Enquanto vários países elaboram estratégias de recuperação e crescimento verdes, associando crescimento econômico à redução das emissões de gases de efeito estufa, Bolsonaro decidiu seguir em direção oposta no Brasil.
Embora Ricardo Salles seja visto (corretamente) como o maior responsável pela grave situação ambiental que o Brasil atravessa, tem passado despercebido o fato que a política econômica de Paulo Guedes é amplamente desfavorável ao crescimento verde.
A equipe econômica do governo aposta numa estratégia de crescimento pautada na redução do estado e na produção de produtos primários, nos quais o país é mais produtivo, desprivilegiando políticas que incentivam a inovação e a produção industrial de alta tecnologia. Essa aposta, porém, corre sério risco de não só elevar o impacto ambiental da nossa economia como também de desacelerar nosso crescimento.
A política econômica do governo Bolsonaro vai contra cinco importantes pilares da proposta de crescimento verde. São eles:
Na contramão do mundo
Estratégias de crescimento verde já vêm sendo adotadas há mais de uma década em diversos países. Alguns exemplos são o plano quinquenal sul-coreano de 2009-2013, o chinês de 2011-2015 e as diretrizes de desenvolvimento verde da Irlanda de 2007-2013. Em particular, destaca-se o programa para crescimento verde da OCDE, iniciado em 2011.
Essas estratégias buscam combinar aumento da produção com redução de emissões de gases por meio de inovações tecnológicas verdes, mudança da estrutura produtiva e da matriz energética e aumento da eficiência no uso de recursos. Essas mudanças levam a ganhos de produtividade, de renda e à geração de empregos de qualidade. A reversão da mudança climática colabora ainda para elevar a produção agropecuária, pois reduz a ocorrência de eventos climáticos que a prejudicam, como enchentes, secas etc.
Diversos estudos têm apontado para a importância de elevar a complexidade da economia, isto é, diversificar a economia e adensar a produção industrial de alta tecnologia como forma de gerar crescimento e ao mesmo tempo mitigar impactos ambientais. Os influentes trabalhos dos professores César Hidalgo, da Universidade de Toulouse, e Ricardo Hausmann, de Harvard, indicam que o aumento da complexidade econômica está ligado ao aumento do crescimento do PIB per capita.
O índice de complexidade econômica capta o conhecimento produtivo presente em cada economia. Nesse sentido, trabalhos recentes têm mostrado que maior diversificação em setores de alta complexidade está também associada a um maior nível de conhecimento relacionado à aplicação de tecnologias mais limpas. Em artigo publicado este ano na revista Research Policy, a pesquisadora Penny Mealy e seu colega Alexander Teytelboym, ambos da Universidade de Oxford, apresentaram evidências que a produção de bens de maior complexidade está associada a mais inovações verdes e a menos impacto ambiental.
Em outra pesquisa semelhante, publicada como texto de discussão do Centro para Economia e Políticas Públicas de Cambridge, eu e Camila Gramkow, pesquisadora da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a Cepal, apresentamos evidências que o aumento da complexidade econômica conduz à redução da intensidade de emissões de gases de efeito estufa.
Estagnação cinza
A produção industrial de alta tecnologia, as inovações e os investimentos em infraestrutura são cruciais não só para a redução dos impactos ambientais da produção como também para o aumento da competitividade e do crescimento. Ao incentivar a reprimarização predatória e poluidora da economia brasileira, as políticas econômicas do governo Bolsonaro têm prejudicado também nossa produtividade, que apresentou queda de 1% em 2019. Essa queda foi puxada pela redução da produtividade da indústria e dos serviços, enquanto só a agropecuária apresentou ganho.
Somando todos esses fatores às turbulências da política brasileira e do cenário internacional, não surpreende que esteja ocorrendo fuga de capitais do Brasil, e que o investimento externo direto tenha sofrido forte retração em 2020.
Não é possível fomentar inovações verdes, elevar a produção industrial limpa, melhorar a infraestrutura, a matriz energética e a fiscalização ambiental sem políticas ativas do estado. O Green New Deal da União Europeia, por exemplo, irá destinar quase 2 trilhões de euros para fomentar a redução das emissões do bloco.
No Brasil, o estrangulamento dos gastos públicos pelo teto de gastos inviabiliza a adoção de políticas públicas que permitam combinar crescimento acelerado com mitigação da mudança climática. A adoção de uma estratégia de crescimento verde no país passa pela modernização do teto de gastos para permitir algum crescimento real do gasto e para liberar o investimento público.
Na contramão do mundo, o governo Bolsonaro vem mantendo baixos os investimentos públicos, reduziu os recursos para a inovação, relaxou o combate ao desmatamento, incentivou a produção primária e abdicou de elaborar políticas que incentivem produção industrial limpa e de alta tecnologia. Tudo isso colabora, simultaneamente, para a redução do crescimento e para a elevação das emissões de gases de efeito estufa.
Não é exagero afirmar que a política econômica de Paulo Guedes representa hoje a perfeita antítese da proposta de crescimento verde.
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