O presidente boliviano, Luis Arce, à esquerda, e o ex-presidente Evo Morales levantam os punhos durante as comemorações do 26º aniversário do partido governista Movimiento al Socialismo, em La Paz, Bolívia, em 29 de março de 2021.

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Ex-ministro da Defesa da Bolívia planejou segundo golpe usando mercenários dos EUA

Gravações telefônicas e e-mails vazados revelam que o ministro boliviano Luis Fernando López estava pronto para usar tropas estrangeiras e impedir a volta da esquerda ao poder.

O presidente boliviano, Luis Arce, à esquerda, e o ex-presidente Evo Morales levantam os punhos durante as comemorações do 26º aniversário do partido governista Movimiento al Socialismo, em La Paz, Bolívia, em 29 de março de 2021.

UM ALTO FUNCIONÁRIO do último governo boliviano planejou a utilização de centenas de mercenários dos Estados Unidos para reverter os resultados da eleição de outubro de 2020 do país sul-americano, de acordo com documentos e gravações de áudio de chamadas telefônicas obtidas pelo Intercept.

O objetivo do recrutamento de mercenários era impedir que Luis Arce assumisse a presidência em nome do Movimento al Socialismo, ou MAS, o partido do ex-presidente Evo Morales. A trama prosseguiu mesmo após Arce, aliado de Morales, vencer a disputa por larga margem, ganhando 55% dos votos no primeiro turno e eliminando a necessidade de uma nova votação em segundo turno.

Em uma das gravações vazadas, uma pessoa identificada como Ministro da Defesa da Bolívia disse que estava “trabalhando para evitar a aniquilação do país”. As forças armadas e o povo precisavam “se levantar”, acrescentou, “e impedir um governo de Arce. … As próximas 72 horas serão cruciais.”

O plano parece ter sido minado por discordâncias entre ministros e por divisões dentro das forças armadas, pressionadas pela convincente vitória de Arce em 18 de outubro de 2020. A ideia nunca foi executada, e vários altos funcionários do governo cujo mandato chegava ao fim fugiram da Bolívia ou foram presos por outras acusações relacionadas à corrupção e seu suposto papel no golpe de 2019.

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Mais de um ano antes, a Bolívia havia mergulhado em uma espiral de crise. Em outubro de 2019, quando Morales disputava eleições para um polêmico quarto mandato, a oposição o acusou de fraudar a disputa, e a Organização dos Estados Americanos – OEA –, rapidamente deu aval à acusação. Em meio a protestos generalizados, um motim policial e a pressão do exército, Morales foi forçado a renunciar e fugir do país. Jeanine Áñez, uma senadora evangélica pouco conhecida, foi empossada às pressas como presidente interina, prometendo realizar novas eleições dentro de algumas semanas.

Em vez disso, ela afastou o governo da abordagem esquerdista de Morales e aproximou-se da Casa Branca de Donald Trump, adotando um exaltado tom cristão em contraste com a defesa que Morales fazia da cultura andina indígena, e emitindo um decreto protegendo de forma preventiva os soldados de qualquer acusação. Logo depois, as forças armadas promoveram vários massacres enquanto reprimiam a oposição ao novo governo interino.

Promotores e gangues perseguiram os militantes do MAS nos tribunais e nas ruas. Após 14 anos de crescimento sob Morales, milhares de pessoas foram arrastadas de volta à pobreza durante a pandemia da covid-19 – que Áñez utilizou repetidas vezes como uma razão para adiar a realização de eleições. Em meio a manifestações em massa exigindo novas eleições, Áñez finalmente permitiu a votação no último mês de outubro. Ela também concorria à presidência, mas abandonou a disputa depois que as pesquisas a colocaram em um distante quarto lugar.

A eventual vitória de Arce, em uma eleição cuidadosamente escrutinada, mostrou uma impressionante rejeição da guinada à direita orquestrada por Áñez. Ministro da Economia de Morales durante muito tempo, Arce também se distanciou de seu ex-líder. “Nós recuperamos a democracia”, Arce disse aos seus apoiadores, jurando trabalhar para estabilizar e unificar o país.

No entanto, a direita boliviana não estava pronta para abrir mão do poder. A ligação telefônica com o ministro da Defesa de Áñez, na qual interlocutores sugerem que vários outros altos funcionários provavelmente participariam da iniciativa, mostra um plano de golpe ainda mais evidente que o de outubro de 2019.

Vários dos conspiradores discutiram o envio de centenas de mercenários estrangeiros para a Bolívia a partir de uma base militar dos Estados Unidos próxima a Miami. Eles juntariam suas forças com unidades militares de elite boliviana, esquadrões de policiais renegados e grupos de milicianos em uma tentativa desesperada de impedir que o maior movimento político do país retomasse o poder.

Os telefonemas, junto com os e-mails vazados discutindo a mobilização em grande escala de mercenários durante as eleições, revelam como a Bolívia poderia ter vivenciado um novo derramamento de sangue no final do ano passado.

