Vozes

:batedor:FALTA POUCO TEMPO!

O Intercept revela os segredos dos mais poderosos do Brasil.

Você vai fazer sua parte para que nosso jornalismo independente não pare?

Garanta que vamos bater nossa meta urgente de fim de ano.

Faça uma doação de R$ 20 hoje!

QUERO DOAR

:batedor:FALTA POUCO TEMPO!

O Intercept revela os segredos dos mais poderosos do Brasil.

Você vai fazer sua parte para que nosso jornalismo independente não pare?

Garanta que vamos bater nossa meta urgente de fim de ano.

Faça uma doação de R$ 20 hoje!

QUERO DOAR

1º Natal sem Miguel: ‘A saudade do meu filho aperta que penso que vou morrer’

A primeira audiência ocorreu em dezembro, quando tomei ciência da defesa de Sarí Côrte Real, minha ex-patroa que deixou Miguel sozinho no elevador: eles dizem que ela não tinha como impedi-lo. É uma barbaridade.

RECIFE, PE, 03.12.2020 - CASO-MIGUEL-PE - Manifestação em frente ao Centro Integrado da Criança e do Adolescente (Cica) no bairro da Boa Vista, no centro da cidade do Recife (PE), onde acontece nesta quinta-feira (3) a primeira audiência de instrução e julgamento do Caso Miguel. A empresária Sari Corte Real é acusada do crime de abandono de incapaz, que acabou com a morte do menino Miguel, de 5 anos, que caiu do prédio de luxo onde a mãe dele Mirtes Renata trabalhava como empregada. O caso aconteceu em 2 de junho. Sari é esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB). (Foto: Genival Paparazzi/Photo Press/Folhapress)

1º Natal sem Miguel: ‘A saudade do meu filho aperta que penso que vou morrer’

Foto: Arquivo pessoal/Mirtes Souza

Miguel adorava o período de festas de Natal e ano-novo. Ver a casa decorada para ele era encantador, ficava ansioso esperando o Papai Noel trazer o presente dele. Algumas vizinhas se juntavam aqui na rua para fazer uma festa para as crianças.

Desde que eu e o Paulo, pai de Miguel, nos separamos, alternávamos as festas. Por isso, em 2019 Miguel passou o Natal com o pai, e o Réveillon comigo. Fomos à praia ver a queima de fogos e ele amou tudo aquilo. Foi um momento mágico. Neste ano de 2020, Miguel ia passar o Natal comigo. Mas, diante do crime que ocorreu com meu filho, passei o Natal sem ele.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Todos os dias eu sofro. A saudade do meu filho aperta de uma forma que penso que vou morrer. Esse Natal e Réveillon são os primeiros de muitos que passarei sem ele. O que me restou foi essa dor imensa por sua partida cruel, a saudade, as lembranças dos momentos lindos que vivemos juntos.

Não é fácil relembrar o caso, mas é necessário. Miguel foi abandonado no elevador por minha ex-patroa Sarí Mariana Costa Gaspar Côrte Real, enquanto eu havia saído para levar a cadela da família para fazer dela necessidades na rua. Quando retornei, fui à portaria social pegar uma encomenda. Ao me dirigir ao elevador, encontrei o zelador, que me disse que alguém havia caído do prédio. Naquele momento, senti uma dor muito forte no peito e algo me dizendo para ir ao encontro dessa pessoa. Chegando ao andar “L”, encontrei meu filho no chão. Levamos Miguel para o Hospital da Restauração, mas infelizmente ele não resistiu.

Ainda no hospital, Sarí me disse que Miguel havia fugido do apartamento, havia dado “um drible” nela, entrado no elevador, e ela não conseguiu segurar a porta. Quando eu estava na delegacia dando o depoimento, chegaram as imagens das câmeras e eu não tive condições emocionais de assistir. O delegado e a equipe dele ficaram abalados com as imagens. A escrivã saiu correndo e chorando com o que viu. Eu apenas perguntei de qual andar meu filho havia caído, e o delegado disse: do 9° andar.

Ainda na delegacia o delegado chamou o marido de Sarí, Sérgio Hacker, para assistir às imagens. Quando ele saiu, chamou Sarí no canto do corredor e conversou com ela. Logo depois, Sarí veio até mim e disse: “amo muito você e Martinha, eu só disse a Miguel ‘vai que depois tua mãe te encontra’”. O delegado a acusou de homicídio culposo e determinou uma fiança de R$ 20 mil, o que a permitiria responder em liberdade.

Eu estava muito abalada naquele momento, e não consegui entender o que tudo aquilo significava. No dia seguinte, Sarí e Sérgio foram ao velório e foram expulsos por pessoas revoltadas com o que havia sido mostrado na televisão. Depois do enterro me mandaram as imagens.

