O Talibã apreendeu dispositivos biométricos militares dos EUA que poderiam ajudar na identificação dos afegãos que ajudaram as forças da coalizão no país, disseram ao Intercept oficiais militares atuais e aposentados.
Os aparelhos, conhecidos como HIIDE, sigla em inglês para Equipamentos Portáteis de Detecção de Identidade Interagências, foram apreendidos na semana passada durante a ofensiva do Talibã, de acordo com um oficial do Comando de Operações Especiais Conjunto e três ex-militares dos EUA, todos preocupados que dados confidenciais contidos nos dispositivos possam ser usados pelo Talibã. Os HIIDE contêm dados biométricos de identificação, como varreduras da íris dos olhos e impressões digitais, bem como informações biográficas, e são usados para acessar grandes bancos de dados centralizados. Não está claro quanto do banco de dados dos EUA com a população afegã foi comprometido.
Embora anunciados pelos militares dos EUA como um meio de rastrear terroristas e outros insurgentes, os dados biométricos sobre os afegãos que ajudaram os EUA também foram amplamente coletados e usados em cartões de identificação, segundo as fontes.
“Processamos os dados de milhares de moradores por dia, tínhamos que identificar, fazer uma varredura em busca de coletes suicidas, armas, coleta de informações, etc.” explicou um empreiteiro militar dos EUA. “[O HIIDE] foi usado como uma ferramenta de identificação biométrica para ajudar a identificar os afegãos que trabalhavam para a coalizão”.
Um porta-voz da Agência de Inteligência de Defesa encaminhou as perguntas para o Gabinete do Secretário de Defesa, que não respondeu a um pedido por comentários sobre a situação.
Um veterao das Operações Especiais do Exército disse que é possível que o Talibã precise de ferramentas adicionais para processar os dados do HIIDE, mas expressou preocupação com o fato de que o Paquistão poderia ajudá-los nisso. “O Talibã não tem equipamento para usar os dados, mas o ISI tem”, disse o ex-oficial de Operações Especiais, referindo-se à agência de espionagem paquistanesa, o Diretório para os Inter-Serviços de Inteligência, ou ISI. O ISI é conhecido por trabalhar em estreita colaboração com o Talibã.
Os militares dos EUA há muito usam dispositivos HIIDE na guerra global contra o terrorismo e usaram biometria para ajudar a identificar Osama bin Laden durante a invasão ao seu esconderijo no Paquistão, em 2011. De acordo com a repórter investigativa Annie Jacobsen, o Pentágono tinha como objetivo coletar dados biométricos de 80% da população afegã para localizar terroristas e criminosos.
“Não acho que alguém tenha pensado em privacidade dos dados ou o que fazer no caso de o sistema [HIIDE] cair nas mãos erradas”, disse Welton Chang, chefe de tecnologia da Human Rights First, ele próprio um ex-oficial de inteligência do Exército. “Daqui para a frente, o aparato militar e diplomático dos EUA deve pensar cuidadosamente sobre a possibilidade de implantar esses sistemas novamente em situações tão tênues como a do Afeganistão”.
O Departamento de Defesa também buscou compartilhar os dados biométricos coletados pelo HIIDE com outras agências governamentais, como o FBI e o Departamento de Segurança Nacional. Em 2011, o Escritório de Prestação de Contas do Governo criticou o Pentágono por não fazer o suficiente para garantir que essas outras agências de vigilância tivessem acesso fácil à informação, alertando que os militares “limitam a capacidade de seus parceiros federais de identificar potenciais criminosos ou terroristas”.
Mas os EUA não coletaram apenas informações sobre criminosos e terroristas; o governo parece também ter coletado dados biométricos de afegãos que auxiliaram nos esforços diplomáticos, além daqueles que trabalharam com os militares. Por exemplo, um anúncio de emprego recente de um empreiteiro contratado pelo Departamento de Estado buscava recrutar um técnico em biometria com experiência no uso de HIIDE e outros equipamentos semelhantes para ajudar veteranos e afegãos que procuram emprego nas embaixadas e consulados dos EUA.
O governo federal dos EUA coletou dados biométricos de afegãos, apesar de conhecer os riscos associados à manutenção de grandes bancos de dados de informações pessoais, especialmente devido a ataques cibernéticos recentes a agências governamentais e empresas privadas. E isso continua a se expandir.
Por exemplo, um artigo de fevereiro de 2020 publicado pelo Exército indicou que o serviço estava modernizando sua tecnologia de processamento biométrico de 20 anos e salvou mais de 1 milhão de entradas no Sistema de Identificação Biométrica Automatizado do Pentágono, ou ABIS na sigla em iglês, que hospeda HIIDE e também dados coletados por outros dispositivos.
“Este banco de dados atualizado tornará mais eficiente para os combatentes coletar, identificar e neutralizar o inimigo”, escreveu o coronel Senodja Sundiata-Walker, gerente de projeto do programa de biometria do Pentágono.
O orçamento proposto pelo presidente Joe Biden para o Exército no ano fiscal de 2022 quer mais de US$ 11 milhões para comprar 95 novos dispositivos de coleta biométrica, expandindo os já usados no Afeganistão e no Iraque.
Tradução: Maíra Santos
Você sabia que...
O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?
E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?
Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.
E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!
O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.
Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.
Podemos contar com você por R$ 20 por mês?