Duas fontes militares dos Estados Unidos confirmaram que os comandos das Operações Especiais para os quais eles trabalham haviam tomado conhecimento da trama para o golpe de Estado na Bolívia. Mas nada aconteceu, eles disseram ao Intercept. Uma fonte de operações especiais acrescentou : “Na verdade, ninguém os levou a sério, até onde eu sei.”

Bolivian Armed Forces High Ranking Officers Promotion Ceremony

Ex-Ministro da Defesa Luis Fernando López, à direita, durante cerimônia de promoção de altos oficiais das Forças Armadas da Bolívia no Gran Cuartel de Miraflores no dia 20 de julho de 2020, em La Paz.

Foto: Gaston Brito/Getty Images

“O Comandante-em-Chefe das Forças Armadas”

A mais longa das gravações é um telefonema de 15 minutos com uma pessoa que o Intercept identificou como Luis Fernando López, um ex-paraquedista e empresário nomeado ministro da Defesa por Áñez em novembro de 2019. López, que é referido na chamada como “Sr. Ministro”, pode ser identificado através de referências ao seu trabalho como ministro com as forças armadas, e comparando a voz e os argumentos do principal interlocutor na gravação com discursos disponíveis e de conhecimento público.

O outro protagonista da chamada parece ser Joe Pereira, um ex-administrador civil do Exército dos Estados Unidos que estava baseado na Bolívia à época. Pereira, que já havia se vangloriado por ter ligações com as forças especiais dos EUA, e foi detido em uma prisão boliviana aguardando julgamento por acusações de fraude, é identificável por referências ao uso de uma empresa que dirigiu, bem como pelo vazamento de texto de e-mails que descrevem ele como o organizador de uma missão envolvendo mercenários na Bolívia. Duas das pessoas incluídas nos e-mails confirmaram ao Intercept que as mensagens são autênticas, e que Pereira foi o principal articulador. Um ex-funcionário de Pereira que ouviu o áudio disse não ter dúvidas de que a voz nas gravações era de seu ex-chefe. Membros da igreja de Pereira disseram o mesmo.

Em uma gravação separada, Pereira identifica seu tradutor como “Cyber Rambo”, enquanto em uma chamada telefônica posterior ele é referido diretamente como “Luis”. “Cyber Rambo” é um apelido dado a Luis Suárez, um boliviano-americano, ex-sargento do Exército dos Estados Unidos conhecido por criar um algoritmo que impulsionou os tweets anti-Morales durante a crise política de 2019. Procurado pelo Intercept para comentários, Suárez negou ter estado em contato com López e Pereira, ou ter qualquer envolvimento na trama do golpe. Ele afirmou que, após ter sido contatado pelo Intercept em junho, encontrou uma mensagem anterior de Pereira que não havia sido lida e seguia sem resposta. Suárez especulou que Pereira poderia ter tentado enganar López, fazendo-o acreditar que ele (Suárez) estava envolvido. López não respondeu às perguntas enviadas por meio de seu advogado, que informou que seu cliente não queria falar com a imprensa e estava buscando asilo no exterior. Não foi possível contatar Pereira por telefone, e ele não respondeu às perguntas enviadas por e-mail em outubro e maio.

Referências à vitória eleitoral de Arce indicam que a convocação ocorreu depois de 18 de outubro, e parece ter sido feita antes de 5 de novembro, quando López fugiu da Bolívia para o Brasil – três dias antes da posse de Arce.

A gravação começa no meio da conversa, com o homem identificado como López dizendo: “armamentos e outros equipamentos militares são obviamente muito importantes para reforçar o que estamos fazendo”.

“Após esta conversa por telefone que estou tendo com você, farei o mesmo para coordenar com as autoridades policiais.”

“O alto comando militar já está mantendo conversas preliminares”, continua ele. “A luta, o grito de guerra, é que eles [MAS] querem substituir as forças armadas bolivianas e a polícia por milícias, cubanos e venezuelanos. Esse é o ponto principal. Eles [a polícia e as forças armadas] vão permitir que a Bolívia se levante novamente e impeça o governo de Arce. Essa é a realidade.”

López sugere ainda que o comandante das Forças Armadas “já” estava cogitando sobre um golpe de Estado preventivo e seria o responsável por “iniciar a operação militar”.

“Quero enfatizar o seguinte. O comandante das Forças Armadas está trabalhando em tudo isso”, diz López. O principal general nomeado por Áñez foi Sergio Orellana. Acredita-se que ele fugiu da Bolívia para a Colômbia em novembro, mas não foi possível contatá-lo para comentar o tema.

“Estamos trabalhando nisso a semana toda”, enfatiza López. “Posso garantir que agora temos forças armadas unidas – não 100%, porque obviamente existem os azuis“, calculou, em uma aparente referência à cor oficial do MAS. Alguns oficiais militares são mais propensos a apoiar “o cavalo vencedor [Arce] porque ganhou a eleição”, ele admite, apesar de insistir que eles são “muito poucos”.