Fiquei chocada com o que vi. Sarí mentiu para mim no hospital, quando descreveu o que havia acontecido. Por falta de paciência, maldade, falta de amor ao próximo e preconceito, eu perdi meu filho.

Sarí deixou Miguel no elevador e acionou o botão da cobertura. Miguel parou no 9° andar, porque ele apertou outros botões. Ela não quis tocar na pele negra do meu filho, para tirá-lo do elevador, e se justifica dizendo que isso não era da alçada dela, que ela não tinha responsabilidade sobre ele.

O monstro que abandonou meu filho no elevador não sentiu um pingo de arrependimento por ser a causadora da morte de uma criança de 5 anos. Na delegacia, me tratou com frieza e ironia, demostrando que pouco lhe importava o que aconteceu com meu filho ou com a minha família, que ela destruiu. Ela acredita que por ter dinheiro, status e nome poderoso, não vai lhe acontecer nada. Sarí Côrte Real acredita que vai sair impune!

No fim da investigação, ao concluir o inquérito, o delegado Ramon Teixeira mudou a tipificação de homicídio culposo para abandono de incapaz com resultado morte, o que para nós foi um primeiro passo importante. O inquérito foi enviado ao Ministério Público, e a Promotoria aceitou a denúncia e acrescentou dois agravantes, um por ser criança e outro por ter acontecido durante o período em estado de calamidade pública (pandemia) e exigiu a pena máxima prevista para esse crime.

Logo depois, o caso foi encaminhado ao juiz, que o aceitou integralmente. Depois de alguns meses, com muita pressão de minha parte, de meu advogado e com apoio de movimentos sociais, foi marcada a primeira audiência de instrução. Essa audiência foi realizada em 3 de dezembro, na Vara de Crimes contra a Criança e Adolescente, que foi mais um capítulo doloroso para mim. Os advogados de Sarí atuaram para atrasar o andamento do caso do meu filho, pois faltaram quatro testemunhas – sendo três delas do interior de Pernambuco e uma da Paraíba. Essas quatro pessoas não estavam no momento do crime, portanto, pouco têm a colaborar com o julgamento.

Entretanto, para mim a pior dor foi tomar ciência da linha de defesa que os advogados de Sarí estão operando: o discurso deles busca nitidamente adultizar Miguel e infantilizar Sarí. É uma barbaridade, de uma crueldade imensa, retratar meu filho como uma criança incontrolável, mal-educada e grosseira, apresentando Miguel como culpado da própria morte. Sim! Os advogados estão afirmando isso, quando infantilizam Sarí, argumentando que ela “fez tudo o que podia”, mas não teve condições de impedir Miguel de usar o elevador.

Miguel era uma criança de 5 anos, saudável, estudioso, generoso, cheio de sonhos. E, independentemente de qualquer aspecto de sua personalidade, toda e qualquer criança tem o direito de ser protegida de possíveis riscos a sua integridade física. Como qualquer criança dessa idade, meu filho não tinha noção dos vários perigos a que se expunha quando entrou naquele elevador. Cabia à Sarí, a pessoa adulta que estava com ele, evitar que ele se expusesse a esses riscos.

Sarí Corte Real é uma mulher de 31 anos, empresária, mãe de dois filhos. Uma pessoa adulta, que agiu guiada por discriminação e demonstrou explicitamente com suas atitudes que a segurança de Miguel não lhe importava. A estratégia da defesa só aumenta ainda mais minha indignação e revolta, pois para proteger a criminosa querem sujar a imagem do meu filho.

Quero aqui destacar que não estou sozinha nesta luta por justiça. Ao longo de todo o desenrolar do caso, tenho recebido muito apoio do movimento negro de Pernambuco, de organizações como a Rede de Mulheres Negras, a Articulação Negra de Pernambuco, o Coletivo de Negritude do Audiovisual e, em nível nacional, da Coalizão Negra por Direitos e a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial, o Cojira-DF.

Tenho também contado com o apoio do Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares, o Gajop, do Instituto Menino Miguel (que foi criado em homenagem ao meu filho). Recebo também desde o início um grande apoio da artista transdisciplinar Mana Bernardes, do Rio, que vem me ajudando a dar visibilidade ao caso, com campanhas, cards, vídeos, entre outras ações. Conto também com apoio de coletivos de fora do Brasil, como o Kilomba Collective e o AfroResistance, dos Estados Unidos, que vem ajudando a ecoar pelo mundo o meu pedido de justiça.

Eu não vou cessar esta luta até que a Justiça seja feita para o meu filho. Espero poder contar com toda a sociedade brasileira para se somar ao meu grito de #JustiçaPorMiguel!

JÁ ESTÁ ACONTECENDO

Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, precisamos bater a meta de arrecadar R$ 500 mil até a meia-noite!

Você está pronto para combater a máquina bilionária da extrema direita ao nosso lado? Faça uma doação hoje mesmo.

Apoie o Intercept Hoje

Entre em contato

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar