Graças aos eleitores, o Oregon será o primeiro estado dos EUA a descriminalizar a posse de todas as drogas para uso pessoal, incluindo heroína e cocaína. Os moradores do Oregon aprovaram a Medida Eleitoral 110, também conhecida como Iniciativa de Descriminalização de Drogas e Tratamento do Vício, com 59% dos votos; é a mais ampla das várias medidas relacionadas às drogas que foram votadas no país em 2020, incluindo a legalização do uso recreativo da maconha em Nova Jersey, Arizona, Montana e Dakota do Sul. Cada uma dessas vitórias constitui um desafio há muito esperado à lógica racista e prisional da criminalização das drogas. Os habitantes de Oregon deram um passo histórico ao reconhecer que, se uma abordagem carcerária ao uso de drogas é prejudicial, ela é prejudicial independentemente da droga em questão.
Em uma eleição geral entre dois candidatos orgulhosamente comprometidos com a política de “lei e ordem” e policiamento agressivo — a despeito dos gestos mínimos de Joe Biden no sentido de uma reforma na política relacionada à maconha — a decisão na votação do Oregon ofereceu uma nesga de esperança aos interessados em mudanças significativas na justiça criminal. O sucesso da Medida 110, ao lado de outros esforços pela descriminalização e legalização, é uma crítica à noção de que qualquer pessoa que usa drogas ilegais, não importando a substância, será mais bem servida por uma interação com a polícia e o sistema prisional.
“Isso faz parte de como reformamos a polícia: tirando-os do negócio das drogas”, escreveu no Twitter o professor de sociologia do Brooklyn College, Alex Vitale, autor de “The End of Policing” (“O Fim da Polícia”, em tradução livre). Vitale estava se referindo aos quatro estados que votaram pela legalização da maconha recreativa, mas acrescentou que “a Medida 110 no Oregon é ainda melhor”.
Em uma eleição geral entre dois candidatos orgulhosamente comprometidos com a política de “lei e ordem” e policiamento agressivo a decisão do Oregon ofereceu uma nesga de esperança aos interessados em mudanças significativas na justiça criminal.
A medida pela descriminalização no Oregon não deve ser confundida com a legalização de todas as drogas; em vez disso, implica a remoção de penalidades criminais para a posse de pequenas quantidades de substâncias ilegais. Depois de 1º de fevereiro, a pena por porte de drogas será semelhante a uma multa de trânsito pesada: 100 dólares. Aqueles que não podem ou não querem pagar podem optar por concordar com uma “avaliação de saúde” em um centro de recuperação de dependência. A medida também inclui a expansão do acesso a tratamentos de recuperação, moradia e serviços de redução de danos, a serem financiados por meio da realocação de dezenas de milhões de dólares obtidos com o imposto sobre a maconha no Oregon. O dinheiro economizado por não prender, processar e enjaular pessoas encontradas com drogas também será redirecionado para um fundo de serviços de tratamento.
A medida 110 reduziria as condenações por porte de drogas em quase 90%: de 4.057 condenações em 2019 para um número estimado de 378 no próximo ano, segundo a Comissão de Justiça Criminal do Oregon. O mesmo relatório descobriu que as disparidades raciais nas prisões por delitos de drogas podem cair em 95%, e que as condenações de negros e indígenas no Oregon podem cair impressionantes 94%. Esses números por si só mostram a tendência infalivelmente racista das prisões e condenações por drogas — apenas mais uma prova de um sistema insuportável.
Escrevendo ao site The Appeal no mês passado, Zachary Siegel argumentou que a abordagem do Oregon “marcaria uma mudança importante em favor de uma abordagem voltada para a saúde pública para o uso de substâncias, e um afastamento das políticas que encarceram as pessoas ou, no mínimo, as sobrecarregam com uma condenação criminal por comportamentos ligados ao vício”. A campanha de descriminalização recebeu forte apoio de membros das comunidades médicas e de saúde do estado, que observaram em primeira mão o fracasso do brutal status quo para ajudar vítimas da epidemia de opioides em curso no país. De acordo com a campanha da Medida 110, um em cada dez habitantes do Oregon estaria lutando contra o uso de substâncias.
“Vimos o que acontece com famílias e pacientes na sequência da epidemia de opioides”, disse Marianne Parshley, governadora da seção do Oregon do Colégio Americano de Médicos, à Oregon Public Boradcasting. Parshley disse que o risco de uma overdose mortal aumenta significativamente quando uma pessoa que está lidando com o vício é encarcerada: “o período de maior risco é nas duas semanas após sair de instituições correcionais”.
“A Medida 110 é possivelmente o maior golpe à guerra às drogas até agora”, disse Kassandra Frederique, diretora executiva da Aliança de Política de Drogas, em um comunicado. O grupo liderou a campanha da Medida 110 e redigiu a Lei de Reforma da Política de Drogas como legislação modelo, a ser adotada nas câmaras estaduais e nas medidas postas em votação em todo o país após seu sucesso no Oregon. Frederique acrescentou que “como vimos como o efeito dominó da legalização da maconha, esperamos que essa vitória inspire outros estados a promulgar suas próprias políticas de descriminalização das drogas que priorizam a saúde em vez da punição”.
EMBORA SEJA um primeiro passo nos EUA, a descriminalização de todas as drogas não é um experimento não testado. A Aliança de Política de Drogas, entre outros defensores da descriminalização e legalização, aponta para Portugal, onde todas as drogas foram descriminalizadas nas últimas duas décadas. As taxas de uso de drogas em Portugal permaneceram abaixo da média da Europa, e muito abaixo das vistas nos EUA — mesmo enquanto Portugal tem sofrido com anos de agravamento da crise econômica e picos extremos de desemprego. Enquanto isso, as taxas de infecção por HIV caíram, de 1.575 casos em 2000 para 78 casos em 2013. Após a descriminalização, as taxas de prisão por crimes relacionados com drogas caíram 60%, enquanto, por outro lado, o número de pessoas inscritas em programas de tratamento aumentou 60%. O número de mortes anuais por overdose de drogas despencou.
Não deveria ser surpresa que essa vitória progressista foi garantida diretamente pelos eleitores, em vez de líderes políticos que presumiam agir em nosso nome.
“Normalmente o foco é na descriminalização em si, mas ela funcionou porque havia outros serviços e aumentou a cobertura para troca de seringas, desintoxicação, comunidades terapêuticas e opções de emprego para pessoas que usam drogas”, contou Ricardo Fuentes, coordenador de uma organização fundada por pessoas que vivem com HIV em Lisboa, em entrevista à Vice News em 2016. “Foi a combinação da lei com esses serviços que fez [da descriminalização] um sucesso. É muito difícil encontrar em Portugal alguém que discorde desse modelo”.
O fato de tão poucas nações terem seguido o exemplo bem-sucedido de Portugal na aprovação da descriminalização de todas as drogas mostra o fortalecimento da guerra às drogas, e a normalização e o apoio histórico a medidas que criminalizam pessoas pobres e não brancas. No entanto, no Oregon e além desta votação, os eleitores dos EUA deixaram claro que, em grande número, as pessoas rejeitam respostas carcerárias ao uso de drogas. Como tantas questões relacionadas ao bem-estar público e à dignidade humana, não deveria ser surpresa que essa vitória progressista foi garantida diretamente pelos eleitores, em vez de líderes políticos que presumiam agir em nosso nome.
Tradução: Maíra Santos
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