“Eu garanto a você que 95, 98 por cento são super patrióticos e não querem desaparecer”, conclui. “Estou trabalhando há onze meses para garantir que as forças armadas tenham dignidade, moral, sejam julgadas e testadas, e pensem na pátria acima de tudo. Eu garanto que isso não vai falhar.”

Um dia antes da posse de Arce, Morales – na época ainda exilado em Buenos Aires – alegou que Orellana vinha tentando persuadir oficiais superiores a estabelecer uma “junta militar”, usando a justificativa de que Arce planejava substituir as forças armadas por milícias. Morales sugeriu que um general pró-MAS havia derrotado Orellana – e que, embora ordens tivessem sido dadas para mobilizar as tropas de elite, elas foram rapidamente canceladas. Na época, a mídia internacional, de forma geral, ignorou a afirmação de Morales.

“Ouvi rumores nesse sentido, mas nada concreto, nada sobre movimentos [de tropas]”, disse Tomás Peña y Lillo, general aposentado e chefe de operações do Exército até 2010, quando questionado sobre o complô pelo Intercept. “Imagino que não tenha passado de um desejo.”

No entanto, Peña y Lillo argumentou que importantes figuras militares bolivianas continuam genuinamente preocupadas com a possibilidade de o MAS abrigar projetos de marginalização do exército, armando seus próprios apoiadores. “Essa é a intenção do governo [Arce]”, acrescentou. “Eles obviamente gostariam de fazer isso, e podem tentar. Mas a constituição não permite. E o exército cumprirá a constituição.”

O ex-presidente boliviano Evo Morales e o ex-comandante-em-chefe das Forças Armadas, Williams Kaliman, participam da comemoração do 140º aniversário da Batalha de Calama, em La Paz, no dia 23 de março de 2019.

Foto: Aizar Raldes/AFP via Getty Images

“Milícias Armadas do Povo”

Durante seus 14 anos no poder, a relação cordial entre Morales – ele próprio um recruta quando jovem – e as Forças Armadas da Bolívia, cujo alto comando foi treinado pelos Estados Unidos, deteriorou e se tornou uma fissura aberta.

Seus elogios a Ernesto “Che” Guevara – que foi capturado e morto na Bolívia com o apoio da CIA em 1967 – e a criação de uma academia militar “anti-imperialista” irritaram muitos soldados. Reclamações sobre salários também foram compartilhadas pela polícia. Sua recusa em reprimir os protestos depois da contestada votação de 2019 foi fundamental para forçar o presidente de mais longo mandato na Bolívia ao exílio, primeiro no México, depois na vizinha Argentina.

Mas a sugestão de que os principais generais estavam deliberando sobre como impedir o MAS de retornar ao poder sob Arce um ano depois – desconsiderando o resultado das eleições de 2020 e violando a constituição – indica que a desconfiança sobre o movimento popular dominante no país por parte de algumas das mais velhas figuras militares transformou-se em paranoia.

Em sua ligação telefônica com Pereira, López destacou: “Meu trabalho agora está focado em evitar a aniquilação de meu país e a chegada de tropas venezuelanas e cubanas, e do Irã”. Em um discurso proferido em outubro de 2020 para marcar o aniversário da morte de Guevara, López prometeu, da mesma forma, que invasores estrangeiros “de qualquer nacionalidade, cubanos, venezuelanos ou argentinos… encontrarão a morte em nosso território”.

A alegação de que agentes cubanos, venezuelanos e iranianos se infiltraram com sucesso em governos, partidos de esquerda e movimentos de protesto em toda a América Latina tornou-se um argumento frequente da direita em toda a região nos últimos anos, mas – além da própria Venezuela – há pouca evidência concreta capaz de sustentar a ideia.

Em janeiro de 2020, enquanto estava exilado em Buenos Aires, Morales disse a apoiadores do MAS que, se voltasse à Bolívia, procuraria organizar “milícias armadas do povo” conforme os moldes venezuelanos. Seus rivais alegaram que seus comentários entregaram os planos para a criação de uma força paramilitar pró-MAS. Depois, Morales afirmou que estava se referindo a uma tradição de patrulhas de autodefesa locais nas comunidades andinas.

Eduardo Gamarra, cientista político boliviano e professor da Florida International University, sugeriu um motivo mais simples para os generais que ajudaram a derrubar Morales podem ter desejado manter Arce longe do poder. “Houve agitação nas forças armadas? Eles estavam preocupados? Sim”, disse Gamarra. “Eles estavam justamente preocupados que haveria um grande expurgo. O MAS iria ficar furioso.”

Pereira também estava monitorando o paradeiro do ex-líder do MAS. Em outro telefonema, ele fala de forma amigável com um homem mais velho, Manuel, que informa que Morales se mudou de uma residência temporária perto de uma escola americana no subúrbio de La Lucila, em Buenos Aires.

“Que pena. Uma pena que o nosso amigo Evo… saiu daquele lugar ”, diz Pereira.

“Teremos que descobrir onde ele está”, responde Manuel. “Ele tem que estar em algum lugar.”

