O RenovaBR foi criado há três anos por milionários interessados em renovar e melhorar os quadros políticos do país. O grupo é novo, mas já tem grande poder de influência sobre a política brasileira. Em 2018, o Renova formou 133 estudantes e conseguiu eleger 17 políticos. Apesar dos seus criadores se dizerem apartidários e considerarem ultrapassado o conceito de direita e esquerda na política, mais da metade dos eleitos era do Novo, um partido de direita. Dos oito deputados federais eleitos pela sigla, quatro foram formados na escolinha do Renova. Neste ano, o grupo teve um crescimento gigantesco, chegando a eleger 147 alunos em 21 estados. Do total, 10 se elegeram como prefeitos. A lista de alunos eleitos não foi divulgada, mas ninguém tem dúvidas de que, como em 2018, a grande maioria foi eleita por siglas de direita.
Eduardo Mufarej, idealizador do grupo, era sócio de uma grande gestora de investimentos, a Tarpon, que já chegou a administrar cerca de 10 bilhões de reais. A especialidade dessa gestora é comprar ações de outras empresas e assumir a gestão delas. Mufarej tinha interesse também na área da educação. A Tarpon comprou o braço de educação do grupo Abril, a Abril Educação, por 1,7 bilhão de reais. A empresa virou a Somos Educação e se tornou a maior do país na área do ensino básico. Mufarej se tornou seu diretor-presidente.
Usando a mesma estratégia, a gestora de Mufarej assumiu o controle da BRF, que era a maior empresa de alimentos do país. Tudo ia bem quando a Tarpon levou um baque. Dois sócios de Mufarej foram indiciados por organização criminosa, estelionato, falsidade ideológica e crime contra a saúde pública no âmbito da Operação Carne Fraca, que investigava venda de carne adulterada, falta de fiscalização e fraudes contábeis. A empresa sofreu busca e apreensão, e um dos sócios chegou a ficar alguns dias na cadeia.
Mufarej saiu ileso, mas sua empresa perdeu muito dinheiro e ele resolveu dar um tempo. Foi nesse período que o milionário teve um insight que daria um novo propósito para a sua vida: “Eu já sabia que a gente estava caminhando para a venda da companhia, então comecei a pensar: o que vou fazer agora? Onde é que vai estar o meu próximo sentido? E a minha conclusão foi: eu preciso fazer alguma coisa que esteja afinada com o Zeitgeist, com a necessidade do país neste momento”, contou para a revista Piauí. Foi então que nasceu a ideia de criar o Renova.
Mas essa não foi a primeira investida do empresário na política. Há 10 anos, Mufarej apoiou financeiramente a candidatura do então candidato a deputado estadual Ricardo Salles, do DEM. A doação foi pequena, apenas 5 mil reais, mas nos oferece um indicativo de como pensa politicamente o investidor. Naquela época, o atual ministro do Meio Ambiente era líder do Movimento Endireita Brasil, um grupo que pregava a renovação da direita. Mas era uma renovação para pior, já que se tratava de um movimento reacionário, alinhado aos ideais do que hoje chamamos de bolsonarismo. Era esse tipo de político que fazia a cabeça de Mufarej.
Para criar o Renova, o investidor contou com a ajuda de outros milionários também preocupados com os rumos da política brasileira. Empresários como Luciano Huck, Wolff Klabin, Abílio Diniz, o publicitário Nizan Guanaes e o economista Armínio Fraga abraçaram o sonho de Mufarej. Com a ajuda desses empresários, o Renova conseguiu arrecadar mais de 18 milhões de reais em doações em 2018.
Segundo a revista Piauí, a grade curricular do curso do Renova foi elaborada com a ajuda de três políticos escolhidos a dedo: ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda (sem partido), a ex-senadora Ana Amélia, do Progressistas, e o ex-ministro Alexandre Baldy, também do PP — esses dois últimos apoiaram Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições. Baldy era secretário de Transportes de Doria em São Paulo, mas teve que se afastar depois que se viu investigado por envolvimento em esquema de propinas, chegando a ser preso pela Polícia Federal. Ele voltou ao cargo em outubro. Gilmar Mendes suspendeu a ação penal da Lava Jato contra Baldy até que se decida se a competência para julgamento é da Justiça de Goiás ou do Rio de Janeiro.
Além de oferecer curso de formação política, que eles garantem ser despidos de ideologia, o grupo financia seus candidatos para que eles possam se dedicar integralmente às campanhas políticas. O Renova garante não querer nada em troca, mas não é bem assim que as coisas funcionam na prática. Apoiar a reforma da previdência de Bolsonaro parece ser ponto pacífico para quem fez as aulas do Renova. Oito dos nove deputados federais formados pelo RenovaBR votaram a favor do projeto. A exceção foi Joênia Wapichana (Rede), a única parlamentar indígena do Congresso, que admitiu a necessidade de uma reforma, mas entende que ela deva “ser sustentável, justa e inclusiva”.
