O PSL nunca foi nada além de mais um partido nanico até ser alugado pelo bolsonarismo. Cresceu, elegeu muitos políticos e se enlameou em casos de corrupção. Insinuando estar em desacordo com os casos de corrupção da legenda, o presidente decidiu abandoná-la para criar o Aliança pelo Brasil, que seria o primeiro partido neofascista brasileiro. Quando um apoiador recifense quis gravar um vídeo ao lado do presidente falando que ele estava junto de Bivar, presidente do PSL, Bolsonaro o repreendeu: “Ô cara. Não divulga isso. O cara está queimado pra caramba lá. Esquece o partido”. Bivar estaria “queimado” pelo esquema de corrupção do partido, o laranjal na campanha do PSL. Os bolsonaristas mais fiéis sinalizaram que seguiriam o messias após a criação do novo partido.
Mas a criação do Aliança não vingou, e Bolsonaro resolveu voltar para o seu aconchego. Ligou para o cara que “estava queimado pra caramba” e começou a negociar uma volta. Bivar, claro, se abriu todo para o principal cabo eleitoral das eleições municipais deste ano. É formidável ver como a extrema direita, sempre tão moralista, conseguiu fechar os olhos para as imoralidades em nome do pragmatismo eleitoral.
Mas Bolsonaro impôs algumas condições para voltar. Pediu que o PSL recue dos processos que suspendiam a atuação partidária dos dissidentes — isso impedia que eles se candidatassem nas eleições municipais deste ano — e expulse oito parlamentares da sigla, entre eles os deputados Joice Hasselmann, Julian Lemos e Junior Bozzella e o senador Major Olimpio. Em contrapartida, o PSL pediu que os bolsonaristas retirem as ações contra o partido. O oportunismo desses moralistas de ocasião ficou claro na declaração de Bibo Nunes: “Sou o parlamentar que mais comprou brigas com o partido. Mas agora joguei as pedras fora e só estou com flores nas mãos”.
Mas a volta do bolsonarismo ao PSL não está sendo pacífica. O processo de impeachment pelo qual passa o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), é um caso emblemático de como o bolsonarismo influenciará as próximas eleições municipais. O pior inimigo do PSL hoje ainda é o bolsonarismo do PSL. Moisés se elegeu com uma campanha típica bolsonarista. Ex-bombeiro militar desconhecido, surfou na negação da política e fez uma campanha centrada nos valores da família tradicional. Tudo ia muito bem. O PSL elegeu a segunda maior bancada do estado, e o governador chegou a ter apoio de 28 dos 40 deputados. Até o rompimento do bolsonarismo com o PSL.
A postura considerada moderada do governador de SC durante o mandato causou furor entre os bolsonaristas.
Enquanto o governador declarou que permaneceria no partido mesmo com saída de Bolsonaro, todos os deputados da bancada sinalizaram uma debandada para o partido natimorto do presidente. A postura considerada moderada do governador durante o mandato também causou furor entre os bolsonaristas. Ele se reuniu com o MST, taxou agrotóxicos, incentivou a agricultura orgânica e se mostrou aberto ao diálogo com grupos LGBTs e indígenas. No início da pandemia, Moisés criticou o boicote que o presidente fazia ao isolamento social. Bolsonaro revidou: “Esse Carlos Moisés se elegeu com meu nome” (…) Eu fui em Ceilândia e Taguatinga no fim de semana passado e fui massacrado pela mídia. Duvido que um governador desses, Doria, Moisés, vá no meio do povo. Vai nada. Tá com medinho de pegar vírus?”.
O bolsonarismo não perdoou, e hoje os deputados do PSL são os principais oposicionistas do governador do PSL. Esse processo de fritura está sendo muito parecido com o que aconteceu com Witzel, que passou a sofrer oposição ferrenha do bolsonarismo depois de ter sido eleito por ele. Esse é o novo jeito de fazer política de Bolsonaro. O conflito, seja ele interno ou externo, faz parte da sua natureza.