“Posso conseguir até 10 mil homens sem nenhum problema”

Durante a ligação de 15 minutos, Pereira afirma que o pedido por armas “não é problema” e pergunta quantos Hercules C-130 o ministro da Defesa tem disponíveis. A resposta de López: existem apenas três C-130s em toda a Bolívia, e ele só tem o controle de um, enquanto a polícia nacional tem dois. Pereira o tranquiliza: “após esta ligação que estou tendo com você, farei o mesmo para coordenar com as autoridades policiais. Com o alto comando.”

“Temos muitos jogadores se movimentando, muitas partes em movimento.”

As aeronaves, diz Pereira, são necessárias “para recolher o pessoal do Comando Sul na Base Aérea de Homestead em Miami”.

“Quando os C-130s chegarem, estarão contratados, preparados … com todas as armas prontas”, acrescenta.

O tradutor então explica o arranjo de forma mais detalhada: as tropas serão embarcadas “como se fossem empreiteiros privados, sem representação do Estado americano”.

“Vamos colocar todas essas pessoas sob contratos de fachada para empresas bolivianas que já operam no país”, continua Pereira, com López concordando em cada ponto.

‘Farei com que voem disfarçados, como se fossem fotógrafos, pastores, médicos, turistas’.

“Posso conseguir até 10 mil homens sem nenhum problema. Eu não acho que precisamos de 10 mil”, ele calcula. “Todos das forças especiais. Também posso trazer cerca de 350 pessoas que chamamos de LEPs, Profissionais da Aplicação da Lei, para orientar a polícia. … Comigo [na Bolívia] tenho uma equipe que pode realizar vários trabalhos diferentes. … Se houver algo mais que eu necessite, farei com que venham disfarçados, como se fossem fotógrafos, pastores, médicos, turistas.”

David Shearman, um dos recrutadores baseados nos Estados Unidos a quem Pereira pediu para organizar o contingente, disse depois ao Intercept que o número de 10 mil era absurdo. “Não seria possível conseguir 10 mil pessoas mesmo se a Blackwater retornasse aos negócios e voltasse para o Iraque”, disse Shearman ao Intercept em junho.

Pereira, em áudio, sugere que este grupo de mercenários será recebido de braços abertos pelos bolivianos – 3,2 milhões dos quais votaram pelo retorno do MAS ao poder poucos dias antes. “Fizemos muitas infiltrações. …Eles não vão tentar convencer as pessoas a seguirem o MAS. Há mais pessoas que querem a liberdade para o seu país. ”

Anniversary of the founding of the ruling party MAS in Bolivia

Apoiadores comparecem ao 26º aniversário da fundação do partido governista Movimiento al Socialismo em 29 de março de 2021, em La Paz.

Foto: Radoslaw Czajkowski/picture alliance via Getty Images

Pereira acrescenta que precisaria falar com Arturo Murillo, então ministro do Interior e responsável pela polícia, “para que ele não cometa erros, fique assustado.” Nas semanas anteriores à eleição de 2020, Murillo advertiu repetidamente, em público e em privado, que o MAS estava planejando uma insurreição armada caso perdesse na votação. Em outubro, Murillo viajou para Washington, para reuniões com diplomatas dos Estados Unidos, OEA e Casa Branca, onde disse que questões de “segurança nacional” e “ameaças” às eleições foram discutidas. Na época, Murillo disse à imprensa que “os Estados Unidos podem ajudar em muitas coisas”, e depois confirmou que a Bolívia estava comprando armas para “defender a democracia” a “qualquer preço”. Em maio de 2020, ele se vangloriou por ter se encontrado com a CIA, alegando que Mauricio Claver-Carone, o porta-voz do governo de Trump para assuntos latino-americanos, “tinha aberto muitas portas para nós”. Murillo não respondeu aos pedidos de comentários feitos pelo Intercept em outubro.

Mas Pereira, na ligação, afirma que não deve haver nenhum vestígio de envolvimento dos Estados Unidos. “Quer eles nos vejam como mercenários ou como [um] Estado contratante, ou como eles queiram nos ver, eu não me importaria, desde que não pudessem nos vincular diretamente às Forças Especiais, Exército ou Força Aérea”, ele afirma.

O tradutor faz uma pergunta ao ministro diretamente “como boliviano”. Quão prontos “estão todos vocês”, pergunta ele, “para fazer isso dar certo? Vocês estão prontos para realizar operações psicológicas, para manipular informações da mesma forma que o MAS?” A resposta é inequívoca: “Cem por cento.”

“Sr. Ministro, vou lhe perguntar uma coisa como boliviano.”

“Eu realmente não tenho nenhuma ideia sobre isso”, Suárez disse ao Intercept, afirmando que agora era um engenheiro de software baseado no Texas, mas que não estava envolvido com segurança cibernética ou trabalhos relacionados ao governo.

“Eu não tinha nenhuma intenção de impedir Arce de tomar o poder”, disse Suárez, “Eu acho que ele ganhou a eleição de forma justa, e não como Evo Morales, por fraude.”

