Executivo do Facebook é indicado pelo governo para Conselho Nacional de Proteção de Dados

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Executivo do Facebook é indicado pelo governo para Conselho Nacional de Proteção de Dados

Mas o nome da big tech não aparece na indicação feita por subordinados de Paulo Guedes. Escolha cabe a Bolsonaro.

Executivo do Facebook é indicado pelo governo para Conselho Nacional de Proteção de Dados

Um executivo do Facebook pode se tornar, em breve, conselheiro de proteção de dados da Agência Nacional de Proteção de Dados, órgão do governo responsável por fiscalizar e punir violações de privacidade. Recém-saído do governo Bolsonaro, onde dirigia a área de desburocratização no Ministério da Economia, José Ziebarth é responsável há oito meses por políticas de privacidade na empresa de Mark Zuckerberg. E, sem deixar o emprego na big tech, ele pode voltar às discussões na esfera governamental, desta vez sentado em uma cadeira do órgão responsável por aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD.

É o conselho que discutirá a privacidade dos cidadãos no Brasil, estabelecendo regras e limites para empresas e punições para vazamentos e outras violações. O caso da mudança arbitrária nos termos de uso do WhatsApp – que pertence ao Facebook –, por exemplo, poderia ser regulado pela agência.

Parece irônico que um dos assentos do órgão seja destinado a um alto executivo de uma empresa que usa dados e informações pessoais justamente para gerar dinheiro – e é. Talvez por isso, a palavra Facebook não apareça na indicação de Ziebarth ao conselho. O nome dele aparece na lista como uma indicação da Enap, a Escola Nacional de Administração Pública, órgão ligado ao Ministério da Economia.

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Até o ano passado, Ziebarth era um entusiasta das “transformações digitais” capitaneadas na área que ele dirigia no Ministério da Economia, a de desburocratização. Assim, com hashtags, ele postava em seu Facebook iniciativas de digitalização de serviços, “marketplaces” e novas plataformas. Enquanto trabalhava para Paulo Guedes, Ziebarth também foi um dos responsáveis por implementar no setor público a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, criada nos anos anteriores e assinada em 2019 por Bolsonaro.

No ano passado, Ziebarth pediu exoneração do cargo. Em 11 de agosto, ele se desligou do governo em uma espécie de debandada do núcleo ultraliberal-defensor-de-reformas-e-privatizações do Ministério da Economia. Salim Mattar, secretário de desestatização e desinvestimentos, e Paulo Uebel, secretário especial de desburocratização, gestão e governo digital, também pediram demissão. Guedes, na época, atribuiu a debandada à demora em conseguir travar a agenda de privatizações e reformas.

Na época da exoneração, o advogado afirmou que “foi uma honra”e alegou “motivos pessoais”. No mês seguinte, já estava trabalhando em um cargo-chave no Facebook, responsável por relacionamento com governos na área de privacidade. Em outras palavras: o Facebook contratou um ex-diretor do Ministério da Economia, com bom trânsito em uma área crucial para seus negócios. Agora, o próprio Ministério da Economia dá um empurrão para que o executivo do Facebook assuma uma cadeira num órgão com prerrogativas de regular as atividades da big tech.

O nome ficou na lista de indicados por dois dias. Só depois de ser procurado pelo Intercept o Facebook se esquivou: afirmou que a indicação foi da Enap e disse que iria pedir a retirada do nome de Zeibarth do processo seletivo. Até a tarde desta quarta, no entanto, ele ainda estava lá. Perguntei também se a indicação foi feita sem consentimento do Facebook. A rede social não respondeu.

Militares e lobistas

A Agência Nacional de Proteção de Dados é o órgão responsável por traçar diretrizes e fiscalizar violações de proteção de dados nos termos da LGPD, sancionada por Bolsonaro em 2019. É ela que discute, por exemplo, se os termos de uso do WhatsApp são abusivos ou não e investiga a responsabilidade de vazamentos que colocam todos nós em risco.

A ideia era que a ANPD fosse um órgão independente e com autonomia técnica. Mas, sob Bolsonaro, sua atuação já foi esvaziada: o presidente vetou punições mais rígidas e, pior, nomeou uma diretoria militarizada para a instituição. Dos cinco diretores, três são militares – o que lhes garante maioria nas decisões.

Restou ao Conselho Nacional de Proteção de Dados a chance de a sociedade civil ser melhor representada na agência. Segundo a lei, instituições científicas, tecnológicas e de inovação, confederações sindicais, empresários e trabalhadores devem ter representantes no Conselho, que tem papel consultivo. No total, serão 23 conselheiros não remunerados, entre os indicados pela sociedade, membros do governo e do Congresso.

Para escolher a composição, o governo lançou cinco editais para receber as candidaturas. Dos indicados para cada área será formada uma lista tríplice, e Bolsonaro será o responsável por escolher o representante de cada uma delas. Nesta terça-feira, 13 de abril, saiu o listão: o governo recebeu 122 nomes para compor o conselho. No rol, há lobistas, advogados, pesquisadores e ativistas conhecidos na área, que representam dezenas de instituições, associações e empresas.

O nome de Ziebarth está entre eles, mas não o vínculo dele com a empresa em que trabalha. No dia 22 de fevereiro, Diogo Costa, presidente da Enap, se reuniu com Ziebarth. Pauta da reunião: o Conselho Nacional de Proteção de Dados. O edital para preenchimento das vagas havia sido aberto 19 dias antes.

Segundo as regras dos editais, os candidatos devem ter vínculos comprovados com as entidades responsáveis pela indicação. Questionada, a Enap afirmou que José Ziebarth, a quem se referiu como “professor”, é colaborador do órgão e tem contribuído com “vários projetos da Enap na área de proteção de dados”. Não especificou quais são eles.

Autoridades de proteção de dados são uma maneira de regular a atividades gigantes de tecnologia.

Assim, por meio da Enap, o governo bancou a candidatura do Facebook ao Conselho Nacional de Privacidade. A gigante da tecnologia, você sabe, tem no uso de informações pessoais, como coração de seus negócios. Elas são a matéria prima para a venda de anúncios direcionados, que é com o que Zuckerberg se tornou bilionário. O Facebook é, junto com o Google, a mais legítima representante do “capitalismo de dados”, conceito cunhado pela professora de Harvard Shoshana Zuboff para definir o novo modelo predominante na economia digital que capitaliza sobre nossa intimidade, gostos e comportamentos.

É, também, um conglomerado poderoso, que inclui as redes Instagram e WhatsApp. Juntas, as três coletam montanhas de dados sobre bilhões de pessoas e acham que podem mudar as regras como lidam com essas informações quando bem entendem. As autoridades de proteção de dados são uma maneira de regular a atividade dessas empresas. Na Irlanda, por exemplo, é a Data Protection Commission que está investigando o vazamento de dados de 533 milhões de usuários do Facebook.

No começo do ano, quando o WhatsApp queria enfiar a mudança nos termos de uso sobre privacidade goela abaixo, especialistas apontaram que esse seria um dos tópicos a serem arbitrados pela ANPD. Pode uma empresa ter domínio do mercado e resolver mudar as regras sobre o que fazer com os nossos dados no meio do jogo? Esse tipo de questão cairá no colo dos conselheiros.

Agora, o Conselho Diretor da ANPD – aquele com maioria de militares – será o responsável por elaborar as listas tríplices dos candidatos a serem enviadas para a chancela de Bolsonaro. Os critérios serão, segundo a agência, “a representatividade do candidato e a sua experiência na área de proteção de dados pessoais e áreas correlatas”.

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