O deputado estadual Mamãe Falei se indignou com a chegada do senador Flávio Bolsonaro ao seu partido, o Patriota. A sigla de extrema direita, que hoje serve de abrigo para praticamente todas as principais lideranças do MBL, sonha em abrigar a candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição. Quem nasceu ontem pode até acreditar nessa ojeriza ao bolsonarismo, mas quem acompanha minimamente a política nacional sabe que essa revolta é uma tentativa de reposicionamento de imagem para a disputa eleitoral.
Poucos anos atrás, o MBL se projetou nacionalmente defendendo quase todas as principais pautas do bolsonarismo. Quem diz isso não sou eu, mas o próprio Mamãe Falei em um congresso do MBL em que estive presente:
“Concordamos muito com o Bolsonaro em diversas coisas: revogação do estatuto do desarmamento, redução da maioridade penal… Concordamos em diversas pautas. Inclusive quando ele falou mal da CLT, eu quase soltei fogos na minha casa. Quando ele fala em criar leis antiterroristas que atinjam o MST, eu acho que é um ato de extrema coragem. Eu acho uma palhaçada quando começam a chamá-lo de racista e homofóbico.”
Criminalizar movimento social, demonizar direitos trabalhistas, reduzir a maioridade penal e facilitar o acesso da população às armas — essas eram algumas das bandeiras dos garotos que hoje juram que só apoiaram Bolsonaro por causa da política econômica ultraliberal de Paulo Guedes. Nunca se soube de uma mudança de postura do grupo em relação a essas pautas, o que nos leva a crer que o rompimento não foi por questões ideológicas, mas por oportunismo eleitoral. O plano econômico bolsonarista fracassou miseravelmente e foi por isso — e não por supostas divergências ideológicas — que o MBL rompeu com o bolsonarismo. Com o apoio do grupo, Bolsonaro se elegeu, cumpriu o que prometeu durante a campanha e empurrou o país na ladeira da barbárie. As digitais dos garotos liberais estão impregnadas nessa tragédia. Se a economia estivesse bombando, certamente o grupo estaria tolerando numa boa todos os fascisminhos nossos de cada dia do presidente.
‘Não há dúvidas de que o MBL sabia muito bem com quem estava se associando’.
Além de reproduzir os valores bolsonaristas, o MBL admirava o perfil do candidato Bolsonaro, a quem considerava um homem de “extrema coragem”. Nesse mesmo congresso de 2017, o grupo vendeu bonés com a frase “Make South America Great Again” e era possível ver pessoas circulando com camisetas estampadas com a imagem de Bolsonaro. Entre os convidados do evento estavam Joice Hasselmann, o pastor Marco Feliciano, José Medeiros, Flávio Rocha e Rogério Marinho — quase todos bolsonaristas convictos até hoje.
O apoio do grupo ao presidente no segundo turno das eleições, portanto, foi algo natural, assim como a escolha pelo Patriota, um partido cujo lema é “Brasil acima de todos”. Apesar de negar, o MBL ajudou a fomentar o bolsonarismo e sempre defendeu ideais reacionários. Lembre-se que nós estamos falando de um grupo de jovens que até pouco tempo atrás invadiu museu para protestar contra nudez em obras de arte.
Após a eleição, as lideranças do MBL viajaram em peso até Brasília para comemorar a vitória ao lado do presidente. Aos risos, o deputado Kim Kataguiri gravou um vídeo em que pergunta para Bolsonaro em tom de deboche: “Existe um boato de que você é racista, que você é homofóbico, que você é intolerante…” Bolsonaro gargalhou com piadinha do seu então aliado. Kataguiri tirava um sarro da cara de quem acusava o presidente de ser racista e homofóbico, mesmo sabendo que o próprio já havia pesado pretos quilombolas em arrobas e admitido publicamente ser “homofóbico com muito orgulho”. Não há dúvidas de que o MBL sabia muito bem com quem estava se associando.
