O novo texto preliminar da plataforma do Partido Democrata para 2020 pede que as “guerras eternas cheguem a um desfecho responsável” e promete acabar com o papel dos Estados Unidos no conflito do Iêmen – uma grande mudança em relação à política do governo Obama, que armou e auxiliou a intervenção liderada pela Arábia Saudita no país.
O texto de 80 páginas, divulgado inicialmente pelo Washington Post, mostra como o centro de gravidade do partido mudou em quatro anos. O projeto foi divulgado na noite de terça-feira para os mais de 150 membros do comitê da plataforma, para agora passar pelo processo de emendas. O projeto deve ser ratificado na Convenção Nacional Democrata de 2020, que acontece no próximo mês em Milwaukee.
Com longos trechos sobre justiça racial, imigração, mudança climática e assistência à saúde, o documento mostra de perto muitas das recomendações de políticas produzidas por um grupo de trabalho que uniu as equipes dos candidatos Joe Biden e Bernie Sanders no início deste mês. Mas esse primeiro relatório conjunto deixou de fora a política externa, justamente onde estão algumas das mudanças mais significativas em relação à plataforma democrata de 2016.
“Acho que a plataforma mostra que eles adotaram várias prioridades progressistas importantes para a política externa”, disse Matt Duss, consultor de política externa do senador Bernie Sanders. “Há muito o que comemorar aqui, tanto em termos de para onde o partido está se movendo nessas questões, quanto em relação a uma visão de união mais ampla para o país”.
“Há muito o que comemorar aqui, tanto em termos de para onde o partido está se movendo nessas questões, quanto em relação a uma visão de união mais ampla para o país”
O texto preliminar inclui uma seção sobre a redução do envolvimento das forças armadas no Afeganistão e das operações de contraterrorismo em todo o mundo. O texto diz que os democratas apoiam um “acordo político durável e inclusivo no Afeganistão” que impeça a Al Qaeda de se abrigar no país e promete “dimensionar corretamente os efeitos deixados por nossas ações de contraterrorismo”, inclusive trabalhando com o Congresso para revogar autorizações de uso da força – segundo alguns presidentes, inclusive Barack Obama, seria uma medida legal para ações de contraterrorismo cada vez mais comum em diversos países. Enquanto vice-presidente, e atualmente em campanha presidencial, Joe Biden argumentou que os Estados Unidos deveriam reduzir sua presença militar no Afeganistão, mantendo apenas um papel destinado a operações especiais.
Quando os democratas divulgaram e ratificaram sua plataforma de 2016, ela foi aclamada como a mais progressista da história do partido. Mas em questões relacionadas à política externa, o documento praticamente repetia a era Obama: comemorava a revogação da medida “Don’t Ask Don’t Tell” [em português, “não pergunte, não diga”] – que rejeitava o preconceito contra homossexuais nas forças armadas, desde que eles não se assumissem publicamente – e condenava o plano de Donald Trump para retirar os EUA do acordo nuclear com o Irã, assinado em 2015.
O texto preliminar para 2020 mostra os democratas fazendo ainda mais para se distanciar de Trump – denunciando o fato do presidente não conseguir libertar os Estados Unidos das guerras, acusando-o de “militarizar ainda mais nossa política externa”, e dizendo que suas decisões “deixaram o mundo mais perto de uma catástrofe”.
A plataforma de 2020 também vai além em seus compromissos de reduzir a intervenção militar, conforme ativistas progressistas disseram ao Intercept. “É importante que todos os eleitores vejam que os democratas estão se comprometendo a ser o partido da diplomacia, enquanto Donald Trump mentiu sobre o fim das guerras que nunca acabam e, em vez disso, nos levou à beira de novos conflitos militares”, disse via e-mail Alexander McCoy, diretor político do grupo de veteranos progressistas Common Defense [em português, “Defesa Comum”].
A plataforma preliminar também diz que o confronto com países como a China não deve ser prioritariamente militarista, e celebra a diplomacia como uma “ferramenta de primeiro recurso”. Ao contrário da plataforma de 2016, o projeto condena de forma explícita as políticas de “mudança de regime”, em especial no que diz respeito ao Irã. “Os democratas acreditam que os Estados Unidos não devem impor mudanças de regime a outros países, e rejeitam este como um objetivo da política dos Estados Unidos em relação ao Irã”, diz o documento, fazendo referência à política do governo Trump de comemorar o colapso do governo iraniano.
“Como é o caso com qualquer plataforma proposta, a prova real estará nas ações seguintes”.
Em outra mudança em relação a 2016, o projeto também sugere reduzir o orçamento de defesa, dizendo: “podemos manter uma defesa forte e proteger nossa segurança gastando menos”. A plataforma de 2016 prometeu se concentrar em desperdícios e fraudes nos gastos do Pentágono – mas não disse especificamente que o teto do orçamento deveria ser reduzido.
Esse aspecto da plataforma pode ser mal recebido por outros membros do partido. Recentemente, a maioria dos democratas na Câmara dos Deputados ajudou a derrotar uma medida para reduzir a autorização de gastos do Pentágono em 10% – o que nem sequer diminuiria o orçamento para atingir os números do final do governo Obama.
Stephen Miles, diretor executivo do grupo Win Without War [em português, “Vencer sem Guerras”], com sede em Washington, disse ao Intercept que a sugestão de reduzir os gastos com defesa que está no texto é importante, mas que não reflete o quanto os gastos militares aumentaram desde que Trump tomou posse.
“Nós já estávamos em níveis quase recorde antes do início dessa nova onda de gastos”, disse Miles. “Portanto, é um passo na direção certa. Mas o presidente correu vários passos na direção errada”.
“Como é o caso com qualquer plataforma proposta”, acrescentou Miles, ” a prova real estará nas ações seguintes de um governo ou de uma bancada democrata”.
Tradução: Antenor Savoldi Jr.
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