“Venham nos ajudar”

Outra chamada inteiramente em espanhol, que Pereira parece ter realizado após a conversa com o ministro, indica que Pereira pode ter exagerado o nível de apoio militar ao planejado golpe.

“Ontem à noite eu fiquei acordado até duas da manhã, quase duas e meia, [com] relatórios de inteligência, contrainteligência… falando de rumores, manobras e estratégias”, Pereira queixa-se ao destinatário, que não foi identificado. “É muito preocupante. … As pessoas estão indo da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, como bem entendem. … Elas estão com medo”, ele supõe, acrescentando que subornos, interesse próprio e até mesmo as redes sociais estavam afetando a lealdade dos soldados.

“Estão cansados de seus chefes conseguirem tudo enquanto eles se expõem às balas por nada. Há pessoas estratégicas em cada unidade que estão completamente a nosso favor”, explica.

Pereira destaca a necessidade de garantir o apoio das forças especiais da academia de paraquedistas Condors e dos regimentos de elite Rangers da Bolívia.

“Precisamos olhar para tudo o que falamos há vários meses atrás”, diz Pereira na chamada. “Falamos sobre o plano de ação, de demonstração de força, de tomada de postos estratégicos. Acho que com o que temos agora, estamos em uma posição muito melhor, em que não teremos que enfrentar as tropas bolivianas. Teremos que mostrar eficiência, seriedade, um contingente forte, e uma vez que eles vejam por si mesmos, acho que nos convidarão para entrar, e dirão ‘Venham nos ajudar’.”

“As coisas estão avançando”

As promessas de Pereira de trazer aviões carregados de mercenários para ajudar a insurreição provavelmente foram exageradas. Mas evidências analisadas pelo Intercept sugerem que os planos de utilizar centenas de mercenários durante as eleições, incluindo ex-membros de serviços dos Estados Unidos, estavam bem adiantados nas semanas anteriores a 18 de outubro.

Nos e-mails compartilhados com o Intercept antes da eleição por um profissional da área de segurança aposentado – que pediu para não ser identificado porque temia retaliação – Pereira é indicado como um dos três organizadores da missão. Os outros dois, David Shearman e Joe Milligan, têm ampla experiência em contrainsurgência e operações secretas no exterior.

A primeira mensagem, que foi escrita por Milligan e cujos destinatários são descritos como estando na “grupo de e-mails LEP/Medic”, indica que pelo menos 250 profissionais, incluindo na área de aplicação da lei e médicos, se inscreveram no “projeto Bolívia”. Ela estipula que aqueles que “se inscreveram na Equipe Vermelha” seriam contatados separadamente. Na chamada entre López e Pereira, o tradutor se refere a Pereira com o codinome “Vermelho”.

De acordo com o e-mail, o envio de pessoal foi atrasado devido ao adiamento das eleições de 23 de julho, de 6 de setembro para 18 de outubro”, prossegue Milligan.

“Este projeto é muito delicado neste momento”, adverte Milligan. “Eu só publiquei em alguns sites do Facebook onde sei que os LEP e os Medics estão, e algumas páginas da polícia. Então, vamos manter isso o mais seguro possível. Há muitas partes envolvidas, e não queremos atrapalhar os outros caras que estão trabalhando no terreno para que isso aconteça.”

Os destinatários do e-mail deveriam ligar para um número registrado no nome de Milligan, um negociante de armas licenciado em Dallas, Texas. Uma página do LinkedIn descreve Milligan como treinador policial e militar, e chefe de segurança de uma empresa de sucata em Dallas. Entre 2006 e 2012, ele trabalhou em operações de contrainsurgência e remoção de bombas no Afeganistão com a empresa militar privada MPRI, e treinou a polícia iraquiana com a Blackwater, famosa por perpetrar um massacre de civis em Bagdá no ano de 2007.

Contatado por telefone pelo número indicado antes da eleição, Milligan negou qualquer conhecimento da operação, dizendo primeiro que ele era um motorista de caminhão, em seguida, que ele trabalhava em uma empresa de sucata de metais. “Deve ser outro Joe Milligan, há vários no Facebook”, acrescentou, antes de desligar. Contatado novamente em junho, ele reconheceu que os e-mails eram autênticos, e que Pereira, organizando o plano, havia chegado a ele através de uma rede mútua. Ele seguiu afirmando que não tinha conhecimento específico do que Pereira estava planejando na Bolívia.

“Eu realmente não dou muita importância ao que as pessoas me dizem até que eu veja um cheque de pagamento ou uma passagem de avião. Eu trabalho no exterior há anos, então nem me preocupo com o que as pessoas pensam que vão fazer, ou sobre o que estão falando, até que tudo se materialize em um pagamento”, afirmou.

Shearman, o outro contato listado, descreve a si mesmo em uma biografia online como um ex-fuzileiro naval dos Estados Unidos que trabalhou “pelo mundo todo” em várias “operações secretas”, incluindo a proteção de oficiais dos Estados Unidos no Iraque e na América do Sul. Em um segundo e-mail, o nome, o e-mail, o número de telefone e o blog de Shearman – chamado de Viper One Six devido à sua identificação militar no Afeganistão – estão anexados como assinatura.

