João Filho

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Rodrigo Constantino foi demitido pelos veículos de imprensa que normalizaram suas barbaridades

O fanatismo moral do economista já desfilou n’O Globo, no Valor, na Época, na Veja, em ZH, na Rádio Guaíba e na IstoÉ. Agora só a Gazeta do Povo o mantém

Rodrigo Constantino foi demitido pelos veículos de imprensa que normalizaram suas barbaridades

Rodrigo Constantino foi demitido pelos veículos de imprensa que normalizaram suas barbaridades

Ilustração: The Intercept Brasil

O país se chocou com as imagens das agressões verbais que Mariana Ferrer sofreu do advogado de André Aranha, o acusado por estupro que foi absolvido em primeira instância. Mas houve quem tenha se chocado menos e preferido questionar as atitudes da vítima. Enquanto o advogado, o promotor e o juiz do caso eram esculachados pela opinião pública, o economista Rodrigo Constantino apareceu para dar sequência às humilhações sofridas por Mariana.

Constantino afirmou que castigaria sua filha caso ela fosse estuprada estando bêbada. Disse ainda que não denunciaria o estuprador. No afã de defender os famigerados valores da família tradicional brasileira, o economista passaria um pano para o estuprador da sua própria filha.

É essa lógica doentia que faz a cabeça dos ultraconservadores. Esse fanatismo moral é uma característica central do conteúdo produzido por Constantino. Não é à toa que ele se tornou num dos maiores puxa-sacos de Bolsonaro e hoje atua como cão de guarda do bolsonarismo nos locais onde trabalha. Da direita à esquerda, todos o condenaram a fala de Constantino, menos, é claro, a militância bolsonarista, que apareceu em peso para defendê-lo em nome de uma falsa liberdade de expressão, como se a relativização de um crime hediondo fosse uma questão de opinião. Teve até deputado bolsonarista que saiu em defesa dos absurdos do economista.

Depois da forte reação pública à sua fala ostensivamente misógina na Jovem Pan, Constantino iniciou uma live em seu canal não para se retratar, mas para reforçar o ódio contra mulheres que não se comportam de acordo com seus deploráveis valores morais. Afirmou também que sua fala foi propositalmente descontextualizada — o que é mentira — e usada pela esquerda para persegui-lo.  “Eu não vou só falar de economia. Não vou ser um laranjinha, covardão do [partido] Novo que acende vela pra tucano e pra esquerda. Essa é a guerra. A guerra é cultural. Os socialistas estão vencendo pelo ambientalismo, pelo feminismo”, falou indignado, compartilhando a conspiração globalista difundida no Brasil por Olavo de Carvalho — do qual já foi um admirador antes de brigarem.

Muito antes de aderir ao bolsonarismo, Constantino já era uma figurinha carimbada no debate público. É um produto do antipetismo alucinado forjado durante anos por importantes veículos da  grande imprensa, que sempre lhe ofereceram importantes tribunas. Foi nesses espaços que pôde destilar seu machismo e angariar leitores. A declaração feita na Jovem Pan não é isolada, mas está plenamente contextualizada dentro da sua carreira de articulista. Só na Gazeta do Povo, onde permanece empregado até hoje, revelou sua obsessão por atacar mulheres feministas, sempre com títulos de baixíssimo nível:

“Aprendam, feministas: esse mundo é dos homens – e sempre será”

“A prova definitiva de que o feminismo é uma máquina de destruição de cérebros”

“Feminismo: de refúgio das barangas recalcadas para máquina de destruição de beleza”

“O feminismo é a porta de entrada para o socialismo”

“Juíza indicada por Trump cala feministas”

“O instinto feminista é atirar primeiro e perguntar depois”

“O socialismo venceu por meio do feminismo”

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Além da Gazeta do Povo e da Jovem Pan, o fanatismo moral de Rodrigo Constantino já desfilou no O Globo, no Valor Econômico, na Época, na Veja, em Zero Hora, na Rádio Guaíba e na IstoÉ. Todos esses veículos  deram espaço para que esse tipo de conteúdo fosse produzido por ele.

A revolta com a declaração na Jovem Pan não ficou restrita às redes de esquerda, como insinuou Constantino, mas furou a bolha e revoltou boa parte da audiência dos veículos que o empregam. Isso fez com que a Jovem Pan, a Record, a Zero Hora, a Rádio Guaíba, o jornal Correio do Povo e a Editora Record encerrassem os vínculos profissionais com o economista. As redes bolsonaristas, claro, saíram em sua defesa, alegando cerceamento da liberdade de expressão. Constantino não foi demitido por causa de uma opinião, como manchetou a revista IstoÉ, mas porque relativizou um crime de estupro e transformou a vítima em co-autora. Registre-se que todas essas empresas compactuaram com o proselitismo reacionário do economista nos últimos anos.

Depois de demitir Constantino, em 2015, a Veja apagou todos os textos dele do site.

Antes de virar esse pária na grande mídia, Constantino era tratado por ela como uma nova estrela do colunismo brasileiro. A Veja publicou um texto promovendo um dos seus livros chamando-o de “trovão da razão”: “O economista Rodrigo Constantino, colunista da Veja.com, diz coisas tão espetacularmente corretas que nem precisava gritar.”

Depois de demiti-lo, em 2015, a revista apagou todos seus textos do site. Constantino alegou que “a Veja sucumbiu ao PT”. Quando foi demitido do jornal O Globo, onde teve um palanque por seis anos — e escrevia colunas do mesmo baixo nível contra mulheres feministas —, também culpou a esquerda: “A turma de Chico Buarque conseguiu mais uma vitória”.

A revista Época publicou uma matéria de 2012 chamando-o de “novo trombone da direita”. Ali foi  incensado como um “intelectual provocador”, que ajudou a “roubar da esquerda a supremacia no terreno da polêmica nos dez anos do PT”. O baixo nível que o “intelectual” adota usualmente em seus textos sempre foi útil para achincalhar as esquerdas. Nenhum desses veículos pode se dizer surpreso.

Constantino aproveitou a onda de demissões para se apresentar quase que como um mártir da liberdade de expressão. O auto-intitulado “liberal sem medo da polêmica” ficou indignado com a reação do mercado, que o descartou depois que pressão da opinião pública o transformou em produto sem valor. Foi a lógica capitalista que move as empresas de jornalismo e seus anunciantes que o cuspiram fora. Constantino joga a culpa na esquerda por cacoete.

Rodrigo Constantino foi demitido pelos veículos de imprensa que normalizaram suas barbaridades

Apesar de tantas demissões, Constantino continua fazendo parte do elenco da Gazeta do Povo, o principal jornal do Paraná, que se tornou uma das casas da extrema direita bolsonarista. Ligada a Opus Dei, a publicação não se curvou à pressão dos seus próprios funcionários e manteve o colunista que acredita que estuprador de mulheres alcoolizadas não precisa ser denunciado. 

Constantino não surgiu do nada. Não emergiu do submundo reacionário das redes sociais. Antes de começar a aparecer na mídia, trabalhou por mais de dez anos no mercado financeiro. Só virou essa figura conhecida no debate político após ter sido um dos membros-fundadores do Instituto Millenium, um poderoso think tank neoliberal que reúne intelectuais e jornalistas importantes de grandes empresas. O instituto já teve grandes parceiros e mantenedores, como a Editora Abril, o Estadão, o Grupo RBS, e instituições financeiras como o Bank of America.

Foi a partir da participação na fundação do Millenium que as portas da mídia mainstream começaram a se abrir para o economista. Constantino é um dos membros-fundadores do grupo, que tem na sua linha de frente figurões como Paulo Guedes, Ali Kamel, Alexandre Schwartsman, Gustavo Franco, entre outros nomes poderosos do jornalismo e do debate público. O economista sempre foi um homem com ideias reacionárias, mas é um legítimo produto dos liberais e da grande imprensa. Ele chegou pela porta da frente.

Agora, perdeu palanques importantes, mas continua sendo um nome forte nas redes sociais. A exposição em importantes empresas de jornalismo durante anos contribuiu para normalizar as barbaridades do economista. Se agora lhe falta prestígio, não faltarão consumidores para a sua barbárie. O bolsonarismo, que ele ajudou a alimentar usando os palcos fornecidos pela imprensa, está aí para abrigá-lo.

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