Sem apoio dentro do próprio partido, o governador catarinense agora está prestes a sofrer o impeachment. Ele e sua vice serão julgados por crime de responsabilidade. O motivo não poderia ser mais fraco: ele concedeu reajuste salarial a procuradores do Estado sem consultar o Legislativo. Esse é o motivo formal. O motivo real é a vingança. Em 21 meses, o governador viu sua bancada derreter por ousar não comer na mão do presidente da República.
Em São Paulo, a plagiadora e deputada Joice Hasselmann, candidata a prefeitura pela sigla, está em uma situação complicadíssima. Ela foi eleita deputada com alta votação por surfar a onda do bolsonarismo e, agora, rompida com ele, tem dificuldades em decolar nas pesquisas, em que aparece com apenas 2% das intenções de votos.
Depois de ser achincalhada pelo “gabinete do ódio” comandado por Carlos Bolsonaro, que colocou suas milícias virtuais para disparar memes machistas e gordofóbicos contra ela, Joice se vê numa sinuca de bico. Ela rompeu com o bolsonarismo, mas precisa do bolsonarismo para se eleger, o que a faz adotar uma postura um tanto quanto esquizofrênica: “Eu não rompi com o Bolsonaro (…) continuo trabalhando pelo Governo, relatando projetos do Governo. Eu rompi com os filhos dele”, como se isso tivesse lá algum sentido, já que não é possível separar a entidade família Bolsonaro.
Poucos meses antes, assim como Major Olimpio, a própria Joice havia rechaçado a possibilidade de Bolsonaro voltar para o partido: “PSL não está à venda e não participará do toma lá dá cá do governo”. Hoje, em nome do pragmatismo eleitoral, a candidata moderou o tom, mesmo sabendo que Bolsonaro impôs sua saída como condição para voltar à sigla: “Não vou ser empecilho para ele voltar. Se houver arrependimento, pode haver perdão”.
Quem conta com a simpatia do presidente nas eleições municipais é Celso Russomano, o cavalo paraguaio de toda eleição em São Paulo. Os dois se reuniram em Brasília para acertar os detalhes da aliança. Com 29%, Russomano lidera as pesquisas de intenção de voto. Dessa vez, conta com a simpatia do presidente e irá disputar votos numa cidade em que Bolsonaro é aprovado por 27% da população. O governador Doria, por exemplo, tem 23% de aprovação. Apesar de ser reprovado pela maioria dos paulistanos (47%), Bolsonaro ainda é um grande cabo eleitoral na cidade. Entre os mais pobres, por exemplo, a desaprovação do presidente tem despencado. Nos últimos seis meses, ela caiu 14 pontos porcentuais (56% para 40%).
Bolsonaro e Russomano fizeram as primeiras tabelinhas na semana passada. Russomano gravou um vídeo defendendo o governo no caso da notificação feita pelo Ministério da Justiça aos supermercados e produtores por causa do preço do arroz. Bolsonaro republicou o vídeo em suas redes e comentou: “Uma aula de humildade e conhecimento”.
Russomano até tentou colocar Joice Hasselmann como vice da sua chapa, inclusive com o apoio do Planalto, o que implodiria a candidatura própria do PSL em São Paulo. Essa articulação contou com o apoio do PSL nacional, que tem se aproximado do presidente, mas não vingou. O presidente do partido em São Paulo, o deputado Junio Bozzella, registrou a candidatura de Joice e acabou com qualquer possibilidade de união. Bozzella nunca foi dos mais próximos do bolsonarismo e cresceu dentro do partido após a desfiliação do presidente. Ele é considerado persona non grata pelo clã Bolsonaro.
Mesmo sem anunciar formalmente apoio a nenhum candidato nas eleições municipais, pelo menos não no primeiro turno, Bolsonaro será um dos principais cabos eleitorais do país. O PSL, com R$ 200 milhões do fundo eleitoral disponíveis para bancar as campanhas municipais, não é mais um partido nanico sem relevância no cenário eleitoral. A reaproximação de Bolsonaro com o PSL tem jogado os dissidentes do bolsonarismo aos leões. Bolsonaro saiu do PSL, mas o PSL ainda não saiu do bolsonarismo. Os impeachments em Santa Catarina e Rio de Janeiro são um recado para todos os aliados que ousarem sair debaixo da saia bolsonarista. Essa é a guerra fratricida que marcará o PSL nas próximas eleições.
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