“As coisas estão avançando. Continuamos a buscar mais profissionais interessados ??com experiência consolidada em aplicação da lei e que tenham interesse ?neste tipo de missão especial”, começa a mensagem de Shearman. Ele prossegue, pedindo aos destinatários interessados ??que enviem por e-mail um acordo de sigilo para Pereira, para então receber mais instruções, e para que “Sejam discretos … jeans, calças casuais, camisas de mangas compridas e curtas que permitam levar coisas escondidas”.

“Se você tiver uma licença de piloto, a empresa pagará todas as taxas de renovação, etc. enquanto você estiver lá. Prepare-se, grupo guerrilheiro – MSA, o principal inimigo por lá ”, acrescenta Shearman, provavelmente embaralhando a abreviatura do partido MAS. “Nosso programa está sendo adicionado a um existente, e nosso programa ainda está sendo implementado.”

Os e-mails sugerem que o projeto é politicamente delicado. “O cronograma atualizado parece ser do final de setembro até o início de outubro. A data depende da questão política lá. Os grupos se moverão de forma escalonada, e você será avisado sobre o movimento de seu grupo e mais informações sobre as viagens seguirão conforme você continua no processo”, escreveu Shearman. “Todos vocês receberão instruções durante a viagem e terão uma visão mais clara da operação, missão e das suas preocupações/suscetibilidades.”

Shearman conclui prometendo que um “HQ South” – Quartel-General Sul – cuidará de todos os “processamentos da empresa, emissão de equipamentos e qualificação dos atiradores” – referindo-se a certificados de armas de fogo – e oferece uma “instalação médica/odontológica completa”. Ainda não está claro se o grupo tinha ou não acesso a uma base nova ou preexistente na Bolívia.

Contatado por telefone antes das eleições, Shearman disse que estava aposentado e negou estar envolvido em qualquer projeto na Bolívia. Advertindo que lidar com as mensagens vazadas pode ser ilegal, ele disse: “Se uma pessoa divulgar documentos confidenciais, isso pode ser uma questão legal séria para qualquer indivíduo envolvido.”

Em junho, Shearman reconheceu ter enviado os e-mails e explicou que Pereira o havia procurado para obter ajuda no recrutamento e na administração para o que ele entendeu ser um projeto legítimo de treinamento policial. “Infelizmente, se eu tivesse que fazer tudo de novo, não os teria ajudado, mas esses e-mails parecem pintar um quadro de alguma coisa fantástica, então posso entender o interesse de quem vê de fora”, explicou, acrescentando que o conteúdo dos e-mails foi em grande parte disponibilizado por Pereira. “Muitas dessas coisas foram apenas repetições do que Joe escreveu.”

Shearman também disse que não foi pago pelo trabalho e que não tem notícias de Pereira há meses. Ele afirmou que Pereira disse que o projeto envolvia “um trabalho com o governo boliviano para fornecer treinamento policial – o treinamento de suas agências policiais em táticas policiais regulares. … Esse é o alcance do que eu sei, e o escopo do esforço de recrutamento. Qualquer coisa além disso, eu não tenho ideia, porque eu não estava a par de nada disso.”

“SOCOM não vai me decepcionar”

Pereira chegou à Bolívia há cerca de uma década. Membros de uma igreja batista na cidade de Santa Cruz, ao leste, um foco de oposição a Morales, disseram que ele era considerado um ex-soldado e pastor que trabalhava na indústria do petróleo. Por um tempo, ele dirigiu a Fundação Bridge 2 Life, que afirma trazer pastores, médicos e professores para trabalhar na América Latina e no Oriente Médio. Um anúncio de 2014 para uma palestra motivacional de Pereira o descreve como um “ex-oficial do Exército das Forças Especiais” e um “ex-fuzileiro naval”, embora os registros públicos se refiram a ele como um contratado civil. De acordo com um boletim interno, ele já trabalhou como planejador de mobilização em assuntos de reserva no Centro e Escola de Guerra Especial John F. Kennedy, em Fort Bragg, Carolina do Norte – um centro de treinamento do Exército para o Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos, ou SOCOM – em 1999. Outra publicação o descreve como um trabalhador da construção civil com a mesma função em 2002.

Uma página do Facebook de Pereira o coloca como “Presidente do setor de Petróleo e Gás do China National Group” desde março de 2017. Com sede em Santa Cruz, a página inativa do Facebook da empresa indica que ela ocupava uma “plataforma” deixada por outra empresa, que anteriormente trabalhava com investidores chineses.

Em outubro de 2020, os escritórios do China National Group no centro de Santa Cruz estavam vazios e disponíveis para alugar. Um registro oficial mostrou que a empresa havia oficialmente fechado antes do final de março de 2019. No entanto, os e-mails de setembro de 2019 vazados do endereço de Pereira mostram as letras “cng” como sufixo, e os contratados são convidados a assinar um acordo de sigilo denominado “CNG-NDA.”

