O governo de Angola tornou público ontem um documento que confirma o bispo angolano Valente Bezerra Luís como o novo representante da Igreja Universal do Reino de Deus no país. Coordenador da chamada Comissão da Reforma, Valente é um dos dissidentes que liderou a revolta dos angolanos contra Edir Macedo e cúpula brasileira da Igreja.
O documento, com data de 17 de dezembro, mostra que o estado angolano reconheceu as decisões de uma assembleia da Universal local realizada no dia 24 de junho. Na ocasião, os religiosos em Angola haviam rompido com o império de Edir Macedo e a cúpula brasileira. No lugar, elegeram o bispo Bezerra, líder da revolta, como representante. A ata da assembleia chegou a ser publicada no diário oficial de Angola em julho, mas o resultado da votação foi contestado pela cúpula da Universal por supostas irregularidades.
Agora, em meio a um clima de guerra civil entre os religiosos, Angola impôs uma dura derrota a Edir Macedo. No documento, o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos do Ministério da Cultura de Angola afirma que a Universal é reconhecida pelo estado angolano e confere poderes a Valente Luís. Com isso, o movimento autointitulado Reforma assumiu, enfim, o controle da igreja no país.
Para “efeitos de legalidade da liderança dessa confissão religiosa”, o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos de Angola informa ser “suficiente” a ata da assembleia da Universal publicada no Diário da República, o Diário Oficial angolano, no último dia 26 de novembro. O documento é assinado pelo diretor do órgão, Francisco de Castro Maria.
A comunicação no órgão oficial já era interpretada pelos religiosos locais como a tomada definitiva do controle da Universal no país. Os seguidores de Macedo não concordavam. O bispo Felner Batalha, porta-voz da Comissão da Reforma, disse ao Intercept que está claro que quem representa a Universal em Angola é o bispo Valente Luís. “O órgão supremo da Igreja é sua assembleia-geral. Quem delibera sobre os assuntos da instituição é a sua assembleia. Só ela pode alterar os órgãos sociais da Igreja”, reafirmou Batalha. “Se ninguém da Igreja no momento oportuno pediu a impugnação, está decidido”.
Há um ano, bispos e pastores angolanos iniciaram um movimento de protesto contra a cúpula brasileira da Igreja. Mais de 300 religiosos – de um total de 455 – assumiram o controle de 85% dos 331 templos da Universal no país. Os reformistas, como se autointitulam, elaboraram um manifesto em que acusam a representação brasileira da igreja de crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas e expatriação ilícita de capitais, além de racismo, discriminação, abuso de autoridade, imposição da prática de vasectomia aos pastores e intromissão na vida conjugal dos religiosos.
As denúncias passaram a ser investigadas pela Procuradoria-Geral da República de Angola e pelo Serviço de Investigação Criminal, um misto de polícias Civil e Federal no país. A procuradoria informou, na segunda-feira, 21, que essas investigações continuam em andamento.
Na assembleia da Universal em junho, os religiosos locais determinaram a dissolução de sua antiga diretoria e a destituição do bispo brasileiro Honorilton Gonçalves da cúpula da igreja em Angola. Ex-homem forte da TV Record no Brasil, Gonçalves é um dos mais antigos dirigentes da Universal e pessoa de absoluta confiança de Edir Macedo.
Os bispos e pastores angolanos denunciaram, segundo a ata da assembleia, a “violação sistemática aos estatutos e direitos dos membros” da igreja. Eles acusam a Universal de várias práticas abusivas, como “discriminação racial e violação das normas estatutárias”, “imposição e coação à castração ou vasectomia aos pastores”, “privação aos pastores e suas respectivas esposas do acesso à formação acadêmica, científica e técnica profissional” e suposta falsificação de atas. Também reclamam de a Igreja dar procurações com “plenos poderes a cidadãos brasileiros para exercer atos reservados à assembleia geral” e abusar “de confiança na gestão dos recursos financeiros e patrimoniais”, entre outros pontos. Os revoltosos criticam a gestão dos recursos financeiros da igreja local, como a venda de patrimônio sem consulta aos membros.
A assembleia também decidiu destituir “de todos os seus poderes” o então presidente do conselho de direção da Universal, o bispo angolano Antonio Pedro Correia da Silva. Por unanimidade, também decidiu encerrar o trabalho dos missionários brasileiros da Igreja em Angola.
A Igreja Universal se disse vítima de calúnia e difamação e afirmou que seus opositores angolanos seriam ex-membros expulsos da igreja “devido à prática de atos ilícitos e à violação do código de conduta moral”. Jair Bolsonaro tentou interceder em favor da igreja de Edir Macedo, seu aliado político. Em julho, enviou uma carta ao seu colega de Angola, João Lourenço, manifestando preocupação e pedindo proteção aos brasileiros.
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