleições em abril.
Muitos estados já estão se planejando para um grande contingente de votação por correio em novembro, e o primeiro semestre de 2020 viu uma enxurrada de atividades legislativas em torno de medidas do tipo. Em alguns estados, os eleitores precisam de uma desculpa válida para votar por correio, embora em certos casos esse requisito seja dispensado em função da pandemia (sete estados governados por republicanos expandiram o direito de votar por correio sem apresentar justificativa apenas para eleitores idosos, um grupo que geralmente favorece os próprios republicanos). Mas a cobrança por um aumento maciço na votação a distância não está sendo liderada pelos próprios legisladores, segundo McReynolds. “Em números exponenciais, os eleitores estão escolhendo se inscrever para votar em casa neste ano”, disse ela. Os funcionários precisam estar preparados.
Kim Wyman, secretária de estado republicana de Washington, e seu diretor de eleições, falaram com as principais autoridades eleitorais de todos os 50 estados e de Porto Rico para compartilhar as lições deixadas pelas bem-sucedidas eleições totalmente por correio realizadas em seu estado. O Center for Tech and Civic Life [Centro para Tecnologia e Vida Cívica], Center for Civic Design [Centro para Design Cívico], Brennan Center, National Vote at Home Institute [Instituto Nacional do Voto em Casa] e outras organizações não governamentais elaboraram roteiros detalhados para os administradores eleitorais aumentarem a votação por correio em seus estados. Acadêmicos de Stanford e do MIT lançaram um projeto conjunto para identificar e disseminar as melhores práticas. E forças-tarefa de especialistas e funcionários políticos estão propondo planos, organizando webinars e convocando teleconferências.
Muitos dos projetos envolvem reduzir as barreiras existentes ao voto por correio, como a exigência de que os eleitores tenham uma justificativa, ou permitir que justificativas relacionadas à covid-19 sejam aceitas, e remover os requerimentos de alguns estados para que uma testemunha ou notário assine a cédula. Especialistas também pedem procedimentos menos propensos a erros de conferência de assinaturas, processos aprimorados para entrar com recursos, opções expandidas para retornar as cédulas, envelopes pré-pagos e a aceitação de votos enviados no próprio dia da eleição. Os administradores podem implementar algumas dessas melhorias sem modificar as leis estaduais e dentro dos orçamentos já existentes, mas outros podem exigir ação legislativa e a repartição de fundos adicionais.
Em abril, o Brennan Center for Justice recomendou que o Congresso alocasse “pelo menos US$ 4 bilhões para garantir que todas as eleições entre agora e novembro sejam livres, justas, seguras e protegidas”. Em março, o centro estimou que a postagem pré-paga, sozinha, custaria em torno de US$ 500 milhões. Há poucos indícios de que o senado controlado pelos republicanos vai destinar uma quantidade sequer próxima do que os democratas estão solicitando. E, se o Congresso efetivamente destinar esse dinheiro, McReynolds, do National Vote at Home Institute, diz que tem dúvidas se a verba poderia ser utilizada para financiar essa expansão. Os orçamentos estaduais e regionais foram devastados pela pandemia, ela diz, e em muitos casos esses locais vão precisar de alívio econômico federal apenas para implementar os planos eleitorais pré-coronavírus, que dirá a expansão da infraestrutura já existente.
Se e quando os estados receberem o dinheiro, a cadeia de suprimentos precisará ser ativada: companhias que imprimem correspondência em massa para os estados onde a votação por correio já existe, como o Colorado, dizem que precisam de compromissos financeiros meses antes de novembro para expandir sua produção. Uma máquina que automaticamente insere cédulas em votação pode custar até US$ 1 milhão, por exemplo, e os fornecedores não vão comprar extras sem garantias de que os estados vão contratá-los para produzir essa correspondência em massa. Vendedores e oficiais precisarão projetar e implantar sistemas para rastrear, monitorar e classificar grandes volumes de papel. “Nesse período de três meses, estamos realmente em um momento crítico”, disse McReynolds.
Também se discute se o Serviço Postal dos EUA, com falta de verbas e excesso de trabalho, será capaz de lidar com milhões de correspondências eleitorais adicionais sem cometer erros; embora ainda não esteja claro se a responsabilidade foi dos serviços de correio ou dos administradores da eleição, houve problemas recentemente quando pessoas que solicitaram cédulas na Geórgia e em outros estados não as receberam a tempo. No Wisconsin, por exemplo, caixas cheias de cédulas não entregues foram descobertas após a eleição, potencialmente milhares de eleitores não receberam suas cédulas a tempo, e outras foram enviadas mas jamais carimbadas pelo correio, o que pode tê-las tornado inválidas.
Em um e-mail, uma porta-voz dos Serviços Postais dos EUA disse ao Intercept e à Type Investigations que os correios estarão prontos em novembro. “Os correios dos EUA servem como um meio seguro, eficiente e efetivo para cidadãos e campanhas participarem no processo eleitoral, e o Serviço Postal está comprometido em entregar o Correio Eleitoral em tempo hábil”, escreveu ela. Sabendo que a covid-19 vai levar mais pessoas a votar pelo correio, ela acrescentou: “estamos conduzindo (…) contatos com funcionários estaduais e locais e secretarias de estado, para que eles possam tomar decisões informadas e instruir a população sobre o que eles devem esperar quando usarem o correio para votar”.
Os próximos meses serão um teste de estresse para o sistema eleitoral dos EUA, na medida em que os administradores que trabalham com orçamentos destruídos tentarão lidar com um aumento massivo nos votos por correspondência enquanto mantêm as opções habituais para votar pessoalmente. Com muitas assembleias legislativas estaduais proibindo funcionários de processar as cédulas antes do dia da eleição, é provável que ocorram atrasos na apuração dos resultados. Também há uma preocupação de que irregularidades e atrasos possam afetar a confiança do público no resultado das eleições, um problema agravado pelas alegações de Trump de fraude generalizada.
Descartar muitas cédulas pode ser tão perigoso quanto descartar apenas umas poucas, dizem os especialistas. Como Marc Meredith observou no processo de Nova York, “deixar os potenciais eleitores menos seguros de que seus votos contarão torna menos provável que eles votem”.
Tradução: Maíra Santos
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