Uma intimação judicial de novembro de 2016 descreve as acusações de fraude contra Pereira e sua esposa. Uma decisão judicial de julho de 2019 indica que Pereira estava em prisão preventiva em 5 de novembro de 2018, e que um coronel da polícia ameaçou transferi-lo para um bloco de celas diferente, a menos que Pereira devolvesse 80 mil dólares. Não se sabe se o caso teve continuidade, e se Pereira foi condenado ou absolvido.

Os indícios de práticas comerciais enganosas estão de acordo com suas promessas a López de que ele poderia usar “contratos de fachada” para trazer mercenários estrangeiros para a Bolívia “disfarçados” como pastores, médicos e turistas.

O primeiro “check-in” de Pereira no Facebook foi em Santa Cruz no dia 16 de novembro de 2019: seis dias depois que Morales fugiu do país e Añez assumiu o poder. Em fevereiro de 2020, ele postou imagens de uma conversa do WhatsApp no Facebook , afirmando estar no comando de tropas em uma base na Bolívia, e brincando – no contexto de uma aposta perdida no Super Bowl – que o “SOCOM nunca vai me decepcionar.”

Entre os 535 amigos de Pereira no Facebook estão dezenas de militares e ex-militares americanos e trabalhadores de segurança privada. As ligações para um número do China National Group não foram atendidas. Pereira não respondeu às perguntas enviadas por e-mail. Seu paradeiro atual é desconhecido.

BOLIVIA-CRISIS-DEFENCE-POLICE-TERRORISM

O ministro do Interior do governo interino da Bolívia, Arturo Murillo, à esquerda, cumprimenta membros da unidade antiterrorista do GAT durante sua apresentação em La Paz no dia 3 de dezembro de 2019.

Foto: Aizar Raldes/AFP via Getty Images

“Vivo, Livre ou como Presidente da Bolívia”

Outras duas conversas gravadas analisadas pelo Intercept sugerem que as divergências entre o ministro da Defesa López e Murillo – como ministro do Interior, em última instância o responsável pelo controle da polícia – podem ter prejudicado os planos de golpe. Elas parecem ter ocorrido logo antes de López fugir do país em 5 de novembro. As gravações sugerem que López não estava apenas envolvido, mas também que os conspiradores haviam sugerido a perspectiva de que ele se tornasse o presidente no lugar de Arce.

Uma mulher que se apresenta como parente de López diz em um telefonema que ele está sob pressão “para não desmascarar o plano de Murillo”, referindo-se ao ministro do Interior. “Parece que ele está com medo, ele diz até que não sabe o que vai fazer”, acrescenta.

“Então a questão é simples”, responde o interlocutor, que é chamado pelo primeiro nome de Suárez, Luis, o mesmo nome do “Cyber ??Rambo” que Pereira disse estar sendo o tradutor na ligação entre ele e López. “É Murillo que está colocando um obstáculo em nosso caminho.” A mulher responde: “Exatamente, ele diz que o estão ameaçando.”

Longe da bravata de alguns dias antes, o ex-paraquedista parece ter voltado à terra. “Diga à mãe de López”, continua o interlocutor, “que provavelmente a única opção de ele sair com vida, livre ou como presidente da Bolívia é atender nossa ligação. (…) O filho dela já está em grande perigo”, acrescenta, “tenho que falar com ele e ele tem que parar de cometer erros”.

Em uma gravação posterior, Pereira conclui: “Ele está cagando nas calças agora.”

No desenrolar dos fatos, o golpe nunca se concretizou e a ameaça à democracia boliviana parece ter recuado. Arce foi empossado como presidente da Bolívia em 8 de novembro de 2020, um dia depois que a maioria dos principais meios de comunicação declarou a vitória de Joe Biden na eleição presidencial dos Estados Unidos. Morales retornou à Bolívia logo depois e apareceu em comícios do partido MAS, mas não assumiu um cargo formal no governo. Arce demitiu os comandantes militares promovidos por Áñez, incluindo Orellana, e os substituiu por oficiais considerados mais leais.

Murillo e López fugiram juntos pela fronteira do Brasil em 5 de novembro, com a ajuda de um avião da Força Aérea Boliviana, pouco antes de serem feitas acusações de corrupção contra eles. Eles são suspeitos de terem recebido subornos depois que uma empresa de segurança privada sediada na Flórida, Bravo Tactical Solutions, garantiu um contrato para fornecer gás lacrimogêneo às forças de segurança da Bolívia a preços bastante inflacionados.

Murillo, no entanto, não encontrou refúgio fora do país. Em 26 de maio deste ano, o FBI anunciou que o havia prendido sob a acusação de conspirar para cometer lavagem de dinheiro ligada ao caso do gás lacrimogêneo. No mesmo dia, o ministro do Interior de Arce indicou que também buscaria a extradição de López do Brasil em conexão com o mesmo caso. López negou qualquer delito, tuitando no mês passado que “o povo boliviano sabe que eu trabalhei incansavelmente pelo país, de acordo com a constituição”.

