Sou jornalista brasileiro, moro em Porto Alegre e sou usuário do Twitter desde 2009. Em 6 de janeiro, enquanto ocorria em Washington a invasão do Capitólio incitada pelo então presidente Donald Trump, minha conta, @LuizAraujoJor, foi bloqueada depois de um tuíte no qual comparei o incidente à série de TV “The Office”.
A publicação continha uma imagem de um gabinete parlamentar invadido — amplamente exibida na internet — e outra de uma cena da mencionada sitcom.
O motivo do bloqueio, segundo o Twitter, foi ter supostamente publicado “informações privadas de outras pessoas”. Só que o meu post não tinha informação privada nenhuma. Pelos canais da própria plataforma, recorri. Argumentei que o tuíte só continha informações públicas e notórias. Não obtive resposta e estou impedido de acessar e atualizar minha conta desde o dia 6.
A seguir, estão 10 razões pelas quais protesto e resisto ao bloqueio do Twitter.
1 – É censura
A livre manifestação do pensamento é condição essencial da democracia e está assegurada na constituição brasileira, independentemente de censura ou licença.
Censura é prática típica de ditaduras. O Twitter não pode usar o slogan “O que está acontecendo?” e, ao mesmo tempo, apagar ou impor mudanças ao que seus usuários publicam em suas contas.
2 – Fere meus direitos de usuário
O Acordo do Usuário do Twitter, que compõe os Termos da plataforma, garante o uso de seus serviços para publicação de conteúdo. Estou impedido, porém, de acessar ou atualizar minha conta sem ter violado os termos de uso. O Twitter não pode oferecer um serviço no papel e negá-lo na prática.
3- Não infringi regras do Twitter
O Twitter afirma que a conta foi bloqueada por, supostamente, “publicar ou postar informações privadas de outras pessoas sem sua autorização e permissão expressas”. O tuíte em questão não contém informações privadas, mas sim de circulação e conhecimento públicos, divulgadas em inúmeros meios e plataformas, incluindo o próprio Twitter.
4 – A conta é legal e legítima
Minha conta, @LuizAraujoJor, é aberta e visível a todos. Exibe informações de identificação e contato, links para outras redes sociais e dados sobre minha trajetória e obra.
5 – A conta segue a ética e as finalidades do jornalismo
Minha conta é utilizada para publicação de conteúdo jornalístico, de caráter informativo, interpretativo e opinativo, de acordo com a ética, os valores e os preceitos do jornalismo.
A maioria de meus seguidores e das contas que sigo é de profissionais, professores, pesquisadores, empresas e instituições jornalísticas, artistas, intelectuais e personalidades públicas. Um abaixo-assinado de entidades do jornalismo, da comunicação e da produção editorial exige do Twitter o imediato desbloqueio.
6 – Tenho direitos sobre o conteúdo da conta
Embora o Acordo do Usuário do Twitter diga que “o que for seu será seu”, na prática, estou impedido — sem justificativa — de acessar e dispor de meu conteúdo nessa rede social.
7 – Não há clareza nem transparência sobre os motivos do bloqueio
O Twitter não esclareceu, até agora, as motivações do bloqueio. As únicas comunicações que recebi são de que meus recursos estão sendo avaliados sem prazo de resposta e que tenho a opção de apagar o tuíte, essa última sorrateira, inaceitável e despropositada.
8 – O Twitter tem dois pesos e duas medidas sobre as publicações de usuários
Enquanto bloqueia minha conta, o Twitter deixa disponíveis tuítes como os do presidente Jair Bolsonaro e do Ministério da Saúde com “informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à covid-19” porque “pode ser do interesse público que esse Tweet continue acessível” (as palavras entre aspas são do Twitter).
Informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à covid-19, que já deixou mais de 210 mil mortos no Brasil, são toleradas. Já um tuíte que não contém nada disso é bloqueado. É a uma empresa com esse tipo de prática que entregamos nossos dados, marcas e patrimônio intelectual?
9 – Liberdade de expressão é direito fundamental que não pode ser negociado
Para desbloquear minha conta, o Twitter exige que eu apague o tuíte que motivou o bloqueio. Propõe que eu seja meu próprio censor. Atitude indigna e aviltante, que merece repúdio de todos que prezam a liberdade de expressão.
10 – O Twitter e as big techs podem muito, mas não podem tudo
Cedemos grande parcela de poder sobre nossas vidas a plataformas que atuam com critérios incertos, valores opacos e objetivos muitas vezes inconfessáveis.
São as chamadas big techs, das quais o Twitter é integrante de segunda divisão, a ponto de sequer ser citado no popular acrônimo Faang (Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google).
Essas plataformas ganharam atributos de um estado paralelo: não satisfeitas em obter lucros desmedidos, querem controlar o debate público. É por isso que estão na mira de comissões de inquérito, agências reguladoras, instituições acadêmicas e entidades de direitos humanos no mundo inteiro.
Elas próprias não podem ignorar a torrente de denúncias, como mostra, de forma parcial e suavizada, o documentário “O dilema das redes”, disponível na Netflix. Devem ser chamadas com urgência para prestar contas à sociedade no Brasil e no mundo.
O atraso nessa responsabilização fez com que as big techs não apenas adotassem um modus operandi autoritário e incontrolável, mas dessem uma contribuição chave para a erosão da democracia, como se vê em toda parte.
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