Ficou conhecido o caso em que a pedetista Tabata Amaral, uma rara aluna do Renova eleita que se apresenta como progressista, contrariou o PDT e votou a favor da reforma da previdência de Bolsonaro. Tabata desrespeitou uma decisão da convenção nacional do partido, na qual ela esteve presente e não se pronunciou. Dois deputados formados pelo Renova filiados ao partido Novo chegaram até mesmo a visitar o presidente fascistoide para oferecer total apoio na aprovação da reforma, o que chegou a ser comemorado por Mufarej. O partido Novo, o queridinho do Renova, é um dos mais fiéis ao bolsonarismo nas votações da Câmara, tendo aderido ao governo em 93% das vezes.
‘Movimentos como esse nada mais são do que uma forma de garantir que os interesses dos seus financiadores sejam atendidos’.
Há outros grupos nos mesmos moldes do Renova como Agora e o Acredito, que também são apoiados por Huck e Mufarej. Eles foram criados na esteira da onda de negação da política e da crise de representatividade partidária. Ciro Gomes os chama de “partidos clandestinos”, criados para “burlar a proibição de financiamento empresarial”.
De fato, ser aluno do Renova abre portas para arrecadação eleitoral. Seus integrantes passam a ter maior facilidade de acesso a esse círculo de milionários dispostos a investir em campanhas políticas. Tabata Amaral, por exemplo, admite que ser do Renova “é um selo de qualidade”. Cerca de 20% do total arrecadado por sua campanha em 2018 foram doados por empresários em jantares. Boa parte desses jantares foi promovida por apoiadores do grupo.
Para ser aprovado pelo Renova, o aluno deve passar no “teste de democracia”, criado para identificar tendências autoritárias e barrar extremistas, sejam de esquerda ou direita. Na prática, a teoria é outra. O grupo aprovou, em 2018 e 2019, a participação de filiados do PSL — o partido que abraçou o bolsonarismo e ajudou a colocar no poder um projeto declarado de degradação da democracia. Quando Bolsonaro foi eleito, Mufarej foi cotado para ser ministro da Educação. Era o nome preferido de Paulo Guedes, com quem já teve negócios.
Em 2019, durante a formatura, um grupo de alunos resolveu exercitar essa suposta liberdade política. Tiraram fotos com máscara de Lula e gritaram “Lula Livre” e “quem matou Marielle?”. Mufarej não gostou e escreveu uma coluna na Folha de S. Paulo chamando o ato de “equívoco”. O faria limer reclamou também da “falta de consideração” de “alguns poucos alunos durante a formatura deste ano”.
Esses grupos de renovação na política, todos financiados pelo alto empresariado, tem ideologia clara apesar de negar. Seguem o liberalismo de Paulo Guedes, aquele que não vê tanto problema em dar suporte a governos de extrema direita. Mesmo os poucos alunos eleitos com tendências mais progressistas acabam se alinhando aos interesses econômicos do grupo na hora das votações.
A tão sonhada chapa Moro e Huck seria a grande representante do tipo de renovação que grupos como o Renova querem para a política. Uma renovação pela direita, mas que se finge de centro e flerta com a extrema direita quando é interessante para o mercado. Aliás, se Luciano Huck for eleito presidente, certamente contará com a simpatia dos alunos eleitos que ajudou a formar colocando dinheiro do próprio bolso. Ele entraria no governo já com uma bancada de apoio invejável, sem necessidade de negociar com partidos políticos. É um investimento que pode valer a pena, não é mesmo?
Os partidos políticos têm muitos problemas, mas são a base da democracia. Mas os movimentos como esse nada mais são do que uma forma de garantir que os interesses dos seus financiadores sejam atendidos. Os partidos políticos são encarados por eles como meros trampolins para a defesa dos interesses das elites. Essa é a democracia que o dinheiro pode comprar.
Correção, 22 de novembro de 2020, 16h45
Diferentemente do que constava em uma primeira versão deste texto, a deputada Tabata Amaral não arrecadou verba em jantares organizados diretamente pelo Renova. Esses eventos foram promovidos em boa parte por apoiadores do Renova.
Atualização, 24 de novembro, 9h40
O secretário dos Transportes do governo de São Paulo, Alexandre Baldy, voltou ao cargo em outubro, após Gilmar Mendes suspender a ação penal da Lava Jato contra ele até que se decida se a competência para julgamento é da Justiça de Goiás ou do Rio. O texto foi atualizado.
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