Orellana, que fugiu para a Colômbia em novembro, tem mandados de prisão contra ele por seu papel na derrubada de Morales e na morte de manifestantes pelas tropas. Em março, a própria Áñez foi presa por seu envolvimento no golpe de 2019. Ela insiste que sua presidência interina foi constitucional.

Mas os rumores de inquietação entre os militares continuam. Peña y Lillo, o general aposentado, disse que ao prender oficiais militares “como criminosos comuns”, o governo Arce estava buscando “aterrorizar e se vingar das forças armadas” por seu papel na remoção de Morales. Ele descreveu o golpe de 2019 como uma intervenção constitucional para “defender a sociedade”.

“Haveria muito derramamento de sangue”

Olhando para trás, golpes abortados parecem muitas vezes descuidados, mas tais tramas não precisam ser perfeitamente executadas para serem bem-sucedidas. É fato conhecido que o governo dos Estados Unidos derrubou líderes eleitos democraticamente no Irã e na Guatemala na década de 1950, ambas as vezes em pequenas operações que acabaram bem-sucedidas em meio ao caos resultante. O golpe de 1954 na Guatemala teve sucesso porque os militares locais perceberam corretamente que os Estados Unidos estavam por trás de tudo.

Mas a trama que Pereira estava tentando vender não parece ter obtido o apoio do governo dos Estados Unidos. Ela parecia mais com o caso de maio de 2020 relacionado à Silvercorp USA, uma empresa militar privada com sede na Flórida, que lançou uma tentativa fracassada de golpe contra o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Oito participantes foram mortos e 17 foram capturados. Entre os que agora estão presos na Venezuela, está o ex-boina verde líder da operação, que depois alegou que ela havia sido autorizada pela Casa Branca de Donald Trump. O governo Trump negou envolvimento.

“Estas pessoas [são] vândalos dando o passo maior que a perna, tentando ficar ricos de forma rápida”, explica Sean McFate, um professor de estratégia na Universidade de Georgetown e ex-profissional militar que analisou os e-mails compartilhados com o Intercept. “São apenas amadores. E nós temos visto muito disso [recentemente].”

Gamarra, da Florida International University, avalia que as afirmações de Pereira sobre ter o apoio das Forças Armadas dos Estados provavelmente eram falsas, mas demonstram o problema da fraca supervisão sobre os soldados que se tornaram mercenários em todo o mundo.

Esses grupos de soldados mercenários tornaram-se mais perigosos depois que a administração Trump os encorajou a “trabalhar como freelancers”, acrescentou, referindo-se ao suposto endosso discreto da Casa Branca para as atividades da Silvercorp na Venezuela.

‘Conspirações causam muitos problemas, principalmente em lugares frágeis como a Bolívia. Você só precisa de um Pereira para bagunçar as coisas’.

“Esses caras são encontrados às dúzias, todos eles pensam que são generais. Eles são perigosos por causa do que eles prometem”, disse Gamarra. “Conspirações são geralmente apenas isso, conspirações, mas elas causam muitos problemas, principalmente em lugares frágeis como a Bolívia. Você só precisa de um Pereira para bagunçar as coisas.”

Se a efêmera operação boliviana fosse financiada pelo governo dos Estados Unidos, ou tivesse sua “aprovação tácita ou explícita”, ela mostraria o quanto a política do governo de Trump para a América Latina havia se encaminhado para um estilo “cowboys no Velho-Oeste”, disse Adam Isaacson, diretor do programa de Supervisão da Defesa no Escritório de Washington para a América Latina.

“É inacreditável que diplomatas profissionais ou comandantes militares fossem capazes de aprovar uma missão estúpida como essa”, acrescentou Isaacson.

“A última coisa que esta região precisa agora são bandos de mercenários pagos por sabe-se lá quem tentando colocar seus líderes preferidos no poder pelo uso da força”, afirmou Eric Farnsworth, ex-diplomata dos Estados Unidos e vice-presidente do Conselho das Américas, que também revisou os e-mails e concordou que a trama parecia bem avançada. “Não é democrático e não pode ser tolerado.”

Um triste exemplo do que pode ter ocorrido tomou forma em novembro de 2019, quando pelo menos 19 manifestantes, principalmente pobres e apoiadores indígenas do MAS, foram mortos a tiros pelas forças de segurança bolivianas sob a supervisão de Áñez , Murillo, López e Orellana. Entre os mortos estava Omar Calle Siles, 28 anos, um hábil jogador de futebol que deixou um filho de 5 anos.

“Choramos todos os dias”, disse a irmã de Omar, Angélica Calle Siles. “Não conseguimos comer juntos nos últimos 17 meses porque sentimos sua ausência à mesa.”

“Tudo o que queremos é justiça”, acrescentou, “que as pessoas que destruíram tantas famílias humildes paguem, para que meu irmão possa descansar em paz”.

Se o golpe planejado em 2020 fosse colocado em prática, Gamarra alerta, “haveria muito derramamento de sangue na Bolívia”.

 Jack Murphy contribuiu com a reportagem.

Tradução: Antenor Savoldi Jr.

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