Há duas semanas, escrevi sobre a Anajure, um grupo formado por juristas evangélicos com alto poder de influência sobre o governo Bolsonaro. Agora, escrevo sobre o MP Pró-Sociedade, um grupo de procuradores conservadores alinhados ao bolsonarismo e à ideologia de extrema direita dominante no país. O grupo foi fundado um mês após a eleição do Bolsonaro. O nome já é de uma bizarrice sem tamanho, “pró-sociedade”, como se fosse possível cogitar um MP contra a sociedade.
Mas, por trás dessa bizarrice, há um projeto claro de apoio jurídico ao bolsonarismo mesmo diante das suas maiores atrocidades. Atua informalmente como um braço jurídico dos radicais de direita. É uma associação que deve ter seu nome registrado na história por usar o aparato do estado para atuar em defesa da sua ideologia reacionária.
Segundo uma apuração da Agência Pública, em ao menos nove estados, membros do MPF e dos MPs estaduais, integrantes do grupo MP Pró-Sociedade, usaram de suas prerrogativas para forçar prefeituras a aderirem a uma insanidade liderada pelo presidente da República: o uso da cloroquina, da hidoxicloroquina e da azitromicina para o tratamento da covid-19.
Em várias cidades, prefeitos tiveram de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para garantir que esses remédios possam ser receitados pelos médicos da rede pública. Os procuradores desprezaram o consenso científico em torno da ineficácia dessas medicações e se alinharam à politicagem barata e alucinada comandada por Bolsonaro.
Além dos TACs, membros do MP têm também entrado com ações judiciais para obrigar prefeitos a fornecerem esses remédios. Estão usando o estado para forçar prefeituras a torrar dinheiro público com uma invenção parida pelo submundo da extrema direita. Uma invenção que acabou sendo rejeitada até mesmo por Donald Trump, mas que continua fazendo parte da narrativa bolsonarista.
A turma também teve papel atuante em casos em que Bolsonaro tinha algum interesse. Foi responsável, por exemplo, por entrar com habeas corpus no STF para livrar a barra da turminha do gabinete do ódio, alvo de uma operação da Polícia Federal no âmbito do inquérito das fake news, aberto pelo STF. Dezessete pessoas suspeitas de integrar uma rede de ataques contra ministros da Corte sofreram buscas. Oito delas eram deputados bolsonaristas, que tiveram que prestar depoimentos na polícia. Quando a extrema direita estiver em apuros, o MP Pró-Sociedade estará sempre pronta para ajudar.
A carta de fundação do MP Pró-Sociedade é um documento que impressiona pelo radicalismo. Deve fazer Plínio Salgado sorrir no inferno. Para eles, o conservadorismo “não é uma ideologia”, mas “um fato”, uma “tendência natural das sociedades”. Para esses integrantes do MP, as ideologias querem impor revolução através de “sangue, destruição da cultura, da religião, da moral, do Direito, e outras”. Elas pretendem destruir “o passado para refazer o presente a partir de experiências de engenharia social cujas cobaias são os indivíduos”. É o lenga-lenga olavista com o qual Brasil já se acostumou.
O texto faz questão de diferenciar “globalização” de “globalismo”, que é “um movimento que visa a submeter soberanias nacionais a um poder central”. Esse é outro delírio que também foi parido no submundo da extrema direita internacional e replicado no Brasil por Olavo de Carvalho. É um conceito fantasioso que não encontra eco em nenhum lugar na academia.
Eles também dão muita importância para as artes. “A beleza é uma necessidade universal do ser humano, que importa muito (…) Abrir mão do que é bom, sensível e belo seria uma ruptura no nosso modo de vida, e apto a levar ao caos, à barbárie e a condições que facilitam perigosas experiências de engenharia social”, afirmam na carta. Os nobres integrantes do MP valorizam um mundo belo, clássico, uma cultura superior — uma narrativa presente no famoso pronunciamento de Roberto Alvim, o ex-secretário especial da Cultura que plagiou Hitler.