Atualmente, o grupo se coloca frontalmente contra Jair Bolsonaro, chegando até a protocolar um pedido de impeachment. Esse rompimento não é entre direitistas moderados e radicais, como o grupo quer fazer parecer, mas um racha interno na extrema direita. Não é à toa que hoje brigam pelo controle do mesmo partido. Agora o MBL pretende sair à francesa do bolsonarismo, como se não tivesse nada a ver com ele.
O MBL jura que abandonou o bolsonarismo logo no início do governo, mas, ao que parece, o bolsonarismo ainda não abandonou o grupo. Senão, como explicar que eles aceitaram continuar integrando até hoje um partido que vota a favor de praticamente todos os projetos do bolsonarismo no congresso? A fidelidade da sigla a Bolsonaro não é pequena. O Patriota é o segundo partido mais fiel ao governo, perdendo apenas para o PSL. Segundo levantamento do Congresso em Foco, o partido ficou a favor dos projetos bolsonaristas em 94% das votações,
É importante relembrar como surgiu o partido que o MBL escolheu pra chamar de seu e que agora pretende abandonar. O Patriota tem o mesmo presidente desde a sua fundação e foi formado por políticos “terrivelmente evangélicos” oriundos do PSC. Adilson Barroso, o presidente da sigla desde a sua fundação, sempre esteve disposto a fazer qualquer negócio dentro da política. A sigla se chamava PEN, o Partido Ecológico da Nação, mas seus fundadores não eram ambientalistas nem tinham qualquer relação com a defesa do meio ambiente. O “ecológico” era apenas fachada. O importante mesmo era abocanhar a grana do fundo partidário. No início de 2018, com a onda bolsonarista se formando, o partido ecológico se transformou em um partido de extrema direita e passou a abrigar o bolsonarismo. A mudança de nome, aliás, se deu por conta de um pedido de Jair Bolsonaro, que procurava um partido para se lançar presidente. Essa foi a legenda de aluguel que os jovens “liberais” do MBL escolheram para lançar suas candidaturas.
Mas agora essa parceria está chegando ao fim. Depois de dar o comando do diretório paulista para o MBL e lançar Mamãe Falei à prefeitura de São Paulo, o Patriota agora está decidido a alugar o partido para a família Bolsonaro. O MBL, que sempre aceitou o bolsonarismo do Patriota, não poderá continuar aceitando depois da chegada dos Bolsonaro. Eles precisam manter uma mínima coerência com o discurso de quem rompeu com o bolsonarismo. Rubinho Nunes, o advogado do MBL que se elegeu vereador de São Paulo pelo Patriota, foi expulso essa semana do partido por criticar a filiação de Flávio Bolsonaro. Fernando Holiday já arrumou as malas e se prepara para ir para o Novo, que é um dos 5 partidos mais fiéis ao bolsonarismo na Câmara. Mamãe Falei ainda não abandonou a sigla, mas saída dele e de outras lideranças é questão de tempo.
Hoje, o MBL se coloca frontalmente contra Jair, chegando até a protocolar um pedido de impeachment. O grupo quer apagar seu passado recente de apoio à barbárie para se manter como um grupo relevante dentro da direita dita civilizada.
Todos temos o direito de rever nossas posições, claro, mas uma mudança radical como essa deveria ser justificada com o mínimo de clareza e transparência, o que até agora não aconteceu. Se quer mudar a imagem, o MBL precisa explicar essa conversão repentina à direita democrática e o abandono das pautas bolsonaristas. Precisa explicar porque antes achava “uma palhaçada” chamar Bolsonaro de “racista e homofóbico”. Não acha mais?
Se essa mudança é mesmo genuína, por que o grupo se manteve até agora sob as asas de um partido bolsonarista? São dúvidas que o MBL não faz questão de esclarecer. Está claro que esse será o estelionato eleitoral que o grupo pretende aplicar nas próximas eleições: a venda de lobo reacionário em pele de cordeiro moderado.
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