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Bíblia SIM
Constituição NÃO
Quem mora no Rio de Janeiro já deve ter visto a imagem acima. A votação do STF sobre abrir ou fechar igrejas durante a pandemia tem uma dimensão prática que ficou esquecida no debate público. É dela que quero falar brevemente hoje.
O que se viu: Bolsonaro usando o seu nanoministro Kássio Nunes Marques, o advogado-geral da União, André Mendonça, e o fiel escudeiro empossado procurador-geral da República, Augusto Aras, para agradar a “católicos e evangélicos fundamentalistas” – assim, de modo genérico e difuso, mas vocês entendem sobre quem estamos falando. Isso é verdade, claro. Mesmo que tenha perdido a votação, o bolsonarismo enfrentou a questão e tentou manter abertos os templos e seus dizimistas. Mas, vejam, essa briga serviu, também, para manter colada no bolsonarismo uma parte perigosa, racista e antissemita de pessoas que usam a religião como pretexto para espalhar ideais nazistas e fascistas.
Não são os felicianos ou malafaias – clássicos adesistas que sempre tentarão plugar nas tetas do governo de turno. É de gente bem pior que estou falando. Gente que lá atrás, muito antes de Bolsonaro pensar em disputar a Presidência, já era parte de sua base por ver ali, naquele deputado, alguém capaz de defender a história indefensável.
Pra começar, o pedido foi feito pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos, um grupo comandado por calvinistas que está corroendo o governo por dentro, sem alarde. A diferença principal dos evangélicos calvinistas para os demais é sua compreensão de que o cristianismo deve reivindicar a hegemonia cultural. Um cristianismo, claro, implacável na sua denúncia do “esquerdismo”, do “liberalismo teológico” e do “comunismo. É um caminho para lá de perigoso.
A Anajure é nazista? Salvo melhor juízo, não. Mas chamo atenção para um fato: estranha muito que ela defenda, por exemplo, pessoas fazendo um gesto que os nazistas imortalizaram, mesmo que ninguém sequer tenha falado em Anajure ou chamado a Anajure para essa conversa. Qual o objetivo de atravessar a rua para escorregar em uma casca de banana que não é sua? Naturalizar a saudação de modo que ela seja absorvida como “normal”? A Anajure deveria ter mais cuidado.
Como bem disse Michel Gherman, o bolsonarismo só ganhou corpo quando estendeu a mão para uma parte extremamente podre da nossa sociedade. E Bolsonaro e seu movimento não podem perder essa gente, sobretudo agora, quando sua popularidade cai e a gestão assassina da pandemia é um fato inegável. Sem eles, não são nada.
Uma coisa muito importante: grupos neonazistas são a verdadeira base de Bolsonaro. Não lembra? Eles já estavam defendendo o então deputado em 2011 (!), quando sequer se imaginava que Jair teria alguma intenção de concorrer à Presidência. Sabendo disso, um ano depois, Bolsonaro falou das qualidades de Hitler ao CQC. Estava alisando seus apoiadores.
Foi ali, em rede nacional, que pela primeira vez o Brasil viu um homem público, com chances eleitorais, capaz de dizer – como diria mais tarde – que o holocausto pode ser perdoado. O supremacistas tinham, enfim, seu candidato.
Ao dar vazão, em pleno Supremo, ao ideário de “Bíblia SIM, Constituição NÃO”, o bolsonarismo acena mais uma vez às seitas que formam seu néctar. As pichações no Rio, por exemplo, são feitas pelos membros da congregação Geração Jesus Cristo, um grupo religioso que promove uma agitação política muito parecida com as que se viu pré-golpe de 64. Entre seus atos, estão a publicação de vídeos nos quais seus membros se vangloriam por destruírem imagens de um centro espírita e, claro, clamar por um novo holocausto. Bolsonaro não pode arriscar perder essa base. Não agora, quando está cada vez mais enfraquecido.
Falar sobre inspirações nazistas e fascistas na política virou lugar-comum dos gritos nas democracias. Muitas vezes, eram hipérboles que enfraqueciam a própria ideia do terror nazista. Não é disso que se trata agora. O atual governo é, sim, inspirado e suportado por supremacistas. É essa base, em última instância, que vai ficar ao lado de Bolsonaro em qualquer situação – seja politicamente, para salvá-lo de um impeachment, seja nas ruas, para tacar fogo no país.
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