Jair Bolsonaro levou mais de um mês para reconhecer a vitória de Joe Biden nas eleições americanas. Por mais de 30 dias, afirmou que Trump havia sido vítima de fraude eleitoral. Em abril, o governo brasileiro enviou uma carta para Biden em um tom diplomático. Houve quem exaltasse a conversão do presidente ao pragmatismo diplomático, mas esqueceram que Bolsonaro é Bolsonaro.
Quatro meses depois, o presidente retomou o chorume conspiratório. Disse a um representante de Biden que acreditava em fraude nas eleições americanas, o que deixou o interlocutor atônito. Bolsonaro deixou claro ao governo americano que considera Biden um presidente ilegítimo.
Na mesma semana em que soltou essa bomba na diplomacia, Eduardo Bolsonaro largou seu mandato em uma semana importante na Câmara para cumprir uma agenda particular nos EUA, onde se reuniu com a nata do golpismo da extrema direita americana. Após se encontrar com Trump, a quem ainda chama de “presidente”, foi convidado para falar em uma conferência cujo tema principal eram fraudes eleitorais, organizada pelo empresário Mike Lindell. O evento foi um verdadeiro intercâmbio entre golpistas, que dividiram suas experiências de enganar a população sobre as eleições.
O deputado foi apresentado para a plateia como o “terceiro filho do Trump dos trópicos” e iniciou o discurso elencando uma série de mentiras já conhecidas sobre o processo eleitoral brasileiro. Bastante à vontade entre os seus pares golpistas, Eduardo chegou a fazer uma provocação à plateia: “Vou contar uma história. Imaginem um país no qual, no dia da eleição, autoridades começam a contar os votos minuto a minuto e depois pausam por algumas horas. E quando eles retomam a contagem, adivinhem, quem estava em segundo lugar agora está em primeiro”.
O deputado levou a plateia a acreditar que ele se referia aos EUA, mas depois explicou se tratar da Bolívia: “Se vocês pensaram em qualquer outro país, vocês devem saber que esse país está no mesmo nível da Bolívia quando falamos de eleições”. Eduardo ainda encontrou tempo para criticar o presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, a quem seu pai chamou recentemente de “filho da puta”, e ainda apresentou vídeos das constrangedoras motociatas e trechos das lives bizarras de Bolsonaro.
Os organizadores desse evento são dois dos maiores golpistas nos EUA: Steve Bannon e Mike Lindell. Como se sabe, Bannon é uma espécie de Olavo de Carvalho com influência internacional. Já Lindell, empresário milionário, é uma versão piorada do véio da Havan. Ambos seguem empenhados em difundir as teorias da conspiração sobre as últimas eleições americanas. Durante a conferência, Bannon afirmou que Bolsonaro vencerá Lula no Brasil, a menos que as urnas eletrônicas o roubem. Lindell concordou. Bannon disse ainda que Lula é o “esquerdista mais perigoso do mundo, um criminoso, um comunista que é apoiado por toda a imprensa norte-americana” Ao final do evento, Bannon afirmou que a eleição brasileira de 2022 será a “mais importante da história da América do Sul”.
Além de promover golpes pelo mundo, Bannon também é um ladrão. Ele foi preso por roubar a grana de uma vaquinha online feita por ele para arrecadar fundos para a construção do muro fascistoide na fronteira com o México prometido pelo presidente americano durante a campanha. Como Trump não cumpriu a promessa de que os mexicanos pagariam pelo muro, Bannon recorreu à xenofobia dos eleitores trumpistas para arrecadar fundos. Obviamente tratava-se de um golpe. O muro não foi construído, e Bannon desviou parte da grana para o seu bolso.
‘Mesmo que Bolsonaro não seja reeleito, o bolsonarismo continuará vivo’.
Bannon foi preso e só se livrou da pena graças a Donald Trump, que lhe concedeu o perdão no seu último dia de mandato. Como se sabe, as táticas utilizadas pela extrema direita no mundo estão todas presentes na cartilha de Bannon. As declarações diárias, polêmicas, negacionistas, absurdas, conspiratórias e contraditórias são uma estratégia de guerrilha de narrativa que constam nela. Colocar as eleições sob suspeita figura entre as recomendações.
No ano passado, o guru americano escolheu Eduardo Bolsonaro para ser o líder do The Movement na América Latina, uma organização dedicada a defender os interesses dos ultra reacionários espalhados pelo mundo. A tentativa de golpe orquestrada por Trump nos EUA contou com a participação de Eduardo. Ele foi o único estrangeiro presente no chamado “conselho de guerra”, que organizou a invasão ao Capitólio. Horas antes da invasão, Eduardo postou uma foto ao lado de Lindell e o apresentou com a usual finesse bolsonarista: “ex-drogado e hoje um empresário de sucesso nos EUA”.
Mike Lindell é um excêntrico presidente de uma fabricante de travesseiros que gosta de aparecer nas propagandas da sua empresa. É como Luciano Hang. Além de banido do Twitter por divulgar mentiras sobre fraude eleitoral, o republicano também conseguiu a proeza de ser banido de uma conferência entre governadores republicanos.
O empresário está sendo processado pela empresa Dominion Voting Systems, que o acusou de difamação pelas alegações infundadas de fraude eleitoral envolvendo urnas eletrônicas nas eleições americanas. A empresa pede mais de US$ 1 bilhão em indenização na justiça, o que pode levar o milionário picareta à falência. Recentemente, a CNN fez uma reportagem desmontando a teoria conspiratória de Lindell – ele afirma que as urnas americanas foram hackeadas pela China para eleger Biden. A reportagem provou que a alegação é mentirosa, já que as urnas e todo o sistema de votação eletrônico não estão conectados à internet.
Trump está há sete meses fora da Casa Branca, mas ele e seus aliados seguem investindo em promover golpes de estado nos EUA e no exterior. Na semana passada, durante a visita ao Brasil, o representante de Biden disse a Bolsonaro que a Casa Branca confia no sistema eleitoral do Brasil e que não há indícios de fraude nas eleições brasileiras. O americano afirmou também que os EUA acreditam ser importante não minar a confiança dos eleitores no processo eleitoral.
A presença de Eduardo Bolsonaro no evento golpista de Bannon e Lindell causou ainda mais constrangimento à diplomacia brasileira. Os EUA pareciam dispostos a esquecer as falsas acusações de Bolsonaro com relação às eleições americanas, tentando criar pontes de diálogo com o governo brasileiro. Mas presença do filho do presidente em evento golpista, ao lado de bandidos que conspiram contra o governo americano, foi um balde de água fria nessa tentativa de aproximação.
Trump perdeu a eleição, mas conseguiu manter acesa a chama da desconfiança sobre o processo eleitoral acesa nos EUA. Boa parte da população acredita que houve fraude. O bolsonarismo já está preparando o terreno para fazer o mesmo no Brasil caso saia derrotado das urnas. As pesquisas indicam que 20% dos brasileiros não confiam nas urnas, apesar da absoluta falta de indícios de fraude.
Mesmo que Bolsonaro não seja reeleito, o bolsonarismo continuará vivo. E eles continuarão a usar o know-how de Bannon e a investir nas conspirações contra a democracia.
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