A viagem agendada do senador Bernie Sanders para Bessemer, estado do Alabama, em apoio à campanha de sindicalização dos trabalhadores da Amazon, fez a empresa se antecipar aos debates. Dave Clark, executivo da Amazon, declarou que a gigante de US$ 1 trilhão seria “a Bernie Sanders dos empregadores”, além de lançar uma provocação: “Se você quiser ouvir um discurso sobre salários de US$ 15 por hora e sobre assistência médica, o senador Sanders estará falando a respeito disso no centro da cidade. Mas se você quiser ganhar pelo menos US$ 15 por hora e ter um bom plano de assistência médica, a Amazon está contratando.”
O deputado Mark Pocan respondeu no twitter: “Pagar US$ 15/hora aos trabalhadores não faz um empregador ser progressista se você impede a sindicalização e faz os trabalhadores urinarem em garrafas de água”, uma referência a informações de 2018, que revelaram o fato de que os trabalhadores da Amazon não conseguiam fazer paradas para ir ao banheiro e precisavam urinar em garrafas. A Amazon foi rápida em desmentir: “Você não acredita mesmo nessa coisa de urinar nas garrafas, acredita? Se isso fosse verdade, ninguém trabalharia para nós.”
Mas os trabalhadores da Amazon com quem conversei disseram que a prática era tão difundida, devido à pressão para cumprir as demandas de trabalho, que os gerentes faziam referências frequentes a ela durante reuniões, em documentos formais sobre regras, e em e-mails fornecidos ao Intercept. Conforme mostram esses documentos, a prática era conhecida pela gerência, que a identificou como uma infração recorrente, mas nada fez para aliviar a pressão responsável por tais situações. Em alguns casos, os funcionários chegam a defecar em sacolas.
A Amazon não respondeu ao Intercept até o momento da publicação.
Um documento de janeiro, marcado como “Confidencial da Amazon”, detalha várias infrações cometidas por funcionários da empresa, incluindo “urinar em público” e “defecar em público”. O documento foi fornecido ao Intercept por um funcionário da Amazon em Pittsburgh, Pensilvânia, que, como a maioria dos funcionários com quem conversei, pediu anonimato para evitar represálias profissionais.
O funcionário também forneceu um e-mail enviado por um gerente da área de logística da Amazon em maio do ano passado, repreendendo funcionários por defecarem em sacolas. “Esta noite, um colaborador descobriu fezes humanas em uma sacola da Amazon que foi devolvida à estação por um motorista. Esta é a terceira vez nos últimos dois meses em que as sacolas retornam à estação com fezes dentro. Entendemos que os colaboradores motoristas podem ter emergências enquanto estão na estrada e, especialmente durante a Covid, têm dificuldade de encontrar banheiros durante as entregas.”
“Notamos um recente aumento de todos os tipos de lixo insalubre sendo deixados dentro das sacolas: máscaras usadas, luvas, garrafas de urina”, continua o e-mail. “Ao escanear o código QR na sacola, podemos facilmente identificar o motorista que estava com a sacola por último. Esses comportamentos são inaceitáveis, e no futuro vão resultar em Infrações de Nível 1. Comunique esta mensagem aos seus motoristas. Eu sei que pode parecer óbvio, ou algo que você não deveria precisar ensinar, mas por favor, seja explícito ao comunicar a mensagem de que eles NÃO PODEM fazer cocô ou deixar garrafas de urina dentro das sacolas.”
Halie Marie Brown, de 26 anos, moradora de Manteca, Califórnia, trabalhou como entregadora para uma empresa terceirizada pela Amazon, a Soon Express, até pedir demissão em 12 de março. Ela disse ao Intercept que a prática “ocorre porque somos literal e implicitamente forçados a isso, caso contrário acabamos perdendo nossos empregos devido ao grande número de ‘pacotes não entregues’.”
Um e-mail que Brown recebeu de seu gerente em agosto passado contém uma seção intitulada “Garrafa de urina” e afirma: “De manhã, você deve verificar cuidadosamente se há lixo e garrafas de urina em sua van. Se você encontrar garrafa(s) de urina, informe ao seu gestor, à equipe de apoio, ou a mim. As vans serão inspecionadas pela Amazon durante as vistorias, e se garrafas(s) de urina forem encontradas, você receberá uma infração de nível 1, para afastamento imediato.”
Embora a Amazon tecnicamente proíba a prática – os documentos a caracterizam como uma infração de “Nível 1”, que poderia levar à demissão, segundo os funcionários –, os motoristas apontam a regra como enganosa, uma vez que não seriam capazes de cumprir suas demandas de outro jeito. “Eles nos dão 30 minutos de descanso remunerado, mas você não vai conseguir terminar seu trabalho se parar, não importa quão rápido você seja”, disse um entregador da Amazon em Massachusetts.
Questionada se a gestão flexibilizou as demandas em função dessa prática, Brown disse: “De jeito nenhum. Na verdade, ao longo do meu tempo lá, nosso volume de pacotes e entregas aumentou substancialmente.”
Conforme os funcionários, o cenário foi agravado à medida que a Amazon recebeu um enorme crescimento no número de pedidos por entregas durante a pandemia do coronavírus. Os funcionários da Amazon disseram que seu desempenho é monitorado tão de perto, pelo uso do grande arsenal de vigilância de funcionários pela empresa, que eles temem ficar abaixo de suas cotas de produtividade.
Um e-mail, fornecido ao Intercept por um motorista de Houston, que trabalha para uma terceirizada da Amazon, faz alusão às câmeras da empresa que podem identificar os trabalhadores que deixam garrafas de urina nas vans. “Os dados dessas câmeras podem ser enviados para a Amazon em caso de qualquer incidente na estrada. (Tivemos vários acidentes graves, uma van roubada, motoristas deixando garrafas de urina nas vans, etc.)”
Conforme o funcionário, “todos os dias no meu turno, preciso usar a garrafa como banheiro para terminar meu percurso a tempo. Isso é tão comum que muitas vezes você vai encontrar garrafas de outros motoristas embaixo dos assentos das vans. (…) O fato de a Amazon tuitar isso é hilário.”
Os relatos públicos de que os funcionários da Amazon pulavam os intervalos para ir ao banheiro tiveram início em um livro de 2018 do jornalista britânico James Bloodworth. No livro Hired: Six Months Undercover in Low-Wage Britain, (Contratado: Seis Meses Disfarçado nos Subempregos da Grã-Bretanha”, em tradução livre), o autor alega que os trabalhadores da Amazon em um depósito em Staffordshire, no Reino Unido, precisavam urinar em garrafas para cumprir as metas de produtividade. Embora a maioria dos funcionários com quem conversei fossem motoristas que entregavam produtos, eles disseram que a prática também era comum nas fábricas.
A votação dos trabalhadores dos depósitos da Amazon no Alabama sobre sua sindicalização se tornou um ponto crítico para as organizações trabalhistas. Embora a Amazon tenha criticado publicamente Sanders, ele está longe de ser o único político importante a expressar apoio ao direito dos funcionários de formar um sindicato. No mês passado, o presidente Joe Biden divulgou uma declaração em vídeo dizendo: “Todo trabalhador deve ter a escolha livre e justa de se filiar a um sindicato”, o que “deve ser feito sem intimidação ou ameaças por parte dos empregadores”.
A eleição, que termina em 29 de março, vai determinar se os mais de 5 mil trabalhadores dos depósitos vão se unir ao Sindicato do Varejo, Atacado e Armazenagem. Atualmente, nenhum dos 800 mil funcionários da Amazon nos Estados Unidos é sindicalizado.
Tradução: Antenor Savoldi Jr.
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