Alguns dos fundadores do grupo são figuras conhecidas do debate público. Ruth Kicis, irmã da ex-procuradora e atual deputada federal Bia Kicis, é vice-presidente do grupo. Para quem não se lembra, Bia é uma fervorosa bolsonarista conhecida por espalhar mentiras na internet. Ela também foi alvo do inquérito das fake news, aquele que fez o MP Pró-Sociedade da sua irmã impetrar habeas corpus.
Outro fundador é Cassio Conserino, conhecido por fazer a denúncia do MP-SP contra Lula no caso do tríplex, rejeitada pela justiça por ser vaga demais e conter erros. O promotor, aliás, parece obcecado por Lula. Enquanto liderava a denúncia contra o ex-presidente, usava o seu Facebook para atacá-lo, o que demonstra o seu nível ético. Conserino foi condenado a pagar R$ 60 mil de danos morais a Lula por tê-lo chamado de “encantador de burros”.
Ailton Benedito é outro dinossauro que integra o grupo. Ficou famoso por gastar bastante tempo dos seus dias militando nas redes pelo ultraconservadorismo de maneira alucinada. É um grande defensor da pena de morte e entusiasta da ditadura militar no Brasil – a qual ele, como todo bom golpista, chama de “revolução”. Essas credenciais anti-humanistas e antidemocráticas levaram a ministra Damares, muito próxima do grupo, a indicá-lo para integrar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Político. Por sorte, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat se manifestou pela incompatibilidade de Benedito com o cargo.
Benedito foi um dos maiores divulgadores da teoria conspiratória importada dos EUA que associa a esquerda mundial à pedofilia. Ele já disparou as seguintes frases no Twitter:
A sociedade não aceita absolutamente a pedofilia. Mas a militância esquerdista não se conforma e faz tudo para naturalizar a prática abjeta.
— 🇧🇷Ailton Benedito (@AiltonBenedito) October 1, 2017
Legalizar a pedofilia é estratégica revolucionária comunista/socialista/bolivariana/esquerdopata pic.twitter.com/CJRo313pWL
— 🇧🇷Ailton Benedito (@AiltonBenedito) October 2, 2017
Outro fundador de renome nas hostes ultraconservadoras é o procurador Guilherme Schelb, que durante o governo Bolsonaro já foi cotado para ministro da Educação — apoiado pela bancada evangélica — e até para uma vaga no Supremo. Schelb é obcecado pela tal “ideologia de gênero”, que é mais uma das paranoias dos nossos tempos. Muito próximo do pastor Silas Malafaia, o procurador é autor de declarações como: “Não se pode dar tarefa de casa, como tem sido feito, para criança de 8, 9 anos aprender discussão de gênero, o que é sexo grupal, como dois homens transam? O que é boquete? Isso é uma discussão de gênero, é uma violação da dignidade da criança”.
O procurador ganhou fama entre os reacionários após viralizar um vídeo em que afirma que o “Guia Escolar de 2011 da presidente Dilma contempla o princípio da pedofilia” e que a “pedofilia é um instrumento da revolução”. Durante a campanha eleitoral que elegeu Bolsonaro, ele foi a uma igreja evangélica engrossar o terrorismo bolsonarista: “daqui 3 a 5 anos a pedofilia estará instalada no Brasil (…) o sexo com crianças será legalizado”.
Schelb já foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o CNMP, por usar o cargo para fins pouco republicanos. Em 2007, foi acusado por Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência no governo FHC por práticas incompatíveis com o cargo. Na representação, Eduardo Jorge sustentou que Schelb vazou informações sigilosas para a imprensa, oriundas da quebra dos seus sigilos, e passou informações falsas à Receita Federal. Os conselheiros consideraram o pedido procedente e puniram Schelb.
Esse é o DNA do MP Pró-Sociedade. Trata-se de um grupo que mistura práticas jurídicas do lavajatismo com as paranoias ideológicas do bolsonarismo. Cargos públicos estão sendo utilizados para proteger interesses privados dos reacionários do país. E há quem diga que as instituições seguem funcionando normalmente.
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