As empresas farmacêuticas norte-americanas responsáveis pelas vacinas aprovadas nos EUA contra o coronavírus – Johnson & Johnson, Moderna e Pfizer – discretamente revelaram seus planos para aumentar os preços das vacinas num futuro próximo, e para capitalizar sobre a presença duradoura do vírus.
Embora essas empresas tenham se beneficiado da boa vontade da população em decorrência da corrida para desenvolver as vacinas, os executivos da indústria farmacêutica observaram que o público ainda está bastante sensível aos preços dos medicamentos, e os riscos de reputação coibiram até agora a capacidade de auferirem vastas recompensas financeiras.
Essa situação, eles esperam, deve mudar quando a pandemia acabar: uma data que os próprios fabricantes se reservam o direito de definir. Representantes das farmacêuticas, durante falas em recentes conferências e videochamadas com investidores, revelaram a expectativa de que o vírus deverá continuar em ação, transformando a pandemia em uma endemia permanente. E à medida que as mutações da covid-19 continuem a se espalhar e os reforços da vacina sejam necessários de forma regular, os líderes das três empresas veem com entusiasmo as oportunidades de lucrar.
“À medida que haja uma mudança de pandemia para endemia, consideramos que existirá uma oportunidade para nós”, disse Frank D’Amelio, o diretor financeiro da Pfizer, em uma conferência. Fatores adicionais, tais como a necessidade de reforço da vacina, apresentam uma “oportunidade significativa para a nossa vacina da perspectiva da demanda, da perspectiva do preço, dado o perfil clínico da nossa vacina”.
Moderna e Johnson & Johnson também se comprometeram com a acessibilidade de suas vacinas enquanto durar a pandemia, mas já sinalizaram aos investidores que planejam retomar uma precificação mais “comercial” talvez ainda no final deste ano.
As vacinas já estão fadadas a estarem entre os medicamentos mais lucrativos de todos os tempos. As empresas esperam obter bilhões de lucro só esse ano, e todos os principais fabricantes de medicamentos com vacinas contra o coronavírus aprovadas nos EUA receberam investimentos e pedidos antecipados de órgãos governamentais.
O governo dos EUA financiou integralmente a pesquisa e o desenvolvimento de diversas vacinas contra o coronavírus, inclusive as produzidas pelos laboratórios Moderna e Johnson & Johnson, em cifras de mais de 2 bilhões de dólares. Os EUA também desembolsaram quase 2 bilhões de dólares em adiantamentos para assegurar doses da vacina da Pfizer, que foi desenvolvida em parceria com a BioNTech, uma empresa que recebeu do governo alemão quase 500 milhões de dólares em auxílio para o desenvolvimento.
A Pfizer, uma das pioneiras globais na corrida pela vacina, fala com bastante clareza das imensas oportunidades de ganho econômico que enxerga nas vacinas. D’Amelio, diretor financeiro da empresa, foi um dos palestrantes em uma chamada de Zoom na última quinta-feira (18), na Conferência Global de Saúde Barclays, para discutir a questão.
Carter Lewis Gold, analista do Banco Barclays, observou que a Pfizer enfrentou desafios específicos de “ótica”, mas perguntou se a empresa iria “buscar aumentar os preços mais para a frente”.
D’Amelio afirmou que o preço atual “claramente não está correspondendo ao que eu chamaria de condições normais de mercado, forças normais de mercado”, mas sim ao “estado pandêmico em que nos encontramos e às necessidades dos governos de realmente garantirem doses de vários fornecedores de vacina.” Uma vez que a pandemia acabe, continuou ele, haverá “oportunidades significativas” para a Pfizer.
Os comentários vêm na esteira de uma longa explicação sobre os aspectos financeiros da vacina, durante uma videochamada sobre os mais recentes resultados trimestrais da Pfizer. Durante o evento, executivos da Pfizer anunciaram a projeção de que a vacina da empresa contra o coronavírus representaria só neste ano uma receita de vendas de US$15 bilhões, dos quais US$ 4 bilhões seriam exclusivamente lucro. Essa estimativa, segundo observadores, tornaria a vacina contra coronavírus da Pfizer um dos produtos farmacêuticos mais rentáveis da história.
As projeções de receita estão baseadas em preços negociados com os governos em condições pandêmicas, o que poderia mudar em breve. Nas informações mais recentes divulgadas a seus investidores, a Pfizer revelou ter recebido pagamentos adiantados pela vacina num total de 957 milhões de dólares, até 31 de dezembro [de 2020]. Nos EUA, a empresa concordou com um preço de US$19,50 por dose de vacina, ou US$ 39 por paciente, com base em uma série de duas doses. Na União Europeia, os preços cobrados são mais altos, aproximadamente US$ 64 por dose. Esses números, porém, podem aumentar. A vacina pneumocócica da Pfizer, por exemplo, Prevnar 13, custa US$ 200 por dose no mercado privado.
A empresa vem enfrentando pressão por mais controle de preços, e pela liberação da vacina como um genérico. O senador Bernie Sanders, de Vermont, exigiu que a Pfizer e outros fabricantes de medicamentos compartilhem as patentes e a propriedade intelectual ligadas à vacina com os países em desenvolvimento, de forma a encerrar a pandemia o mais rápido possível. A indústria farmacêutica, detentora de uma ampla rede de lobby, se opôs ferozmente à proposta, bem como a demandas semelhantes pela regulação de preços.
Albert Bourla, presidente da Pfizer, disse na chamada com os investidores que a empresa tem pouco com que se preocupar em relação à oposição política.
“Acreditamos que a indústria tenha gerado uma grande medida de boa vontade do Congresso e da opinião pública por meio dos nossos esforços em relação ao tratamento e à vacina contra covid-19”, afirmou ele. Bourla acrescentou que estava na expectativa de começar a atuar com o governo Biden e com membros do Congresso de ambos os lados do espectro político.
No ano passado, muitas empresas farmacêuticas se comprometeram a suspender temporariamente várias estratégias regulares de precificação para ajudar a debelar a crise do coronavírus. O laboratório Moderna causou impacto em outubro, quando anunciou que não iria fazer valer certos direitos de patente em relação à vacina que desenvolveu. A AstraZeneca, cuja vacina foi aprovada em outros países, mas não nos EUA, prometeu no ano passado que só venderia a vacina sem fins lucrativos aos países em desenvolvimento, “durante a pandemia”.
Essas promessas, porém, não foram cumpridas. A Pfizer teria supostamente pressionado os governos latino-americanos, incluindo a Argentina, a oferecer como garantia ativos soberanos, como prédios de embaixada e bases militares, para cobrir os custos de eventuais processos relacionados a efeitos adversos da vacina.
As promessas da AstraZeneca foram comprometidas por um vazamento de contratos. Nas negociações com os fabricantes locais, a AstraZeneca estabeleceu que se reserva o direito de declarar o fim da pandemia para fins de precificação. O jornal Financial Times obteve um protocolo de intenções revelando que a promessa de não auferir lucro da vacina durante a pandemia teria fim já em 1º de julho de 2021.
A Moderna não tomou quaisquer medidas para compartilhar direitos de propriedade intelectual da vacina, tecnologia de fabricação, ou projeto, e se recusou a participar do fundo patrocinado pela Organização Mundial de Saúde para distribuir vacinas a preços baixos para os países em desenvolvimento.
Stephen Hoge, presidente da Moderna, em sua fala na conferência do Banco Barclays na semana passada, esclareceu da mesma forma que a empresa se manteria sensível às preocupações em relação à acessibilidade dos preços durante a pandemia.
“Pós-pandemia, quando entrarmos na fase que chamarei de epidemia sazonal, como se espera que ocorra com um vírus SARS-Cov-2, temos a expectativa de uma precificação mais normal com base em valor”, declarou Hoge.
Joseph Wolk, vice-presidente executivo da Johnson & Johnson, em sua fala na Conferência de Investidores Institucionais Raymond James este mês, indicou que os investidores poderiam esperar da empresa uma reavaliação da vacina em termos de “precificação bem mais alinhada com uma oportunidade comercial” quando a pandemia acabar.
Wolk observou que o fim da pandemia é uma questão “fluida”. O anúncio, disse ele, poderia corresponder a um percentual de pessoas vacinadas, embora não tenha mencionado nenhum número específico. O “período de pandemia vai permanecer pela maior parte deste ano, talvez o ano inteiro”, continuou, antes de esclarecer que a declaração ficaria a cargo da Johnson & Johnson.
“Acho que, pensando nisso, não é algo que vai ser ditado para nós”, disse Wolk.
O fim da pandemia pode ser declarado pela Organização Mundial de Saúde ou por outros organismos internacionais. As empresas farmacêuticas, porém, não estão sujeitas a nenhuma exigência legal de estabelecer preços segundo a determinação da OMS.
A Moderna e a Johnson & Johnson preferiram não comentar sobre suas estratégias de precificação e as circunstâncias que usariam para determinar o fim da pandemia.
A Pfizer, indagada sobre quando declararia o término da pandemia para fins de precificação, optou por divulgar uma declaração de D’Amelio. “Estamos comprometidos com o princípio de acesso igualitário e a custos razoáveis à vacina da Pfizer-BioNTech contra a covid-19 para as pessoas de todo o mundo”, disse D’Amelio. “Declaramos claramente em nossas divulgações públicas que prevemos uma fase pandêmica que poderia durar até 2022, em que os governos serão os principais compradores de nossa vacina.”
As promessas vagas dos fabricantes de vacinas sobre acessibilidade, combinadas com a manutenção do controle monopolista sobre a tecnologia de vacinas financiadas com dinheiro público, incomodaram as entidades de fiscalização em saúde pública.
Achal Prabhala – coordenador do projeto AccessIBSA, que faz campanha pelo acesso a medicamentos – destacou que só o governo dos EUA, por meio da Operação “Warp Speed”, injetou 18 bilhões de dólares nos fabricantes de vacinas, em acréscimo aos pagamentos adiantados pelas doses, de forma a garantir que a indústria farmacêutica não enfrentasse nenhum risco financeiro.
“Sabe, os americanos estão impressionados por estarem recebendo vacinas de graça”, disse Prabhala. “E é claro que não são de graça, porque eles já pagaram por elas uma vez, mas agora estão impressionados por não estarem pagando por elas duas vezes.”
A indústria farmacêutica vem enfrentando um declínio na aprovação pública ao longo da última década. Mas a pandemia se mostrou uma oportunidade de ouro, observa Prabhala.
“Muito embora empresas como a Pfizer, que não disponibilizou sua vacina para 85% da população mundial, estejam gozando de enorme popularidade nos EUA e na Europa porque conseguiram desenvolver as vacinas rapidamente, e elas aparentemente funcionam bem. É uma situação confortável pouco comum para a indústria farmacêutica, eles não estão acostumados a serem vistos como salvadores”, acrescentou.
Mas as empresas contiveram aumentos de preços mais drásticos, ou mesmo discretos, continuou Prabhala, porque estão administrando o potencial de risco à sua reputação. “É bem interessante que elas agora estejam aguardando o momento oportuno para aumentar os preços, quando um número suficiente de pessoas tiver sido vacinado”, acrescentou.
Tradução: Deborah Leão
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